Meditações: 25 de março, Anunciação do Senhor

Reflexão para meditar no dia 25 de março, Solenidade da Anunciação do Senhor. Os temas propostos são: Deus diviniza a nossa vida; contemplar a vida de Jesus; uma divindade muito humana.


«E o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós. Nós vimos a sua glória» (Jo 1, 14). Na Solenidade da Anunciação do Senhor, alegramo-nos com a grande misericórdia que Deus nos mostrou ao entrar no nosso mundo. Celebramos Jesus de Nazaré, Deus e Homem verdadeiro; celebramos Santa Maria, que se tornou Mãe do Senhor; celebramos, em certo sentido, toda a humanidade – nós também – porque o mistério da Encarnação diz-nos que a nossa natureza humana tem uma dignidade altíssima, capaz até de ser elevada pela ação da graça.

Na festa de hoje, o nosso olhar dirige-se especialmente a Jesus, o Verbo de Deus feito carne. «Contemplo-te perfectus Deus, perfectus homo: verdadeiro Deus, mas também verdadeiro homem, com carne como a minha – dizia S. Josemaria, sem sair do seu assombro –. Aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, para que eu nunca mais duvidasse de que Ele me compreende e me ama»[1]. Esta verdade de fé, unida ao acontecimento histórico, é uma fonte inesgotável de paz para a nossa alma. «Deus tornou-se fragilizado a fim de tocar de perto a nossa fragilidade»[2].

Ao mesmo tempo, saber que Deus assumiu a natureza humana é também um convite a deixar que divinize todos os aspetos das nossas vidas. No início da Santa Missa, pedimos com audácia ao Senhor que opere em nós essa transformação: «Concedei-nos que, celebrando o nosso Redentor como verdadeiro Deus e verdadeiro homem, mereçamos também participar da sua natureza divina»[3]. O mistério da Encarnação diz-nos que a nossa existência tem uma dimensão maior do que apenas a existência humana, já boa em si mesma: também somos capazes de ter vida sobrenatural, de ver além do efémero, de amar com uma força que vem de Deus, através de Cristo, semelhante a nós em tantas coisas.


«AVE, CHEIA DE GRAÇA, o Senhor está contigo» (Lc 1, 28). Desde o início da sua vida, Maria teria percebido essa proximidade de Deus, talvez pela forma como notava os Seus cuidados. No momento da Encarnação, porém, essa proximidade intensifica-se: a vida de Nossa Senhora fica, já na terra, intimamente unida à de Deus. A Virgem pôde desfrutar de maneira única desta proximidade de Deus durante os anos de convivência com Jesus em Nazaré, no meio das atividades mais simples e quotidianas. E, uma vez iniciada a Sua vida pública, continuaria a compartilhar muitos momentos com Ele.

Certamente, a experiência de Santa Maria é irrepetível: ninguém teve tanta intimidade com Jesus como Ela. No entanto, o que não podemos ver com os olhos da carne, podemos ver com os olhos da fé. Por isso, a contemplação do Evangelho é um caminho privilegiado para descobrir a Humanidade do Senhor, que a Virgem Maria conhecia tão bem. Não se trata de ler aquelas páginas «como água que passa»[4], mas com o mesmo olhar com que a Nossa Mãe observaria a vida do Seu Filho: «Porque é necessário que a conheçamos bem, que a tenhamos inteira na mente e no coração, de modo que, em qualquer momento, sem necessidade de nenhum livro, cerrando os olhos, possamos contemplá-la como um filme; de forma que, nas mais diversas situações da nossa vida, acudam à memória as palavras e os atos do Senhor»[5].

O Catecismo explica a transformação que experimentamos quando olhamos para a existência do Messias desta forma: «A contemplação é o olhar da fé, fixado em Jesus. “Eu olho para Ele e Ele olha para mim” – dizia, no tempo do seu santo Cura, um camponês d'Ars em oração diante do sacrário (...) A luz do olhar de Jesus ilumina os olhos do nosso coração; ensina-nos a ver tudo à luz da sua verdade e da sua compaixão para com todos os homens»[6]. Como dois enamorados, sem necessidade de muitas palavras, basta um olhar para perceber o grande e fiel amor que envolve a nossa vida.


NESSES MOMENTOS de oração confiada com o Senhor podemos aprender tantos gestos e palavras que, mais tarde, servirão de inspiração para as nossas lutas diárias. Contemplar a maneira como Cristo unia o amor divino e o amor humano pode ajudar-nos a dar esse tom de humanidade à nossa vida cristã. S. Josemaria dizia que «para sermos divinos, para nos endeusarmos, temos de começar por ser muito humanos»[7]. A solenidade da Anunciação do Senhor lembra-nos isso: que Deus não fica no céu. Jesus mostra-nos que é um Deus muito humano: na Sua delicadeza no trato com todas as pessoas, na Sua proximidade com os marginalizados, na Sua solicitude pelos discípulos.

Desta maneira, a contemplação de Jesus, verdadeiro homem, alimenta não só a nossa oração, mas também a nossa missão cristã de serviço. Ele entrega-Se a nós também fisicamente, através do Seu corpo: com a Sua voz, com as Suas mãos que curavam e abençoavam, com os Seus braços que Se abrem para abraçar a cruz. Não elabora planos teóricos, mas põe mãos à obra.

«Este modo de agir de Deus é um forte estímulo a interrogar-nos sobre o realismo da nossa fé, que não se deve limitar à esfera do sentimento, das emoções deve entrar no concreto da nossa existência»[8]. O sacrifício que Jesus oferece ao Pai é toda a Sua vida; uma entrega que abrange cada segundo da Sua passagem pela terra. Esta foi também a atitude de Nossa Senhora, que com o seu fiat no dia da Anunciação confiou «nas promessas de Deus, que é a única força capaz de renovar, de fazer novas todas as coisas»[9].


[1] S. Josemaria, Amigos de Deus, n. 201.

[2] Francisco, Angelus, 03/01/2021.

[3] Missal Romano, Oração coleta, Solenidade da Anunciação do Senhor.

[4] S. Josemaria, Notas de uma reunião familiar, 02/01/1971.

[5] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 107.

[6] Catecismo da Igreja Católica, n. 2715.

[7] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 172.

[8] Bento XVI, Audiência, 09/01/2013.

[9] Francisco, Discurso, 26/01/2019.