A mais grave das doenças que Josemaria Escrivá teve foi uma diabete, declarada clinicamente no outono de 1944; pelo antraz que lhe apareceu no pescoço, descobriram que sofria de diabete. Essa doença obrigou-o a seguir um tratamento especial, com injeções diárias e dieta nas refeições.
O médico que o tratava em Roma, Dr. Faelli, era especialista em diabete e, conforme disse mais tarde, o Padre Josemaria era o paciente mais grave de todos os que tinha tratado em sua carreira. Ei o testemunho do Dr. Faelli:
“Quando veio ao meu consultório em 1946, fazia anos que sofria de diabetes mellitus bastante grave. Mais adiante, durante o tratamento, apareceram sérias complicações resultantes da doença: transtornos visuais e circulatórios, úlceras, cefaleias, fortes hemorragias, a perda de todos os dentes. Quanto ao transtorno da vista, tratou-se de um ataque de diplopia que ocorreu entre 1950 e 1951 e lhe dificultou a visão, impedindo de ler durante uma temporada no tratamento pratiquei uma oportuna terapia moderna”[1]
No meio de uma fome incontrolável, uma grande sede , e a propensão para que se infectassem até as menores feridas que fazia ao percorrer os andaimes de Villa Tevere, a doença seguia um curso imprevisível. Reapareceu-lhe a diplopia e, durante algum tempo viu-se obrigado a utilizar um missal com letras grandes. Um dia, logo depois de levantar-se, percebeu um desses transtornos inesperados. Tinha todos os dentes alterados: haviam-se torcido dentro dos alvéolos e era-lhe impossível mastigar qualquer coisa. Como havia o risco de uma hemorragia fatal, o médico teve receio de que lhos extraíssem. Mas o dentista garantiu-lhe que ficaria bem.
"Senhor,não sei se me levantarei amanhã; dou-te graças pela vida que me deres estou contente de morrer nos teus braços. Espero na tua misericórdia"
O Padre José Maria mostrava caráter jovial aberto e muito comunicativo. “Nunca dramatizava quando tinha que falar dos graves transtornos causados pela sua doença. Mantinha uma atitude serena e confiada mesmo quando passava muito mal”.
Passavam os anos e a doença seguia o seu curso imprevisível. O paciente submetia-se escrupulosamente às indicações dos médicos, totalmente despegado da sua doença, sem obsessões de doente. No período mais intenso da diabete, quase cego e com corpo convertido numa chaga, foi em peregrinação a Lourdes, onde pediu muitíssimas coisas à Nossa Senhora. Mas, no que se refere a sua doença, pediu-lhe unicamente que não o deixasse sofrer de um mal que fisicamente o impedisse de poder continuar a trabalhar com as almas[2]. Os achaques e transtornos produzidos pela diabete serviam-lhe para unir-se mais a Deus, oferecendo-lhe esses pequenos ou grandes incômodos, e ao mesmo tempo não desaproveitava a ocasião para tirar a importância aos seus males.
Qualquer outro doente nas suas críticas condições teria tido, provavelmente, o pressentimento de uma morte próxima, desinteressando-se do seu trabalho. Não foi assim com o Padre Josemaria, que tinha tomado precauções para o caso de a sua última hora chegar inesperadamente[3]. Junto da cabeceira do seu leito, fez colocar uma campainha para pedir os sacramentos. Deitava-se com a mente posta em Deus: Senhor - dizia - não sei se me levantarei amanhã; dou-te graças pela vida que me deres estou contente de morrer nos teus braços. Espero na tua misericórdia[4]. Continuava, pois, a não dar importância exagerada a sua doença.
Quem tenha escapado de um acidente mortal, após ter perdido a consciência ou entrado em coma, costuma relatar uma singular experiência. Não é infrequente que em tais transes tenha assistido a uma revisão mental da sua própria vida. O fenômeno sobrevém de dentro, quando, ao apagarem-se as sensações do exterior, se acende a memória e a pessoa fica desligada das incitações deste mundo. Então, em brevíssimos segundos, pode dar-se uma espécie de representação das etapas da sua vida, que contempla como espectador, sabendo que é o protagonista. Nada escapa então ao olhar. Ali estão ao vivo as suas misérias e erros. E quando se apaga a iluminação da consciência, talvez a alma tenha podido arrepender-se da sua vida passada.
Coisa parecida aconteceu com o Padre Josemaria em 27 de Abril de 1954 festa de Nossa Senhora de Monte Serrate. Nesse dia, como de costume, o Pe. Alvaro aplicou-lhe, cinco ou dez minutos antes do almoço, uma dose de insulina inferior à prevista pelo médico. Tratava-se de um novo tipo de insulina retardada[5]. Desceram à sala de jantar e, pouco depois de abençoar os alimentos, estando sozinhos frente a frente, o Padre dirigiu-se de repente ao Pe. Álvaro:
"Álvaro, a absolvição! Eu não o entendi” – relata – “não consegui entendê-lo; Deus permitiu que não o entendesse. Então insistiu: A absolvição! E pela terceira vez, tudo em segundos: A absolvição, ego te absolvo. E nesse momento, perdeu a consciência. Lembro-me de que primeiro ficou de uma cor vermelho-púrpura e depois amarelo-terroso. O corpo, como que muito pequeno. Dei-lhe a absolvição imediatamente e fiz o que sabia: chamei o médico e introduzir-lhe açúcar na boca, forçando-o com água a engoli-lo, porque não reagia e não se percebia o pulso”[6].
Quando chegou o médico, Miguel Angel Madurga, membro da Obra, o Padre já tinha recuperado a consciência. O choque tinha durado dez minutos. Miguel Angel examinou cuidadosamente o doente e comprovou que estava inteiramente fora de perigo e não havia complicações. Parecia que o Padre já estava bem. Tanto era assim que começou imediatamente a interessar-se por esse seu filho e, ao saber que ainda não tinha desjejuado, fê-lo comer e permaneceu algum tempo com ele, conversando tranquilamente. Em nenhum momento Miguel Ángel percebeu que o doente não enxergava.
– "Meu filho – disse o Padre ao Pe. Álvaro, quando o médico se retirou –, fiquei cego, não enxergo nada.
– Padre, por que não o disse ao médico?
– Para não lhe dar um desgosto desnecessário; talvez isto passe”[7].
Continuou cego durante horas. Finalmente, recuperou-se e pôde olhar-se num espelho:
– Álvaro, meu filho, já sei como ficarei quando estiver morto.
– "Padre, agora o senhor está como uma flor", replicou este[8].
De fato, horas antes, tinha, sim, verdadeiro aspecto de defunto. O Senhor, além disso, permitiu-lhe ver toda a sua vida, com grande rapidez, como se fosse um filme[9].
Pode-se afirmar sem sombra de dúvida que a história da diabete de que vinha padecendo fazia dez anos sofreu nesse dia uma mudança surpreendente. A situação normalizou-se em pouco tempo a partir daquele momento, até a completa desaparição – no mesmo ano de 1954 – dos distúrbios metabólicos característicos da diabete, e a conseguinte supressão total do tratamento com insulina. O especialista que o acompanhava situa precisamente nesse episódio o momento-chave da cura, considerando o que se seguiu como uma simples consequência: “curou-se da diabete depois de um ataque alérgico, sob forma de urticária e lipotimia”[10]. Depois desse ataque anafilático, acrescenta “ficou curado da diabete e das suas complicações, sem ter nenhuma recaída, nem depender de limitações dietéticas. Foi uma cura cientificamente inexplicável”[11].
Do livro “Josemaria Escrivá: fundador do Opus Dei”, de A. Vázquez de Prada, vol. III.
[1] Carlo Faelli, Sum 3461.
[2] Julián Herranz Casado, PR, pag. 814.
[3] Cfr. Francisco Monzó Romualdo, RHF, T-03700, pág. 20.
[4] AGP P041974, I, pág. 124.
[5] "Dias antes – relata Álvaro del Portillo –, o professor Faelli receitara um novo tipo de insulina, indicando que a dose tinha de ser de 110 unidades. Como sempre, encarreguei-me de aplicar-lhe as injeções correspondentes. Eu cuidava muito de ler atentamente a literatura médica que acompanha os remédios. Ali dizia-se que a dose dessa nova insulina era inferior à normal, à volta de dois terços. Por esse motivo e porque as doses fortes de insulina aumentavam muito a dor de cabeça que o Padre tinha, apesar do que o médico me dissera, injetei-lhe uma dose inferior. Mas o medicamento produziu uma reação que até então eu não conhecia, de tipo similar ao da alergia. Comuniquei-o ao médico, mas disse-me que continuasse com esse tipo de insulina" (Álvaro del Portillo, Sum., 478).
[6] Ibid.
[7] Ibid.
[8] Javier Echevarría, Sum., 2092.
[9] Cfr. Álvaro del Portillo, Sum., 479. Referindo-se a esse momento de revisão da sua vida, o Fundador contava ao Pe. Álvaro "que tivera tempo de pedir perdão a Deus por aquilo que pensava serem falhas suas, e mesmo por alguma coisa que não havia entendido. Por exemplo, o Fundador pensava que certa vez o Senhor lhe dera a entender que morreria muito mais tarde. E pediu-lhe perdão também por isso, porque não o havia compreendido" (cfr. ibid.).
[10] Carlo Faelli, Sum. 3461. Outras testemunhas apoiam a afirmação de que foi nesse dia que o Padre se curou. Encarnación Ortega, por exemplo, refere que o Padre padecia de uma forte diabete e que, “a 27 de Abril de 1954, depois de lhe aplicarem insulina retardada e de sofrer um choque anafilático, ficou curado repentinamente dessa doença. Naquela mesma tarde, disse a Maria José Monterde e a mim que, por tudo quanto havíamos pedido ao Senhor, Ele nos ouvira e lhe concedera uma nova etapa fecunda” (Encarnación Ortega Pardo, Sum. 5381).
[11] Carlo Faelli, Sum. 3461.