Vida de Oração

Homilia de São Josemaria pronunciada em 4 de abril de 1955.

Sempre que sentimos no coração desejos de melhorar, de corresponder mais generosamente ao Senhor, e procuramos um roteiro, um norte claro para a nossa existência cristã, o Espírito Santo traz-nos à memória as palavras do Evangelho: Importa orar sempre e não desfalecer. A oração é o fundamento de toda a atividade sobrenatural; com a oração somos onipotentes e, se prescindíssemos desse recurso, nada conseguiríamos.
Quereria que hoje, na nossa meditação, nos persuadíssemos definitivamente da necessidade de nos dispormos a ser almas contemplativas, no meio da rua, do trabalho, mantendo com o nosso Deus um diálogo contínuo, que não deve decair ao longo do dia. Se pretendemos seguir lealmente os passos do Mestre, esse é o único caminho.
Voltemos os olhos para Jesus Cristo, que é o nosso modelo, o espelho em que nos devemos contemplar. Como é que se comporta, mesmo externamente, nas grandes ocasiões? O que nos diz dEle o Santo Evangelho? Comove-me a sua disposição habitual de recorrer ao Pai antes dos grandes milagres; e o seu exemplo quando, antes de iniciar a vida pública, se retira ao deserto por quarenta dias e quarenta noites, para rezar.
É muito importante - peço-vos perdão pela insistência - observar os passos do Messias, porque Ele veio para nos mostrar o caminho que conduz ao Pai. Descobriremos com Ele como é possível dar relevo sobrenatural às atividades aparentemente mais pequenas; aprenderemos a viver cada instante com vibração de eternidade, e compreenderemos com maior profundidade que a criatura necessita desses tempos de conversa íntima com Deus: para relacionar-se com Ele, para invocá-lo, para louvá-lo, para romper em ações de graças, para escutá-lo ou, simplesmente, para estar com Ele.
Há muitos anos já, considerando esse modo de proceder do meu Senhor, cheguei à conclusão de que o apostolado, seja qual for, é uma superabundância da vida interior. Por isso me parece tão natural, e tão sobrenatural, a passagem do Evangelho em que se relata como Cristo decidiu escolher definitivamente os primeiros Doze. Conta São Lucas que antes passou toda a noite em oração. Vejamo-lo também em Betânia, quando se prepara para ressuscitar Lázaro, depois de haver chorado pelo amigo. Levanta os olhos ao céu e exclama: Pai, dou-te graças porque me tens ouvido. Este foi o seu ensinamento preciso: se queremos ajudar os outros, se pretendemos sinceramente animá-los a descobrir o autêntico sentido do seu destino na terra, é preciso que nos alicercemos na oração.
São tantas as cenas em que Cristo fala com seu Pai, que se torna impossível determo-nos em todas. Mas penso que não podemos deixar de considerar as horas, tão intensas, que precedem a sua Paixão e Morte, quando se prepara para consumar o Sacrifício que nos devolverá ao Amor divino. Na intimidade do Cenáculo, seu coração transborda: dirige-se suplicante ao Pai, anuncia a vinda do Espírito Santo, anima os seus íntimos a manterem um contínuo fervor de caridade e de fé.
Esse inflamado recolhimento do Redentor continua em Getsêmani, ao perceber a iminência da Paixão, com as humilhações e as dores que se aproximam, essa Cruz dura em que se suspendem os malfeitores, e que Ele desejou ardentemente. Pai, se é possível, afasta de mim este cálice. E logo a seguir: Não se faça, porém, a minha vontade, mas a tua. Mais tarde, pregado no madeiro, só, com os braços estendidos em gesto de sacerdote eterno, continua a manter o mesmo diálogo com seu Pai: Nas tuas mãos entrego o meu espírito.
Contemplemos agora a sua Mãe bendita, que é também nossa Mãe. No Calvário, junto ao patíbulo, reza. Não é uma atitude nova de Maria. Sempre se conduziu assim, cumprindo os seus deveres, ocupando-se do seu lar. Enquanto cuidava das coisas da terra, permanecia pendente de Deus. Cristo, perfeito Deus, perfeito homem, quis que também sua Mãe, a criatura mais excelsa, a cheia de graça, nos confirmasse nessa ânsia de elevar sempre os olhos até o amor divino. Recordemos a cena da Anunciação: desce o Arcanjo, para comunicar a divina embaixada - a notícia de que ela seria a Mãe de Deus -, e encontra-a retirada em oração. Maria está inteiramente recolhida no Senhor quando São Gabriel a saúda: Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo. Dias depois, rompe na alegria do Magnificat - esse cântico mariano que o Espírito Santo nos transmitiu por meio da delicada fidelidade de São Lucas -, fruto da intimidade habitual da Virgem Santíssima com Deus.
Nossa Mãe meditara longamente sobre as palavras das mulheres e dos homens santos do Antigo Testamento, que esperavam o Salvador, e sobre os acontecimentos de que tinham sido protagonistas. Admirara aquele cúmulo de prodígios, o esbanjamento da misericórdia de Deus sobre o seu povo, tantas vezes ingrato. Agora, ao considerar essa ternura do Céu, incessantemente renovada, brota o afeto do seu Coração imaculado: A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador. Porque pôs os olhos na baixeza da sua escrava. Os filhos desta Mãe boa, os primeiros cristãos, aprenderam com Ela, e nós também podemos e devemos aprender.
Os Atos dos Apóstolos narram uma cena que me encanta, porque registra um exemplo claro, sempre atual: Perseveravam todos na doutrina dos Apóstolos, e na comunicação da fração do pão, e na oração. É uma nota insistente no relato da vida dos primeiros seguidores de Cristo: Todos animados de um mesmo espírito, perseveravam unânimes na oração. E quando Pedro é preso por pregar audazmente a verdade, decidem rezar. A Igreja fazia incessante oração a Deus por ele.
A oração era então - como hoje - a única arma, o meio mais poderoso para vencer nas batalhas da luta interior: Está triste algum de vós? Ore. E São Paulo resume: Orai sem cessar, não vos canseis nunca de implorar.

Como orar

Como orar? Atrevo-me a garantir, sem receio de me enganar, que há muitas maneiras de orar: infinitas, poderia dizer. Mas eu quereria para todos nós a autêntica oração dos filhos de Deus, não o palavreado dos hipócritas, que ouvirão Jesus dizer-lhes: Nem todo aquele que diz: Senhor! Senhor!, entrará no reino dos céus. Os hipócritas podem conseguir talvez o ruído da oração - escrevia Santo Agostinho -, mas não a sua voz, porque aí falta vida e está ausente o afã de cumprir a Vontade do Pai. Que o nosso clamar - “Senhor!” - se una ao desejo eficaz de converter em realidade as moções interiores que o Espírito Santo nos desperta na alma.
Temos de esforçar-nos para que não haja em nós a menor sombra de duplicidade. O primeiro requisito para desterrar esse mal, que o Senhor condena duramente, é procurar comportar-se com a disposição clara, habitual e atual, de aversão ao pecado. Energicamente, com sinceridade, devemos sentir - no coração e na cabeça - horror ao pecado grave. E, numa atitude profundamente arraigada, temos que abominar também o pecado venial deliberado, essas claudicações que, embora não nos privem da graça divina, debilitam os canais por onde ela nos chega.
Nunca me cansei, e, com a graça de Deus, nunca me cansarei de falar de oração. Por volta de 1930, quando se aproximavam deste sacerdote, então jovem, pessoas de todas as condições - universitários, operários, sãos e enfermos, ricos e pobres, sacerdotes e leigos -, que procuravam acompanhar o Senhor mais de perto, sempre lhes dava este conselho: Rezem! E se algum deles me respondia: Nem sequer sei como começar, recomendava-lhe que se colocasse na presença do Senhor e lhe manifestasse a sua inquietação, a sua aflição, com essa mesma queixa: Senhor, não sei! E, quantas vezes! naquelas humildes confidências se concretizava a intimidade com Cristo, uma relação assídua com Ele.
Transcorreram muitos anos, e não conheço outra receita. Quem não se considere preparado, recorra a Jesus, como faziam os seus discípulos: Ensina-nos a orar! Logo verificará como o Espírito Santo ajuda a nossa fraqueza; pois, não sabendo o que havemos de pedir nas nossas orações, nem a forma conveniente de exprimir-nos, o próprio Espírito ora por nós com gemidos inenarráveis, que não se podem contar, porque não há formas adequadas para descrever a sua profundidade.
Que firmeza deve produzir em nós a palavra divina! Não inventava nada quando - ao longo do meu ministério sacerdotal - repetia e repito incansavelmente esse conselho. Foi tirado da Escritura Santa; foi lá que o aprendi: Senhor, não sei dirigir-me a ti! Senhor, ensina-nos a orar! E logo vem toda essa assistência amorosa - luz, fogo, vento impetuoso - do Espírito Santo, que ateia a chama e a torna capaz de provocar incêndios de amor.

Oração, diálogo

E com isso entramos já por caminhos de oração. De que modo prosseguir? Não temos reparado como há tantos - elas e eles - que parecem falar consigo mesmos, escutando-se com complacência? É uma verborreia quase contínua, um monólogo que insiste incansavelmente nos problemas que os preocupam, sem usarem dos meios para resolvê-los, dominados talvez unicamente pela mórbida esperança de que se compadeçam deles ou de que os admirem. Dir-se-ia que não pretendem mais.
Quando queremos de verdade desafogar o coração, se somos francos e simples, procuramos o conselho das pessoas que nos amam, que nos compreendem: conversamos com o pai, com a mãe, com a esposa, com o marido, com o irmão, com o amigo. Isso já é diálogo, ainda que com frequência não desejemos tanto ouvir quanto espraiar-nos, contando o que se passa conosco. Comecemos a comportar-nos assim com Deus, na certeza de que Ele nos escuta e nos responde; e prestar-lhe-emos atenção, e abriremos a nossa consciência a uma conversa humilde, para lhe relatarmos confiadamente tudo o que nos palpita na cabeça e no coração: alegrias, tristezas, esperanças, dissabores, êxitos, malogros, e até os menores detalhes da nossa jornada. Porque teremos comprovado que tudo o que é nosso interessa ao nosso Pai Celestial.
É preciso vencer, se por acaso a notamos, a poltronaria, o falso critério de que a oração pode esperar. Não adiemos nunca para amanhã essa fonte de graças. O tempo oportuno é agora. Deus, que é espectador amoroso de todo o nosso dia, preside à nossa íntima prece. E tu e eu - volto a garantir - temos de confiar-nos a Ele como nos confiamos a um irmão, a um amigo, a um pai. Dize-lhe - eu lho digo - que Ele é toda a Grandeza, toda a Bondade, toda a Misericórdia. E acrescenta: Por isso quero enamorar-me de ti, apesar de serem tão toscas as minhas maneiras, apesar destas minhas pobres mãos, gastas e maltratadas pelo pó das azinhagas da terra.
Assim, quase sem perceber, avançaremos com passadas divinas, firmes e vigorosas, em que se saboreia o íntimo convencimento de que junto ao Senhor também são aprazíveis a dor, a abnegação, os sofrimentos. Que fortaleza, para um filho de Deus, saber-se tão perto de seu Pai! Por isso, aconteça o que acontecer, estou firme, seguro contigo, meu Senhor e meu Pai, que és a rocha e a fortaleza.
Para alguns, talvez tudo isto seja familiar; para outros, novo; para todos, árduo. Mas eu, enquanto me restar alento, não cessarei de pregar a necessidade primordial de sermos almas de oração sempre!, em qualquer ocasião e nas circunstâncias mais díspares, porque Deus nunca nos abandona. Não é cristão pensar na amizade divina exclusivamente como um recurso extremo. Pode parecer-nos normal ignorar ou desprezar as pessoas que amamos? É evidente que não. Vão constantemente para os que amamos as palavras, os desejos, os pensamentos: há como que uma presença contínua. Pois bem, com Deus também é assim.
Com esta procura do Senhor, toda a nossa jornada se converte numa única conversação íntima e confiada. Já o afirmei e escrevi muitas vezes, mas não me importo de repeti-lo, porque Nosso Senhor - com o seu exemplo - nos faz ver que esse é o comportamento acertado: oração constante, da manhã até a noite e da noite até a manhã. Quando tudo é fácil: Obrigado, meu Deus! Quando chega um momento difícil: Senhor, não me abandones! E esse Deus, manso e humilde de coração, não esquecerá as nossas súplicas nem permanecerá indiferente, pois Ele afirmou:Pedi e dar-se-vos-á, buscai e achareis, batei e abrir-se-vos-á.
Procuremos, portanto, não perder nunca o “ponto de mira” sobrenatural, vendo Deus por detrás de cada acontecimento: ante as coisas agradáveis e as desagradáveis, ante o consolo... e ante o desconsolo pela morte de um ser amado. Antes de mais nada, a conversa com nosso Pai-Deus, procurando o Senhor no centro da nossa alma. Não é coisa que se possa considerar uma ninharia ou algo de pouca monta: é manifestação clara de vida interior constante, de autêntico diálogo de amor. Uma prática que não produzirá em nós nenhuma deformação psicológica, porque - para um cristão - deve ser tão natural como o bater do coração.

Orações vocais e oração mental

Nesta urdidura, neste atuar da fé cristã, engastam-se, como joias, as orações vocais. São fórmulas divinas: Pai Nosso..., Ave-Maria..., Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, essa coroa de louvores a Deus e à nossa Mãe que é o Santo Rosário, e tantas outras aclamações, cheias de piedade, que os nossos irmãos cristãos recitaram desde o princípio.
Santo Agostinho, comentando um versículo do Salmo 85 - Senhor, tem piedade de mim, porque a ti clamei o dia inteiro, e não um dia só -, escreve: Por dia inteiro entende-se aqui o tempo todo, sem cessar. Um só homem chega até o fim dos séculos, pois são todos os membros de Cristo que clamam: alguns já descansam nEle, outros o evocam atualmente e outros hão de implorar-lhe quando nós tivermos morrido; e depois deles outros continuarão a suplicar. Não vos emociona a possibilidade de participar desta homenagem ao Criador, que se perpetua pelos séculos? Como é grande o homem, quando se reconhece criatura predileta de Deus e a Ele recorre, tota die - o dia todo -, em cada instante da sua peregrinação terrena!
Que não faltem no nosso dia alguns momentos dedicados especialmente a conviver com Deus, a elevar até Ele o nosso pensamento, sem que as palavras tenham necessidade de assomar aos lábios, porque cantam no coração. Dediquemos a esta norma de piedade o tempo suficiente; à mesma hora, se possível. Ao lado do Sacrário, fazendo companhia Àquele que ficou entre nós por Amor. E se não houver outro remédio, em qualquer lugar, pois o nosso Deus está de forma inefável na nossa alma em graça.
Aconselho-te, no entanto, a ir ao oratório** sempre que possas: e de propósito me empenho em não o chamar de capela, para vincar de forma mais clara que não se trata de ficar lá com a gravidade própria de uma cerimônia oficial, mas de elevar a mente ao céu com recolhimento e intimidade, na convicção de que Jesus Cristo nos vê, nos ouve, nos espera e nos preside do Tabernáculo, onde está realmente presente, escondido sob as espécies sacramentais.
Cada um pode encontrar, se quiser, a sua própria senda para este colóquio com Deus. Não gosto de falar de métodos ou de fórmulas, pois nunca fui amigo de espartilhar ninguém: ao animar a todos a aproximar-se do Senhor, tenho respeitado cada alma tal como é, com as suas características próprias. Peçamos-lhe que introduza os seus desígnios na nossa vida: não apenas na cabeça, mas também no cerne do coração e em toda a nossa atividade exterior. Posso assegurar que, deste modo, pouparemos grande parte dos desgostos e das penas do egoísmo, e nos sentiremos com forças para difundir o bem à nossa volta. Quantas contrariedades desaparecem, se interiormente nos colocamos bem próximos desse nosso Deus, que nunca nos abandona! Renova-se com diferentes matizes o amor que Jesus tem pelos seus, pelos enfermos, pelos paralíticos, e que o faz perguntar: - O que é que te acontece? - Acontece-me... E imediatamente luz ou, pelo menos, aceitação e paz.
Ao convidar-te para estas confidências com o Mestre, refiro-me especialmente às tuas dificuldades pessoais, porque a maioria dos obstáculos à nossa felicidade nasce de uma soberba mais ou menos oculta. Julgamo-nos de um valor excepcional, com umas qualidades extraordinárias; e, quando os outros não pensam o mesmo, sentimo-nos humilhados. Aí está uma boa oportunidade para recorrer à oração e para retificar, com a certeza de que nunca é tarde para mudar de rota. Mas é muito conveniente começar essa mudança de rumo quanto antes.
Na oração, com a ajuda da graça, a soberba pode converter-se em humildade. E brota na alma a verdadeira alegria, mesmo que ainda notemos o barro nas asas, o lodo da pobre miséria, que está secando. Depois, pela mortificação, esse barro cairá, e poderemos voar muito alto, porque o vento da misericórdia de Deus nos será favorável.
O Senhor suspira por levar-nos a um passo maravilhoso, divino e humano, que se traduz em abnegação feliz, de alegria com dor, de esquecimento próprio. Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo. Eis um conselho que todos nós já escutamos. Temos que decidir-nos a segui-lo de verdade: que o Senhor possa servir-se de nós para que, situados em todas as encruzilhadas do mundo - estando nós mesmos situados em Deus -, sejamos sal, fermento, luz. Assim, tu em Deus, para iluminar, para dar sabor, para dilatar, para fermentar.
Mas não esqueçamos que não somos nós que criamos essa luz; apenas a refletimos. Não somos nós que salvamos as almas, estimulando-as a praticar o bem: somos apenas um instrumento, mais ou menos digno, dos desígnios salvíficos de Deus. Se chegássemos a pensar que o bem que fazemos é obra nossa, a soberba voltaria, mais retorcida ainda; o sal perderia o sabor, o fermento apodreceria, a luz se converteria em trevas.

Mais um personagem

Ao longo destes trinta anos de sacerdócio, tenho insistido tenazmente na necessidade da oração, na possibilidade de converter a existência num clamor incessante. E houve quem me perguntasse: Mas será possível comportar-se sempre assim? Claro que é. Essa união com Nosso Senhor não nos afasta do mundo, não nos transforma em seres estranhos, alheios ao transcorrer dos tempos.
Se Deus nos criou e nos redimiu, se nos ama a ponto de entregar por nós o seu Filho Unigênito, se nos espera - todos os dias! - como o pai da parábola esperava o seu filho pródigo, como não há de desejar que frequentemos o seu convívio amorosamente? O estranho seria não falar com Deus, afastar-se dEle, esquecê-lo, mergulhar em atividades alheias a esses toques ininterruptos da graça.
Além disso, quereria que percebêssemos que ninguém escapa ao mimetismo. Os homens, mesmo inconscientemente, andam num anseio contínuo de se imitarem uns aos outros. E nós havemos de recusar o convite para imitar Jesus? Cada indivíduo esforça-se, pouco a pouco, por identificar-se com aquilo que o atrai, com o modelo que escolheu segundo o seu feitio; seu modo de proceder segue o ideal que tiver forjado. O nosso Mestre é Cristo: Filho de Deus, a Segunda Pessoa da Trindade Beatíssima. Imitando Cristo, conseguimos a maravilhosa possibilidade de participar dessa corrente de amor que é o mistério do Deus Uno e Trino.
Se alguma vez não nos sentimos com forças para seguir as pegadas de Cristo, troquemos palavras amigas com aqueles que o conheceram de perto, enquanto permaneceu nesta nossa terra. Com Maria, em primeiro lugar, que foi quem o trouxe até nós. Com os Apóstolos: Alguns gentios chegaram-se a Filipe, que era natural de Betsaida da Galiléia, e fizeram-lhe este pedido: Desejamos ver Jesus. Filipe foi e disse-o a André; e André e Filipe disseram-no a Jesus. Não é verdade que isto nos anima? Aqueles estrangeiros não se atrevem a apresentar-se ao Mestre, e procuram um bom intercessor.
Talvez penses que os teus pecados são muitos, que o Senhor não poderá ouvir-te. Não é assim, porque Ele tem entranhas de misericórdia. Se, apesar desta maravilhosa verdade, te apercebes da tua miséria, mostra-te como o publicano: Senhor, aqui estou, Tu é que sabes! E observemos o que nos conta São Mateus, quando colocam um paralítico diante de Jesus. Aquele doente não faz nenhum comentário: fica ali simplesmente, na presença de Deus. E Cristo, comovido por essa contrição, por essa dor de quem sabe nada merecer, não demora a reagir com a sua misericórdia habitual: Tem confiança, que te são perdoados os teus pecados.
Meu conselho é que, na oração, cada um intervenha nas passagens do Evangelho, como mais um personagem. Primeiro, imaginamos a cena ou o mistério, que servirá para nos recolhermos e meditar. Depois, empregamos o entendimento para considerar este ou aquele traço da vida do Mestre: seu Coração enternecido, sua humildade, sua pureza, seu cumprimento da Vontade do Pai. Depois, contamos-lhe o que nos costuma ocorrer nessas matérias, o que sentimos, o que nos está acontecendo. É preciso permanecermos atentos, porque talvez Ele nos queira indicar alguma coisa: e surgirão essas moções interiores, o cair em si, essas reconvenções.
Para dar rumo à oração - e talvez isto possa servir-nos de ajuda -, costumo materializar até as coisas mais espirituais. Nosso Senhor usava esse processo. Gostava de ensinar por meio de parábolas, extraídas do ambiente que o rodeava: do pastor e das ovelhas, da videira e dos sarmentos, de barcas e de redes, da semente que o semeador lança a mãos cheias...
Na nossa alma caiu a Palavra de Deus. Que espécie de terra lhe preparamos? Há muitas pedras? Está inçada de espinhos? Não será um lugar demasiado batido por andanças meramente humanas, pequenas, sem brio? Senhor, que a minha parcela seja terra boa, fértil, generosamente exposta à chuva e ao sol; que a tua sementeira crie raízes; que produza espigas graúdas, trigo bom.
Eu sou a videira e vós os sarmentos. Setembro chegou, e as cepas estão carregadas de rebentos grandes, delgados, flexíveis e nodosos, pejados de frutos, prontos já para a vindima. Olhemos para esses sarmentos, repletos por participarem da seiva do tronco: só assim aqueles minúsculos rebentos de alguns meses atrás puderam converter-se em polpa doce e madura que cumula de alegria a vista e o coração. No chão talvez tenham ficado alguns gravetos soltos, meio enterrados. Eram sarmentos também, mas secos, crestados. São o símbolo expressivo da esterilidade. Porque sem Mim nada podeis fazer.
O tesouro. Imaginemos o júbilo imenso do felizardo que o encontra. Acabaram-se os apertos e as angústias. Vende tudo o que possui e compra aquele campo. É lá que todo o seu coração está pulsando; é lá que esconde a sua riqueza. O nosso tesouro é Cristo; pouco nos deve importar jogar fora tudo o que seja estorvo, para o podermos seguir. E a barca, sem esse lastro inútil, navegará em linha reta para o porto seguro do Amor de Deus.
Há mil maneiras de orar, digo-vos novamente. Os filhos de Deus não necessitam de um método, quadriculado e artificial, para se dirigirem a seu Pai. O amor é criativo, engenhoso; se amamos, saberemos descobrir caminhos pessoais, íntimos, que nos conduzam a esse diálogo contínuo com o Senhor.
Queira Deus que tudo o que hoje contemplamos não passe por cima da nossa alma como uma tormenta de verão: quatro gotas, depois o sol, e a seca de novo. Esta água de Deus tem de remansar-se, tem de chegar às raízes e dar fruto de virtudes. Assim irão transcorrendo os nossos anos - dias de trabalho e de oração -, na presença do Pai. Se fraquejarmos, acudiremos ao amor de Santa Maria, Mestra de oração; e a São José, nosso Pai e Senhor, a quem tanto veneramos, que foi quem neste mundo mais conviveu com a Mãe de Deus e - depois de Santa Maria - com o seu Filho Divino. E eles apresentarão a nossa fraqueza a Jesus, para que a converta em fortaleza.


* O Autor emprega a palavra “oratório”, não no sentido de nicho ou armário com imagens, como é usual entre nós, mas no sentido de pequena capela familiar com o Santíssimo Sacramento (N. do T.).