Meditações: 19 de março, São José

Reflexão para meditar no dia 19 de março, Solenidade de S. José. Os temas propostos são: a oração de José anima as suas ações; uma oração que põe o olhar em Jesus; o patriarca atua com a liberdade e a confiança que o amor dá.


AS BIOGRAFIAS das grandes personagens costumam estar feitas com factos extraordinários e com discursos importantes. Além disso, muitas vezes inserem-se num contexto de crise existencial ou social, onde o seu contributo é visivelmente importante. Daí que a figura serena e forte de S. José, tendo suscitado tanta devoção ao longo dos séculos, seja surpreendente: os Evangelhos não nos transmitem nenhuma das suas palavras e a sua atuação duma maneira geral foi simples, sem muitos dramatismos. Aos nossos olhos aparece inclusivamente como uma personagem discreta. No entanto, «S. José lembra-nos que todos os que estão aparentemente ocultos ou em “segunda linha” têm um protagonismo único na história da salvação»[1]. Mesmo que na sua vida não se observem ações exteriores portentosas, há uma vida interior cheia de atividade. Vemos nele um homem que soube responder aos desafios a partir do silêncio da oração e que, por isso, pôde realizar as suas obras com a liberdade que emana do verdadeiro amor.

«Os Evangelhos falam exclusivamente do que José “fez”; no entanto, permitem descobrir nas suas “ações” – ocultas pelo silêncio – um clima de profunda contemplação»[2]. S. João Paulo II revela-nos assim o segredo que se esconde por trás das obras do santo Patriarca: toda a sua vida era verdadeira oração. S. José estava atento à voz de Deus que se esconde por trás de todos os acontecimentos e de todas as pessoas; isso permitiu-lhe ouvi-l’O até nas ténues imagens dos sonhos. A Sagrada Escritura diz-nos que, enquanto dormia, descobriu a vocação que ia encher de conteúdo todos os dias da sua vida: cuidar de Jesus e de Maria. Um anjo visitou-o de noite para lhe revelar o plano de Deus e colmatar assim o seu desejo de ser feliz fazendo a vontade de Javé (cf. Mt 1, 20). Nem sequer nesses momentos podemos ouvir a resposta de José à mensagem angélica; constatamos simplesmente que, desde então, todas as suas ações são a melhor resposta aos pedidos divinos.

Entre a vida interior de S. José e as suas manifestações externas não vemos qualquer fissura porque transforma a sua própria vida num caminho de oração. Só uma alma profundamente contemplativa como a sua consegue converter o sonho de Deus no seu próprio sonho. S. Josemaria pregava continuamente a profundidade que supõe unir, desta maneira, o divino com o humano: «Habituai-vos a procurar a intimidade de Cristo com a sua Mãe e com o seu Pai, o Patriarca Santo, e então tereis o que Ele quer que tenhamos: uma vida contemplativa. Porque estaremos, simultaneamente, na terra e no Céu, tratando as coisas humanas de maneira divina»[3].


DESDE O NASCIMENTO de Jesus em Belém, no meio da pobreza, o santo Patriarca não se terá cansado nunca de contemplar o rosto de Deus feito menino. É fácil imaginar o seu olhar, cheio de carinho, posto em Jesus durante a primeira noite que passou nesta terra. Com a passagem dos anos, recordaria constantemente esse primeiro sonho divino que tinha aberto um horizonte insuspeitado à sua existência: poder levar Maria e o Menino para a sua casa. No entanto, a oração de José ir-se-ia configurando com o tempo, ao ritmo da vida de Jesus e dos acontecimentos diários. «Para S. José, a vida de Jesus foi uma contínua descoberta da própria vocação»[4]. A sua vida contemplativa não era nunca uma desculpa para a passividade. Pelo contrário: a precária tranquilidade de Belém é interrompida por um novo sonho: Deus convida-o a exilar-se com a família no Egito. E precisamente porque a oração é o fogo que o move, põe-se imediatamente a caminho. De S. José aprendemos que toda a verdadeira renovação, que todo o novo impulso, nasce duma contemplação de Jesus que nos leva ao diálogo com Deus.

A vida da Sagrada Família, já de regresso a Nazaré, pode descrever-se assim: «O Filho de Deus está escondido para os homens e só Maria e José guardam o seu mistério e o vivem em cada dia: o Verbo encarnado cresce como homem à sombra dos pais, mas, ao mesmo tempo, estes permanecem por sua vez escondidos em Cristo, no seu mistério, vivendo a sua vocação»[5]. Aos olhos das pessoas da aldeia, não acontecia nada de extraordinário naquela santa casa que, dalguma forma, também é para nós uma cátedra de oração na vida diária. Também nós podemos viver na vida escondida de Cristo. A vida de José e de Maria decorre num constante diálogo com Jesus: eles vivem para ver o Senhor crescer, mas são eles que vão crescendo aos olhos de Deus. Eles cuidam de Jesus numa humilde casa de Nazaré enquanto Deus os protege na grande mansão do seu amor.

«A vossa vida está escondida com Cristo em Deus» (Cl 3, 3). A nossa vida de oração leva-nos, como a S. José, a refugiar-nos sempre no Senhor. O Santo Patriarca pôde suportar a humilhação do presépio, a crueza do exílio e a aparente monotonia duma vida normal, porque soube pôr o coração em Jesus: o lugar onde todas as situações se tornam habitáveis. Nunca viu a sua vocação como um conjunto de coisas para cumprir, mas como o presente imerecido de poder viver em cada momento junto do Filho de Deus.


O SILÊNCIO DE S. José ante as moções divinas pode servir-nos para penetrar na liberdade com que o Patriarca se movia dentro dos planos de Deus. Num primeiro momento pode parecer-nos que essa simplicidade encerra uma vida sem ideais próprios ou talvez uma resposta demasiado mecânica. No entanto, ao contemplá-la mais de perto, reparamos que se trata, antes, duma vida cheia pela liberdade do amor. A verdadeira oração, quando é um diálogo aberto com Deus, vai-nos dando a possibilidade de olhar para o mundo, dalguma maneira, a partir da Sua posição. Então a nossa vida adquire uma dimensão diferente, insuspeitada, como a de S. José, que soube pôr «fé e amor na esperança da grande missão que Deus, servindo-se também dele – um carpinteiro da Galileia –, estava a começar no mundo: a redenção dos homens»[6].

«A lógica do amor é sempre uma lógica de liberdade, e José foi capaz de amar duma forma extraordinariamente livre. Nunca se pôs no centro. Soube como descentrar-se, para pôr Maria e Jesus no centro da sua vida»[7]. A oração faz-nos verdadeiramente livres porque nos permite penetrar na lógica da entrega, numa lógica que nos torna mais leves e nos permite dar o peso adequado a cada coisa. Quando entabulamos um diálogo constante com Deus, as nossas vidas já não estão supeditadas necessariamente aos nossos gostos ou cansaços, mesmo que estes não deixem de existir. As nossas misérias também não nos preocupam demasiado, porque sabemos que Ele vem em nossa ajuda para nos curar e para as converter em fonte de vida, como foram as mãos chagadas e o lado aberto de Cristo.

Mas isto não significa que a vida de oração de S. José não tenha conhecido dificuldades. Sabemos que numa ocasião, ao regressar de Jerusalém, Jesus adolescente se perdeu (cf. Lc 2, 45). Podemos imaginar com que angústia o procuraria. Pela sua cabeça passariam tantas recordações íntimas com uma tonalidade diferente. Talvez lhe escapasse alguma lágrima. No entanto, durante os três dias que durou a sua incerteza, não deixou de perseverar interiormente «com os olhos fixos em Jesus» (Hb 12, 2). A sua procura exterior era, outra vez, o reflexo da sua constante busca interior. O santo Patriarca não compreendeu a resposta que Jesus lhe deu quando finalmente o encontrou no templo, mas a sua vida já se encontrava de tal modo nas mãos de Deus, que mesmo então se deixou guiar por Ele. Aí radica a grandeza da personalidade de São José e que lhe pedimos no dia da sua festa: confiar plenamente em Deus. E Deus nunca defrauda, porque os seus sonhos para nós, mesmo que às vezes nos superem, são sempre bons.


[1] Francisco, Patris corde, Introdução.

[2] S. João Paulo II, Redemptoris custos, n. 25.

[3] S. Josemaria, Apontamentos da pregação oral, 26/05/1974.

[4] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 52.

[5] Bento XVI, Discurso nos jardins vaticanos, 05/07/2010.

[6] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 42.

[7] Francisco, Patris corde, n. 7.