Em julho de 1961, São Josemaria estava em Londres. Em sua biografia do fundador do Opus Dei, Andrés Vásquez de Prada conta: “dois dias depois de ter chegado, comunicaram-lhe que era preciso atrasar a ordenação de um grupo de sacerdotes da Obra em Madri, porque tinham surgido algumas dificuldades de forma. No dia seguinte àquele em que recebeu a notícia, sábado 22 de julho de 1961, resolveu ir visitar D. Leopoldo Eijo y Garay, que costumava passar o verão em Vigo”.
No dia 23 de julho São Josemaria saiu de Londres com Álvaro del Portillo. Dom Florencio Sánchez Bella, então conselheiro do Opus Dei na Espanha e Isidoro Rasines esperavam-no em Biarritz. Vásquez de Prada continua contando: “Pernoitaram em Vitória e na segunda-feira atravessaram o planalto de Castela, desde a madrugada até o cair da tarde, com um calor insuportável e um veículo de baixa velocidade. Abraçou D. Leopoldo: Qual era o problema? Não havia problema, tudo estava resolvido. Acontecia simplesmente que fazia muito tempo que o bispo de Madri não via o Fundador do Opus Dei e não quis renunciar a essa alegria”.
Depois da estadia em Tui, não quis voltar a Londres sem ir ver os que estavam participando de um curso de verão no Colegio Mayor La Estila. “Como era habitual naqueles anos, os Centros de Estudos de Madri e Barcelona (hoje Montalbán e Monterols, respectivamente) estavam em La Estila para realizar um semestre conjunto de estudos internos”. É José Antonio Galera que conta, com detalhes, sobre a organização da visita.
Enquanto São Josemaria estava em Vigo com dom Leopoldo, na tertúlia depois do almoço de 24 de julho “havia-se lido uma carta procedente desse país (Inglaterra) na qual davam notícias da estadia de nosso Padre”, explica Galera. Naquela noite, às 22:15, dom Florencio Sánchez Bella ligou e “me disse concisamente que no dia seguinte, 25 de julho, eles chegariam a Santiago, por volta das dez horas”, relata.
Com a Residência em obras e várias cerimônias programadas para a comemoração da solenidade de São Tiago Apóstolo, a chegada de São Josemaria surpreendeu os alunos no café da manhã e, segundo Galera, “pude perceber que a notícia tinha sido dada pelo enorme grito de regozijo que ouvi”. Ele estava fora de casa, na Avenida de Coimbra.
São Josemaria chegou às 10:10 horas e vinte minutos depois começou uma tertúlia no auditório porque assim que ele entrou no vestíbulo abarrotado disse: “Venho ver os pássaros e não a gaiola”. Galera explica: “Fazia muitos anos que não tínhamos oportunidade de ver o Padre. Muitos o conheceram nesse dia. Éramos mais de cem filhos seus, Numerários”.
Essa primeira tertúlia durou quarenta e cinco minutos e a seguir São Josemaria celebrou a Missa em El Pedroso, casa de retiros contígua que estava começando a ser utilizada. Quando terminou, quis ver o livro de assinaturas do colegio mayor - no qual não assinou - onde está a dedicatória daquele que tinha sido o Cardeal Roncalli, na ocasião, o Papa João XXIII.
À tarde, entre outras coisas esteve escrevendo cartas, em papel com o timbre de La Estila, e teve outras duas tertúlias no auditório, a primeira depois do almoço e a segunda no fim do dia. Nesta última “falou de muitos temas entre os quais recordo a distinção que fez entre padroeiros e intercessores (da Obra), o porquê da oração que fazemos ao começar e terminar a meditação, etc.”, escreveu Galera.
“Padre, por que o senhor nos fala tanto de liberdade?” perguntou um dos assistentes. “É um tema em que agora é mais necessário insistir, porque alguns se empenham em negar a nossa liberdade. Vocês devem repetir a verdade por todos os lados: que são muito livres no terreno profissional, social, político... com a mesma liberdade dos outros católicos, nossos iguais”.
No dia seguinte, às 6:15 horas, São Josemaria celebrou a Missa em El Pedroso e dom Álvaro em La Estila. Às 7:15 horas saíram de casa para Biarritz e regressaram a Londres.
Esta foi a última de uma série de visitas relembradas em 2004 por Jaime Cárdenas, então diretor de La Estila, num artigo publicado no Correo Gallego com o título: “San Josemaria y el Año Santo”. Evocava como “São Josemaria quis vir a Santiago, entre outras coisas em três Anos Santos. A primeira vez foi em julho de 1938, em circunstâncias difíceis por causa da guerra civil, o que fez que o Ano Santo de 1937 se prolongasse por um ano a mais”. Mais para a frente, Cárdenas continuava: “veio a Santiago também em setembro dos Anos Santos de 1943 e 1948, neste último para dar um impulso ao Colegio Mayor La Estila, que iniciaria as suas atividades no fim de dezembro”. Tendo a oportunidade de promover colegios mayores em diversas cidades, São Josemaria quis que um dos primeiros fosse na cidade do Apóstolo.

A primeira peregrinação
“Dentro de uns dias, irei a León de passagem para Santiago, para ganhar o jubileu. Lembrar-me-ei de rezar por você junto ao Apóstolo. Procure, por sua vez, pedir por mim: peça-lhe que eu faça tudo o que Ele quiser, custe o que custar”. São Josemaria escrevia a um dos rapazes amigos, no mês de julho de 1938. Isso pouco antes de empreender a viagem de Burgos (onde estava temporariamente) a Compostela.
Em Santiago, celebra-se o ano santo quando o dia 25 de julho cai em um domingo. O Papa Calixto II, que havia peregrinado a Compostela como arcebispo em Vienne (França) estabeleceu em 1122, quando foi colocada a última pedra da catedral, o primeiro Ano Santo para 1126. Porém foi Alexandre III que estabeleceu a perenidade do Ano Jubilar, com a bula Regis Aeterni, em 25 de julho de 1178, dotando a peregrinação dos máximos privilégios espirituais, como a indulgência plenária.
Apenas em duas ocasiões celebrou-se um ano jubilar quando o dia de São Tiago não caiu num domingo: a primeira exceção foi em 1885 quando foi convocado para celebrar o final do processo de identificação dos restos mortais do Apóstolo. A segunda foi em 1938, quando se prolongou por causa da difícil situação provocada pela guerra. A prorrogação, que o Vaticano confirmou em 18 de dezembro de 1937, uns dias antes do fechamento da Porta Santa, foi concedida pelo Papa Pio IX, a pedido do arcebispo de Santiago, Tomás Muñiz de Pablos.
A terceira exceção será em 2022, porque o Papa Francisco concedeu a prolongação deste Ano Santo durante todo o próximo ano.
Familiarizado com o Apóstolo em Logroño e Saragoça
Em 1938, São Josemaria decidiu fazer uma peregrinação ao sepulcro do Apóstolo, muito próximo a ele porque em Logroño, para onde mudou aos 13 anos, a sua paróquia era a de Santiago el Real. Na fachada do templo havia uma grande imagem equestre do discípulo de Jesus Cristo e no retábulo, vários relevos policromados do século XVI mostravam diversas cenas da vida de São Tiago.
Em Saragoça, foi testemunha das relações especiais entre o apóstolo Tiago, desanimado, e Nossa Senhora do Pilar. Assim, na Santa Capela, onde celebrou a sua Primeira Missa em 30 de março de 1925, há um altar central com um relevo em mármore que representa a aparição da Virgem Maria indicando a Tiago e seus discípulos, colocados no altar da esquerda, o lugar onde Ela queria que fosse colocado o pilar, o mesmo que foram desgastados pelos beijos dos fiéis, inclusive os de São Josemaria.
Além de desejar ganhar o jubileu, São Josemaria queria aproveitar a peregrinação para cumprimentar o recém-consagrado Bispo de León, D. Carmelo Ballester. Uma grande amizade unia-o a este religioso vicentino que o tinha convidado para a cerimônia de sua consagração episcopal em 15 de maio. Não pôde ir, porque estava na frente de Teruel, mas, “nós lhe enviamos um modesto presente e lhe oferecemos as orações e sacrifícios de todos nesse dia”, escrevia no número de maio de 1938 de Notícias.
Em uma carta de 11 de julho a Santos Moro, bispo de Ávila, avisava-lhe que iria vê-lo, mas “não imediatamente: porque, a caminho de Santiago o santo senhor Bispo de León quer que eu esteja com ele no dia de sua festa e estarei vários dias em León a partir da próxima sexta feira”.
Parada em León e meditação em um táxi
No dia 15 de julho, às dez e quinze da manhã, São Josemaria saía de Burgos, de trem. A viagem prolongou-se além do previsto devido a uma longa parada em Venta de Baños. O padre Eliodoro Gil esperava-o na estação de León e o levou ao palácio episcopal onde D. Ballester o recebeu muito cordialmente. Lá encontrou-se, além disso com outro velho amigo, padre José María Goy, que era o Vigário Geral e com o qual aquela tarde foi dar um passeio pela cidade.
Sobre o que aconteceu no dia de Nossa Senhora do Carmo, ele escreveu no mesmo 16 de julho a seus filhos de Burgos: “Tomei o café da manhã hoje sozinho com Monsenhor” e, para evitar-lhes preocupações com sua saúde, acrescentava: “Deu-me – imaginem só! – fruta, presunto e chocolate”.
Ricardo Fernández Vallespín havia chegado a León vindo da frente de Teruel. Aproveitando os dias de licença por causa de seus ferimentos na frente de Madri, tinha ido à frente de Teruel para fazer companhia a Juan Jimenez Vargas. No dia 17 o padre Eliodoro acompanhou São Josemaria e Ricardo à estação para pegarem o trem mas chegaram tarde e o trem já havia saído. Alcançaram-no em Veguellina de Orbigo, a cerca de 30 quilômetros de León, de táxi.
O padre Eliodoro escreveu: “Houve assim ocasião de que o Padre, no carro, nos dirigisse uma meditação que eu não esqueci nunca. O tema foi um burrinho de nora que vimos trabalhando no caminho. O Padre foi falando, baseado na parábola desse burrinho, sobre o trabalho esforçado e contínuo – monótono, a rigor – mas eficaz: esse trabalho vai enchendo os baldes que derramam a água nos campos que se cobrem de verdor e fecundidade. Lá, das janelinhas do carro, contemplamos os lindos campos do Orbigo, onde se cultiva beterraba e lúpulo. As palavras do Padre deixavam clara a importância de saber obedecer humildemente ao próprio cumprimento do dever: percorrer o caminho certo, com os olhos vendados, iluminados pela luz interior da fé, sabendo que somos instrumentos nas mãos de Deus”.
“Junto às relíquias do Apóstolo”
Eles chegaram a Santiago à meia noite e se hospedaram no Hotel La Perla, situado na Avenida Figueroa, perto dos jardins da Herradura. “No dia seguinte, 18 de julho, nosso Padre rezou na catedral, na capela do Santíssimo e na pequena cripta onde se conservam os restos de São Tiago em uma urna de prata. Ele havia chegado a Compostela com piedade de peregrino desejando purificar mais uma vez a sua alma e obter os tesouros da graça que a Igreja dispensa maternalmente por meio da indulgência jubilar”, dizia uma publicação interna (Obras, fevereiro de 1985. Recuerdos de nuestro fundador. La época de Burgos).
Ele havia escrito de León a seus filhos de Burgos: “Peçam por mim, que este jubileu me purifique e me inflame a alma” (Carta 16-VII-1938).
São Josemaria celebrou a Missa junto ao túmulo do Apóstolo e glosou intensas recordações dela em outra publicação (Notícias, agosto de 1938): “Santiago de Compostela e fins de julho, na Cripta: junto às relíquias do Apóstolo se vive pausadamente as orações e as ações da Santa Missa. O sacerdote, com as mãos juntas à altura do rosto, fica recolhido; suas preces são por vocês, todos e cada um...Um professor catedrático muito conhecido, amigo de vocês – seu irmão – atua com gozo como acólito, muito unido às petições e às ações de graças do Padre... Podem estar certos de que, em espírito, ganharam o jubileu”. O acólito era o arquiteto Ricardo Fernández Vallespín (Ferrol, 23 de setembro de 1910 – Madri, 28 de julho de 1978). O texto permite intuir a intensidade da oração de Escrivá, em pleno conflito bélico, com sua família que não podia sair de Madri e seus filhos, poucos ainda, dispersos.
Terminada a Missa, seguiriam o costume dos peregrinos de dar o abraço ao Apóstolo, “manifestação expressiva de agradecimento por ter ensinado o Evangelho nestas terras” (Obras, fevereiro de 1985).
No dia seguinte, 19 de julho, voltaram a León e no dia 20 São Josemaria já estava de novo em Burgos. Uns dias mais tarde escrevia a um rapaz que estava doente contando-lhe, entre outras coisas: “Voltei de minha última viagem antes do que eu pensava; isso porque aquele bendito senhor Bispo de León tratou-me com um carinho e uma confiança extremos e insistiu muito comigo para que ficasse lá com ele permanentemente” (Carta, 26-VII-1938).
A peregrinação a Compostela influiu na mudança de título do livro de “Consideraciones Espirituales” a “Camino”?
“É impossível penetrar na transcendência íntima daquele primeiro jubileu. Mas o caso é que, naquela época, São Josemaria estava ultimando a redação de um livrinho, Consideraciones Espirituales, que tinha vindo à luz em Cuenca quatro anos antes e que continha 440 pontos de meditação. Tinha-se proposto ampliá-lo para 999 considerações e poucos meses depois da sua peregrinação a Compostela, o livro já em fase de edição, ele decide de repente mudar o título e o livro chamar-se-á Caminho”.
Quem escreveu isso em 26 de junho de 2004, festa de São Josemaria, foi o sacerdote e jornalista Carlos Carrasco. Reconhecia que “o Caminho de São Josemaria não é um manual de peregrinos, embora não poucos o tenham em suas mochilas”, e destacava que o livro “é uma avalanche de luz e de conselhos para os que pensam num caminho longo, que abarca toda a vida e que só termina na eternidade de Deus”. E concluía: “São Josemaria abre o livro com um desafio ao caminhante: “Que a tua vida não seja uma vida estéril. Sê útil. Deixa rasto. (...) E incendeia todos os caminhos da terra com o fogo de Cristo que levas no coração”.