Vinte anos de pontificado do Papa João Paulo II mudaram a história do mundo

Entre outras recordações de João Paulo II, uma em particular me vem à memória com frequência. Contaram-me que o Papa, no fim de uma longa jornada de trabalho, recebeu nos seus aposentos uma pessoa. Era notório o cansaço de João Paulo II, que se aproximava com um caminhar lento. Essa pessoa, depois de cumprimentar e beijar a mão do Santo Padre, comentou-lhe filialmente: "O Santo Padre está muito cansado...". João Paulo II respondeu: "A estas horas não tenho direito de não estar cansado. Se não estivesse cansado, seria sinal de não ter cumprido o meu dever"

Ajuda-me relembrar estas palavras, para aprofundar no seu significado. Penso que mostram como o Papa se vê a si mesmo. Para ele, a responsabilidade que Deus lhe encomendou está acima de qualquer consideração. A sua saúde e o seu tempo, a sua missão e a sua vida pertencem a Deus e, por Deus, aos outros.

Com uma curiosidade que nasce do carinho e da fé, algumas pessoas perguntaram ao Papa: Como é a sua oração pessoal? O que é que diz a Deus na intimidade do seu coração? João Paulo II respondeu em certa ocasião: "A oração do Papa tem, porém, uma dimensão especial. A solicitude por todas as Igrejas impõe cada dia ao Pontífice peregrinar pelo mundo inteiro com a oração, com o pensamento e com o coração. Delineia-se, assim, uma espécie de geografia da oração do Papa. É a geografia das comunidades, das Igrejas, das sociedades e também dos problemas que angustiam o mundo contemporâneo" (Atravessar o limiar da esperança, p. 21).

Peregrinar durante a oração. Rezar pelos homens e pelos seus problemas. "Viagens" que João Paulo II faz com "o pensamento e com o coração", para cumprir a sua missão de Pontífice, sendo ponte entre Deus e os homens. Assim é a oração do Papa, e assim se explica que quem ouve a sua palavra repare que a sua voz não é o mil vezes repetido clamor público que às vezes nos atordoa. Não é difícil reparar que o Santo Padre fala com autoridade: com uma autoridade que procede exactamente de Jesus, da Palavra com maiúscula, do Evangelho que não passará mesmo que passem o céu e a terra (cfr. Mt 5, 18) Porque a Igreja - toda Ela - anuncia Jesus Cristo.

Junto do Papa, milhões de homens sentem-se unidos pelos vínculos da fé, que estão acima de qualquer outro vínculo histórico ou cultural. Com o Papa tem-se consciência do mistério da Igreja como família de Deus e de cada homem e mulher como filhos de Deus. Não mentem as imagens de multidões, às quais João Paulo II nos acostumou nestes últimos vinte anos: nunca nenhum líder reuniu à sua volta semelhantes multidões. E para explicar o fenómeno não bastam a sociologia ou a teoria da comunicação. Para além das palavras e dos gestos do Papa, para além do afecto unânime - espontâneo e, ao mesmo tempo, profundo - que suscita em toda a gente, para além da esperança que transmite aos homens de hoje, há um desígnio de Deus valentemente assumido e uma história que remete a Jesus Cristo.

João Paulo II, no dia do aniversário da sua eleição, percorrerá uma vez mais o mundo com a sua oração. De certeza que rezará por nós e pelos nossos. Nessa ocasião, os católicos, e muitos outros homens de boa vontade, tê-lo-ão também presente na sua oração, e pedirão a Deus, para o Santo Padre, a alegria e a paz. E sentirão o desejo de agradecer a generosidade com que vem exercendo, ao longo destes vinte anos, o sumo pontificado.

D. Javier Echevarría // Il Tempo (Roma)