Meditações: 7º domingo de São José (áudio)

Sétima reflexão para meditar durante os sete domingos de São José. Temas propostos: Jesus trabalhou junto de José; redescobrir o valor do trabalho; trabalho e oração, oração e trabalho.


O EVANGELISTA S. Lucas resume a infância de Jesus dizendo que «o menino crescia e tornava-se forte, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava com ele» (Lc 2, 40). Um pouco mais tarde, sintetiza os anos de adolescência do Senhor destacando que «Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens» (Lc 2, 52). É surpreendente que um Deus omnipotente quisesse experimentar o processo normal de crescimento humano. O Deus-homem viveu uma vida muito parecida com a dos outros habitantes de Nazaré. Aprendeu a lei e o ofício dos lábios e mãos de São José, talvez imitando -o. Também aprendeu a ler e a escrever, a tratar as pessoas, a descansar... Os dias de Jesus – tal como os dos seus vizinhos ou os nossos – devem ter girado em grande medida em torno das relações familiares, de amizade e trabalho. Talvez a oficina do seu pai tenha sido o local onde o Messias passou a maior parte da sua vida.

«Assim viveu Jesus durante seis lustros: era fabri filius, o filho do carpinteiro. Virão depois os três anos de vida pública, com o clamor das multidões. E as pessoas surpreendem-se: Quem é este? Onde aprendeu tantas coisas? Pois a sua vida tinha sido a vida comum do povo da sua terra»[1], muito semelhante à de S. José. Esta realidade mostra-nos como o trabalho faz parte do plano de Deus para o homem. No Livro do Génesis, o ser humano é apresentado como o guardião do criado, capaz de transformar e embelezar o mundo, continuando o que o Criador o faz. O trabalho é, portanto, uma realidade humana com a qual podemos contribuir para criar um ambiente, uma cidade, uma nação onde homens e mulheres possam ter um diálogo íntimo com Deus.


«PARA A GRANDE maioria dos homens, ser santo significa santificar o seu trabalho, santificar-se no trabalho e santificar os outros com o trabalho»[2]. Com estas palavras, o fundador do Opus Dei resumia uma parte da mensagem que Deus tinha pedido que recordasse aos cristãos. “Santificar o trabalho” é a expressão que chama mais a atenção. Por um lado, significa fazê-lo bem, com amor, prestando atenção aos detalhes, como qualquer pessoa honesta. Por outro lado, fazê-lo sabendo que na materialidade deste trabalho podemos compartilhar o modo de Deus amar a sua criação, ou seja, as pessoas e a realidade tangível em que elas vivem. Esta maneira expressa-se na proximidade, ternura, no inspirar sempre nova vida nas criaturas. Participar nesta missão leva-nos, de certa forma, a ser contemplativos no meio do mundo. «Todas as obras dos homens se fazem como num altar, dizia S. Josemaria, e cada um de vós, nessa união de almas contemplativas que é a vossa jornada, diz de algum modo a sua Missa, que dura vinte e quatro horas»[3].

Uma consequência lógica deste encontro divino será fazê-lo sempre para servir os outros como filhos de Deus e fazer do nosso mundo um mundo melhor. «O trabalho é um elemento fundamental para a dignidade da pessoa. Para usar uma imagem, o trabalho ‘unge-nos’ de dignidade, enche-nos de dignidade; torna-nos semelhantes a Deus, que trabalhou e trabalha, agindo sempre (cf. Jo 5, 17)»[4]. Contudo, também aqui o pecado deixou a sua marca, por exemplo, quando o nosso trabalho se torna um fim, apenas para alcançar o reconhecimento social ou económico. «É indispensável que o homem não se deixe escravizar pelo trabalho, que não o idolatre, com a pretensão de encontrar nele o sentido último e definitivo da vida»[5]. S. João Paulo II também nos advertia contra uma visão do trabalho que só o considera «como mercadoria, uma fria lógica de ganho para poder adquirir bem-estar, consumir e assim continuar produzindo»[6]. Olhar para S. José, o mestre de Jesus no trabalho, pode ajudar-nos a redescobrir sempre o verdadeiro valor das nossas tarefas diárias; a não as transformar num fim terreno, mas descobrir ali aquele quid divinum, o algo divino que nos une a Deus e nos coloca diante dos outros como intermediários dos bens e do cuidado de Deus – também material – para cada pessoa.


S. JOSEMARIA recorda numa homilia: «costumo dizer com frequência, nestes momentos de conversa com Jesus, que nos vê e nos escuta do Sacrário, não podemos cair numa oração impessoal. E explico que, para meditarmos de modo que se instaure imediatamente um diálogo com o Senhor – não é preciso nenhum ruído de palavras –, temos que sair do anonimato, colocar-nos na presença divina tal como somos (...). Pois bem: agora acrescento que também o teu trabalho deve ser oração pessoal, tem de converter-se num grande colóquio com o nosso Pai do Céu. Se buscas a santificação em e através da tua atividade profissional, terás necessariamente de esforçar-te para que se converta numa oração sem anonimato»[7].

Transformar cada hora do nosso trabalho numa hora de oração não é necessariamente questão de acrescentar orações vocais ou lembretes piedosos durante a nossa atuação profissional. Rezar com o nosso trabalho é – além de o alimentar com uma vida interior cultivada noutros momentos – ter consciência de que, em certo sentido, somos as mãos e ouvidos do Senhor que, através de uma determinada tarefa material ou intelectual, ouvimos, acolhemos, cuidamos das pessoas e da criação que nos foi confiada.

Numa ocasião, perguntaram a S. Josemaria: «Sou cirurgião e tenho dez filhos. Há quinze anos que o espírito da Obra é o meu guia e a minha força. Mas há dias em que a vida profissional nos tira todo o tempo. Que fazer para continuar a santificar-se e para cuidar da casa?». Ao que o fundador do Opus Dei respondeu: «Mas, quando atendes os doentes, que fazes senão um trabalho quase sacerdotal? És quase um sacerdote, e tens alma de sacerdote. Curas as feridas do corpo e, ao mesmo tempo, as da alma. Apenas com o teu olhar, com o teu modo de tratar os doentes, com uma palavra, com um sorriso afetuoso. Da manhã à noite e da noite até à manhã, estás com Deus»[8]. Por isso, com a festa do patriarca tão próxima, podemos recorrer a ele para podermos colaborar com o Senhor da melhor maneira através do nosso trabalho. «Dirijamos-lhe a nossa oração: (...) Ó Bem-aventurado José, mostrai-vos pai também para nós e guiai-nos no caminho da vida. Alcançai-nos graça, misericórdia e coragem»[9].


[1] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 14.

[2] S. Josemaria, Entrevistas a S. Josemaria, n. 55.

[3] S. Josemaria, Notas de uma meditação, 19/03/1968.

[4] Francisco, Audiência Geral, 01/05/2013.

[5] Bento XVI, Homilia, 19/03/2006.

[6] S. João Paulo II, Audiência Geral, 01/05/1984.

[7] S. Josemaria, Amigos de Deus, n. 54.

[8] S. Josemaria, Notas tiradas numa reunião familiar em Valência, 17/11/1972. É possível ver um trecho deste diálogo no vídeo.

[9] Francisco, Patris corde, Epílogo.