Recordamos essa data com textos da biografia “Álvaro del Portillo. Un hombre fiel”, escrita por Javier Medina.
No dia 26 de junho de 1975, com a ida ao Céu do Fundador, terminou-se a etapa fundacional do Opus Dei. Nesse preciso instante começou o que Dom Álvaro denominaria “etapa da continuidade na fidelidade”. Durante os dezenove anos que esteve à frente da Obra – até seu falecimento em 1994 - desenvolveu a sua tarefa de pastor em estreita união espiritual com São Josemaria.
Dom Álvaro recebeu a tarefa de cumprir um legado importantíssimo do Fundador: finalizar o caminho jurídico do Opus Dei, até alcançar sua configuração como prelazia pessoal de âmbito universal. Além disso, sob seu mandato, a Autoridade Suprema da Igreja declarou bem-aventurado São Josemaria: com esse ato solene, o Papa colocava como um novo selo ao espírito do Opus Dei, porque também se declarava que se trata de um caminho de santidade, para cristãos chamados por Deus a desenvolver sua existência no cumprimento dos seus deveres cotidianos no meio do mundo.
Dom Álvaro del Portillo realizou muitas outras tarefas até o final de sua vida, para estender o labor apostólico a novas nações e para promover projetos educativos e assistenciais: clínicas, escolas para promover as tarefas da casa e de hotelaria, institutos de formação profissional, colégios, universidades-, com o fim de contribuir ao bem comum, em países industrializados e também em emergentes.
A eleição como líder da Obra
Na carta que dirigiu a Paulo VI, no dia 30 de junho de 1975, a fim de agradecer suas orações e consolos, Dom Álvaro dizia: «Diante da sepultura do nosso queridíssimo Fundador, todos nós, Santo Padre, renovamos o firme propósito de ser fidelíssimos ao seu espírito e oferecemos também nossas vidas pela Igreja e pelo Papa» [1]. Estas palavras sintetizam o horizonte de sua existência e do seu ministério pastoral, mantido até o fim dos seus dias.
Como Secretário Geral, correspondia-lhe convocar o Congresso para eleger o sucessor de São Josemaria. A data ficou fixada para o dia 14 de setembro de 1975, festa da Exaltação da Santa Cruz [2]. No dia seguinte, memória de Nossa Senhora das Dores, Dom Álvaro abriu oficialmente o Congresso, com a Missa do Espírito Santo. Na homilia, voltou a insistir na necessidade de formular propósitos firmes de fidelidade ao espírito do Fundador [3].
Entre os congressistas, e entre todos os fiéis do Opus Dei, reinava a convicção de que seria eleito Álvaro del Portillo [4], porque sabiam que esse era o desejo do Fundador Assim o deixou escrito um dos participantes daquela sessão: «São Josemaria repetia-nos, uma e outra vez, que Dom Álvaro era a pessoa que com mais fidelidade e generosidade tinha se entregado ao Senhor ajudando-lhe a conduzir a Obra que Deus lhe pedia. E contava-nos com que fortaleza apoiava-lhe nos momentos difíceis, com que humildade servia (...) com que fidelidade entreva-se ao serviço da Igreja» [5]. Precisamente dois dias antes do seu falecimento, havia confiado a Dom Joaquín Alonso, em voz baixa, apontando a Dom Álvaro: «Meu filho, se não sois bobos, quando eu morrer seguireis a este irmão vosso» [6].
O interessado direto era consciente dessa possibilidade; mas, não obstante, «cheio de humildade, conservou a calma e a conduta de quem se encontra nas mãos de Deus, aceitando o que Ele dispuser» [7].
Foi eleito por unanimidade, na primeira votação [8]. Suas palavras de aceitação foram simples e sobrenaturais, depositando toda a sua confiança na ajuda de Deus: «Quisestes (...) pôr o peso da Obra sobre os ombros deste pobre homem: sei bem que não valho nada, que não posso nada, que não sou nada. Fizestes isso porque sabíeis que eu passei mais tempo que todos ao lado do nosso Padre e buscáveis a continuidade. Não votastes em Álvaro del Portillo, mas elegestes o nosso Padre» [9].
Dirigiu-se imediatamente ao túmulo do Fundador, para rezar. Quando chegou, todos os que estavam ajoelhados rezando ali se levantaram. Mas Dom Álvaro indicou-lhe que não se incomodassem e, apontando para a sepultura, esclareceu: «“Donde hay patrón, no manda marinero” onde está o capitão, o marinheiro não comanda, e o capitão está aí». Ajoelhou-se, beijou a laje e disse aos presentes: «Pedi-lhe que seja ele quem dirija a Obra desde o Céu, e que seus sucessores sejam somente instrumentos seus, e mais nada» [10]. E concluiu: «Se o Padre, sendo santo, pedia que rezássemos por ele, imaginem a quantidade de orações que eu necessito, que de santo não tenho nada. Tendes mais obrigação, se possível, de rezar por mim. Necessito absolutamente das orações de todos» [11].
Comunicou imediatamente a eleição a Paulo VI [12], reiterando-lhe seu firme propósito de servir com a maior entrega e amor à Santa Igreja, em filial adesão e obediência ao Romano Pontífice e aos bispos em comunhão com o Papa [13]. Além disso, pediu uma audiência para expressar-lhe pessoalmente esses sentimentos [14]. Também solicitou um horário para falar com muitos eclesiásticos da Cúria romana: «Imediatamente depois da minha nomeação – escrevia ao Cardeal Casariego -, visitei um a um todos os cardeais e secretários das Sagradas Congregações, em Roma: que enorme carinho ao Opus Dei e a nosso Fundador encontrei em todos!» [15].
A audiência com Paulo VI foi marcada para o dia 5 de março de 1976. O encontro prolongou-se por mais de uma hora, com um tom cordialíssimo [16]. As afirmações do Papa sobre São Josemaria impressionaram e consolaram a Dom Álvaro, que obteve a permissão para referi-las aos fiéis do Opus Dei [17]. Por exemplo, «afirmou que considerava o Fundador do Opus Dei “como um dos homens que receberam mais carismas na história da Igreja, e que correspondeu com maior generosidade aos dons de Deus”» [18]. Também «confirmou-me que desde muitos anos lia Caminho diariamente e que fazia um grande bem a sua alma, e perguntou-me em que idade o nosso Fundador tinha publicado. Respondi-lhe que havia enviado à gráfica quando tinha trinta e sete anos, mas indiquei que o núcleo do livro já tinha aparecido com o título de Consideraciones espirituales em 1934, e o havia redigido uns anos antes, quer dizer, na idade de trinta anos. O Papa ficou um momento pensativo e depois observou: “Então o escreveu na maturidade da sua juventude”»[19].
Dom Álvaro mencionou ao Romano Pontífice algo que tinha repetido aos fiéis do Opus Dei desde o primeiro momento de sua eleição: que deviam rezar muito pelo novo Padre, porque devia suceder à frente da Obra a um santo, e sentia-se “um pobre homem”. Paulo VI respondeu-lhe: «Ma adesso il santo è in Paradiso, e ci pensa lui». Agora o santo está no Céu, e intercede de lá [20]. E quando falou das últimas viagens de catequese de São Josemaria, «o Papa se emocionava muito, e a cada momento me interrompia para dizer-me: - Está escrito isto? E eu: - Sim, Santo Padre, está escrito tudo. E o Papa assegurava: -Isto é um tesouro, não somente para o Opus Dei, mas para toda a Igreja» [21].
Por último, contou que Paulo VI aconselhou-lhe a ser muito fiel ao espírito do Fundador: «Dizia-me – Sempre que deva resolver algum assunto, ponha-se em presença de Deus, e pergunte-se: nesta situação, que faria meu Fundador? e atue em consequência. Diga a todos seus filhos e todas suas filhas que, sendo fiéis ao espírito do Fundador servirão à Igreja – como serviram até agora – com eficácia, com profundidade, com extensão» [22].
É fácil imaginar a alegria de Dom Álvaro, ao ver confirmado naquele momento dos lábios do sucessor de Pedro, o critério de atuação que guiava sua vida desde fazia tanto tempo. Ao referir às suas filhas e filhos esta audiência, saiam da sua boca palavras de agradecimento ao Papa e desejos de maior serviço à Igreja [23].
Texto extraído do livro: “Álvaro del Portillo. Un hombre fiel”, de Javier Medina, edições Rialp, 2012, pp. 449-454)
[1] Del Portillo, Á., Carta a S.S. Pablo VI, AGP, APD C-750630.
[2] A decisão referendada pelo Conselho Geral e a Assessoria Central, de convocar o Congresso eletivo no mês de setembro, esgotando praticamente o prazo concedido nos estatutos, «resultou muito beneficente: além de evitar atrasos nas atividades formativas e apostólicas já previstas em muitos lugares para os meses de julho e agosto, contribuiu para transmitir a todos uma grande sensação de paz, embora fossemos protagonistas de uma grande dor» (Testemunho de D. Javier Echevarría Rodríguez, AGP, APD D-19544, pp. 200-201).
[3] Cf. Del Portillo, Á., Homilia pronunciada em 15-IX-1975: AGP, Biblioteca, P01, 1975, 1458-1459.
[4] «Parece-me que todos os fiéis do Opus Dei tínhamos uma ideia clara: deveria assumir a pessoa que, ao longo de tantos anos, tinha sabido apoiar, servir e manter o espírito que São Josemaria tinha recebido» (Testemunho de D. Javier Echevarría Rodríguez, AGP, APD D-19544, p. 200; cf. testemunho de Carmen Ramos García, AGP, ADP T-18498, p. 7; testemunho de Joaquín Alonso Pacheco, AGP, APD T-19548, p. 31; etc.).
[5] Testemunho de Joaquín Alonso Pacheco, AGP, APD T-19548, p. 96.
[6] Ibid., p. 97.
[7] Testemunho de D. Javier Echevarría Rodríguez, AGP, APD D-19544, p. 201. Referindo-se a esse momento, Dom Álvaro confiaria semanas depois: «Já fazia muito tempo que eu estava nas mãos de Deus» (Del Portillo, Á., cit. em Testemunho de Paulino Busca Maganto, AGP, ADP T-16317, p. 34).
[8] Cf. Testemunho do Card. Julián Herranz Casado, AGP, APD T-19522, p. 17.
[9] Del Portillo, Á., Cartas de Familia, vol. 2, n. 74.
[10] Del Portillo, Á., Cartas de Familia, vol. 2, n. 62.
[11] Del Portillo, Á., Palavras pronunciadas durante uma reunião familiar, 15-IX-75: AGP, Biblioteca, P01, IX-33.
[12] Cf. Testemunho de D. Javier Echevarría Rodríguez, AGP, APD D-19544, p. 203.
[13] Fez isso através de um telegrama ao Secretário de Estado, Cardeal Jean Villot: cf. Del Portillo, Á., Carta ao Card. Jean Villot: AGP, APD C-750915. Também comunicou ao Substituto da Secretaria de Estado, D. Benelli, com uma carta, aonde lhe chamava «amigo fiel e leal» e pediu contar no futuro «com o afeto, a compreensão e a ajuda sacerdotal que até agora encontrei sempre na sua sabedoria e na sua bondade» (Del Portillo, Á., Carta a Mons. Giovanni Benelli, AGP, APD C-750915). Além disso, informou a Congregação competente: cf. ibid.
[14] Cf. Del Portillo, Á., Carta ao Card. Mario Casariego Acevedo, C.R.S., AGP, APD C-760112.
[15] Del Portillo, Á., Carta ao Card. Mario Casariego Acevedo, C.R.S., AGP, APD C-760206.
[16] Cf. Testemunho de D. Javier Echevarría Rodríguez, AGP, APD D-19544, p. 288.
[17] Cf. Del Portillo, Á., Palavras pronunciadas durante uma reunião familiar: AGP, Biblioteca, P01, 1976, 281.
[18] Del Portillo, Á., Entrevista sobre o Fundador do Opus Dei..., op. cit., p. 213.
[19] Ibid., p. 18.
[20] Cf. Del Portillo, Á., Palavras pronunciadas durante uma reunião familiar: AGP, Biblioteca, P01, 1976, p. 281.
[21] Cf. ibid., p. 284.
[22] Ibid., p. 282.
[23] Cf. Testemunho de D. Javier Echevarría Rodríguez, AGP, APD D-19544, pp. 203-204.