Coisas Pequenas

A vida comum que nós, cristãos, desejamos santificar, está entrelaçada com fatos e situações aparentemente sem importância, relações habituais e costumes repetidos que poderiam desembocar em uma vida rotineira e superficial.

No entanto, a fé em Cristo concede grande dignidade às pessoas e às suas ações, bem como às coisas criadas, resgatando a existência humana da possível monotonia e irrelevância. Nessa trama diária, os olhos da fé encontram constantemente ocasiões de amar a Deus e de servir aos outros, tornando a vida mais humana e dando um valor antropológico e sobrenatural ao pequeno e intranscendente que, por amor, se torna grande e transcendente: “Não esqueçamos nunca: há algo de santo, de divino, escondido nas situações mais comuns, algo que a cada um de nós compete descobrir. (…) Eu lhes asseguro, meus filhos, que quando um cristão desempenha com amor a mais intranscendente das ações diárias, está desempenhando algo donde transborda a transcendência de Deus” (Entrevistas com Mons. Escrivá de Balaguer, nºs. 114 e 116). Dessa forma, aquilo que parecia sem importância demonstra ter uma grande força, ao unir-se à graça de Deus: “Mudar o mundo com as pequenas coisas de cada dia, com a generosidade, com o compartilhar, escutando os outros e criando atitudes de fraternidade” (Mensagem do Papa Francisco aos jovens, 2-VI-2017).

1. O exemplo de Jesus

Embora a Encarnação do Verbo tenha sido milagrosa, sem intervenção humana – “pela ação do Espírito Santo” (Mt 1,18) – a sua gestação por nove meses no ventre de Maria e a sua vinda ao mundo em uma família foram normais e nada chamativos. Os trinta anos que precederam os três da sua vida pública e da sua Paixão, Morte e Ressurreição, se desenvolveram na mais absoluta normalidade na aldeia de Nazaré, exercendo um trabalho manual e relacionando-se com parentes, amigos e vizinhos. No entanto, foi também um período redentor: uma gota do suor de Cristo na oficina de Nazaré nos salva, como uma gota do Seu sangue na Cruz do Calvário.

Dá-Lhe tu o que puderes dar; não está o mérito no pouco nem no muito, mas na vontade com que o deres

No início da vida pública, quando Jesus retorna a Nazaré, os seus compatriotas se admiram: “De onde lhe vêm essa sabedoria e esses milagres? Não é ele o filho do carpinteiro?” (Mt 13,54-55). As pessoas diziam que “Ele fez tudo bem” (Mc 7, 37), e São Josemaria comentava que Jesus fez admiravelmente bem “os grandes prodígios e as coisas triviais, cotidianas, que a ninguém deslumbraram, mas que Cristo realizou com a plenitude de quem é perfectus Deus, perfectus homo, perfeito Deus e homem perfeito” (Amigos de Deus, nº. 56). Jesus valoriza o que é pequeno se feito com amor e generosidade, como a esmola da viúva pobre (cf. Mc 12, 41-43): “Não viste os fulgores do olhar de Jesus quando a pobre viúva deixou no templo a sua pequena esmola? – Dá-Lhe tu o que puderes dar; não está o mérito no pouco nem no muito, mas na vontade com que o deres” (Caminho, nº. 829). E também sente falta dos detalhes adequados de cortesia de Simão, o fariseu, depois que uma mulher pecadora se aproximou de Jesus, regou seus pés com lágrimas, secou-os com seus cabelos, ungiu-os com perfume e os beijou, enquanto seu anfitrião não lhe havia oferecido água para os pés, nem lhe tinha dado o beijo de boas-vindas, nem havia ungido sua cabeça com óleo (cfr. Lc 7, 38-46): Jesus – explica São Josemaria – “trouxe à luz essa falta de urbanidade para realçar, com esse episódio, o ensinamento de que o amor se manifesta nos detalhes pequenos” (Amigos de Deus, nº 122).

Nos seus ensinamentos, Jesus enfatiza a importância de ser fiel no pouco. Na parábola dos talentos, demonstra este apreço com palavras que são como boas-vindas ao Céu: “Parabéns, servo bom e fiel! Como te mostraste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da alegria do teu senhor!” (Mt 25, 21). São Josemaria deduz: “São palavras de Cristo. – In pauca fidelis!... – Será que vais desdenhar agora as pequenas coisas, se se promete a glória a quem as guarda?” (Caminho, n. 819). A parábola das virgens tolas e prudentes (cf. Mt 25, 1-13) também constitui um chamado para estar nos detalhes, que são como óleo, ausente nas lâmpadas das virgens descuidadas: “Não souberam ou não quiseram preparar-se com a devida solicitude(...). Faltou-lhes generosidade para cumprir acabadamente o pouco que lhes fora pedido(...). Poderemos responder: são ninharias. Sim, é verdade; mas essas ninharias são o azeite, o nosso azeite, que mantém viva a chama e acesa a luz” (Amigos de Deus, nº 41). Jesus tem o detalhe de dizer a seus discípulos, depois da multiplicação dos pães: “Juntai os pedaços que sobraram, para que nada se perca!” (Jo 6,12). Em suma, Jesus considera muito as coisas pequenas para que nós não as desprezemos.

2. O campo das coisas pequenas

Materialmente, o espaço ou ambiente em que cuidar das coisas pequenas abrange todas as nossas atividades: o trabalho, a vida familiar, as relações sociais, o descanso, etc. são elementos constitutivos da vida espiritual daqueles que desejam ser santos no meio do mundo, em contato estreito com as realidades da vida cotidiana. E do ponto de vista formal, o campo das pequenas coisas é o de todas as virtudes. Uma pessoa não seria virtuosa se fosse capaz de suportar grandes tribulações com fortaleza, mas, ao mesmo tempo, fosse insensível e ingrata diante de um pequeno serviço recebido. Ou se ela vivesse com um forte senso de justiça, mas negligenciasse facilmente detalhes de sobriedade.As virtudes formam um tecido no qual todas as fibras crescem de maneira homogênea, às vezes através de atos heroicos, mas, geralmente, através de pequenas ações que tendem ao bem e à verdade. São Josemaria alertava para o perigo de imaginar grandes feitos a serviço do Senhor, fazendo referência ao personagem de Tartarín de Tarascón, que pretendia caçar leões nos corredores de sua casa e – como é claro – não os encontrava: “Convencei-vos de que, geralmente, não encontrareis espaço para façanhas deslumbrantes porque, entre outras razões, não costumam apresentar-se. Em contrapartida, não vos faltam ocasiões de demonstrar através do que é pequeno, do que é normal, o amor que tendes por Jesus Cristo” (Amigos de Deus, nº. 8).Ainda mais gráfica e cheia de contrastes é a consideração de Caminho, nº. 204: “Quantos se deixariam cravar numa cruz perante o olhar atônito de milhares de espectadores, e não sabem sofrer cristãmente as alfinetadas de cada dia! – Pensa então no que será mais heroico”.

Tu, com a graça de Deus: – Vou obedecer... até nesse pormenor “heroico”

O campo das pequenas coisas, portanto, é tão extenso quanto a própria vida, começando pelas próprias obrigações: “Queres de verdade ser santo? – Cumpre o pequeno dever de cada momento; faz o que deves e está no que fazes” (Caminho, nº. 815). Para que haja virtude – explica São Tomás – “devemos prestar atenção a duas coisas: ao que é feito e ao modo de fazê-lo” (Quodl. IV, a. 19). Se queremos ser santos, não há outro caminho senão confiar na graça de Deus, tentar fazer tudo com a maior perfeição possível, prestando atenção nos detalhes, um dia e outro, ao longo da vida. Existem tantas virtudes que podem ser vividas e fortalecidas com as coisas pequenas. Por exemplo, a sobriedade (Caminho, nº. 681: “No dia em que te levantares da mesa sem teres feito uma pequena mortificação, comeste como um pagão”), desprendimento (Amigos de Deus nº. 119: “acostuma-te, desde já, a enfrentar com alegria as pequenas limitações, o desconforto, o frio, o calor, a privação de alguma coisa que consideras imprescindível, o não poderes descansar como e quando quererias, a fome, a solidão, a ingratidão, a incompreensão, a desonra...”), obediência (Caminho, nº.618: “O inimigo: – Vais obedecer... até nesse pormenor ‘ridículo’? – Tu, com a graça de Deus: – Vou obedecer... até nesse pormenor ‘heroico’”), penitência (Amigos de Deus, nº 138: “A penitência consiste em suportar com bom humor as mil pequenas contrariedades da jornada”) etc. Não faltam aspectos em que viver dia a dia pequenos e constantes detalhes que nos unem a Deus e nos fazem melhores: “Viste como levantaram aquele edifício de grandeza imponente? – Um tijolo, e outro. Milhares. Mas, um a um” (Caminho, nº. 823). Assim colaboramos com o Deus-Arquiteto que constrói o edifício da nossa santificação pessoal.

3. A chave ou o segredo do valor das pequenas coisas

Só é possível viver com essa atenção às pequenas coisas quando é o amor que nos move. A chave do valor das pequenas coisas – já o tínhamos antecipado – está em realizá-las por amor: “Fazei tudo por Amor. – Assim não há coisas pequenas: tudo é grande. – A perseverança nas pequenas coisas, por Amor, é heroísmo” (Caminho, nº. 813). Quando escrevemos “Amor” com maiúscula, queremos indicar que é Deus o amado através desses atos aparentemente irrelevantes. De fato, o amor a Deus produz o prodígio de transfigurar este aglomerado de pequenas coisas, que por si só dificilmente teriam valor e que formam o tecido de uma vida comum, em algo divino, de preço infinito: em santidade. Não devemos permitir que esse tesouro diário escape das nossas mãos. É a essa grandeza, que resulta de tantas pequenas coisas feitas por Amor, que se refere São Josemaria, quando escreve: “De que tu e eu nos portemos como Deus quer – não o esqueças – dependem muitas coisas grandes” (Caminho, nº. 755). A ideia também pode remeter a saber descobrir na comunhão dos santos a importância do papel que cada um desempenha na empresa divina da Redenção: “Não sejas... bobo. É verdade que fazes o papel – quando muito – de um pequeno parafuso nessa grande empresa de Cristo. Mas sabes o que significa o parafuso não apertar o suficiente ou saltar fora do seu lugar? Cederão as peças de maior tamanho ou cairão sem dentes as rodas. Ter-se-á dificultado o trabalho. – Talvez se inutilize toda a maquinaria. Que grande coisa é ser um pequeno parafuso!” (Caminho, nº 830). Quando cada um cumpre o seu dever diário durante o dia, em seu próprio lugar, realizando a sua atividade profissional com competência, para dar glória a Deus e servir aos outros, está colaborando com Cristo para renovar o mundo.

nós cristãos devemos nos transformar, renovando nossa mente para poder “distinguir o que é da vontade de Deus”

O amor é exatamente a chave para desmoronar qualquer interpretação do cuidado das pequenas coisas como um perfeccionismo narcisista, algo típico de pessoas com mentalidade maníaca ou quadriculada. Essas possíveis atitudes são exatamente o contrário do amor, pois costumam surgir de interesses egoístas e só servem para tornar as pessoas estranhas e dificultar seu relacionamento com os outros. Cuidar o pequeno de cada dia não significa que tudo sairá perfeito, porque Deus conta com o fato de que somos seres humanos, com nossos limites, por meio dos quais o seu amor pode continuar atuando. Parafraseando São Paulo, nós cristãos devemos nos transformar, renovando nossa mente para poder “distinguir o que é da vontade de Deus, a saber, o que é bom, o que lhe agrada, o que é perfeito” (Rom 12, 2). Diariamente, temos a possibilidade de encontrar a vontade de Deus materializada em coisas acessíveis e pequenas, mas boas, agradáveis aos olhos de Deus e dos homens.

Vicente Bosch

Tradução: Mônica Diez