Setenta anos da Prelatura

Nestes dias, entre muitas recordações do Beato Josemaría, têm-me vindo à memória algumas coisas que ele dizia aos que tinha mais perto de si. São um testemunho da sua humildade e da perplexidade que sentia perante as graças recebidas da misericórdia de Deus: "um fundador sem base", "um instrumento inepto e surdo", "uma criança que balbucia". Era isto o que pensava de si.

Para uma instituição que há de durar pelos séculos, setenta anos são pouco mais que um primeiro vagido. Talvez ainda muito pouco para fazer um balanço histórico, mas tempo mais que suficiente para fazer exame de consciência diante de Deus. "Obrigado pela ajuda que me deste, perdoa a minha fraqueza, ajuda-me mais": D. Álvaro del Portillo, primeiro sucessor do Beato Josemaría à frente do Opus Dei, rezava com estas palavras num aniversário de fundação da Obra. Hoje quero fazer minha aquela oração.

Que perspectivas se abrem neste momento à Prelatura do Opus Dei? As mesmas que o Beato Josemaría viu no dia 2 de Outubro de 1928. Sempre foi assim na Igreja. A História é a presença sempre nova da vida de Cristo, desde o nascimento em Belém até aos anos de trabalho em Nazaré, desde a pregação itinerante pela Palestina até ao Gólgota, até à Ressurreição, até ao Pentecostes. O futuro e o passado andam juntos. Renovação e fidelidade vão a par. O ponto de partida do Opus Dei, e de toda a Igreja, será a identificação com Cristo. Esta é a razão de ser da Prelatura e a condição da sua fecundidade na Igreja.

O Beato Josemaría gostava de dizer que o Opus Dei era "velho como o Evangelho, e como o evangelho novo". No decreto pontifício sobre a heroicidade das suas virtudes diz-se que a actualidade da sua mensagem "está destinada a perdurar, por cima das transformações dos tempos e das contingências históricas, como fonte inesgotável de luz espiritual". Aliás, já o Santo Padre Paulo VI, em 1964, num texto enviado ao Beato Josemaría, tinha definido o Opus Dei como "expressão viva da perene juventude da Igreja". Trabalhar será sempre missão e dignidade do homem sobre a terra. Por isso, será sempre preciso mostrar que o trabalho pode ser, simultaneamente, ponto de encontro com Cristo, e tema de santidade.

Desejo transcrever uma passagem de uma carta do Beato Josemaría, datada de 1932, onde descreve o núcleo essencial do Opus Dei: "Ao suscitar nestes anos a sua Obra, Nosso Senhor quis que nunca mais se desconheça ou caia no esquecimento a verdade de que todos se devem santificar e de que a maioria dos cristão é chamada a santificar-se no mundo, no trabalho do dia-a-dia. Por isso, a Obra existirá enquanto houver homens sobre a terra. Há-de haver sempre pessoas, de todas as profissões e ofícios, que procurem ser santas no seu estado, na sua profissão ou ofício, sendo almas contemplativas no meio do mundo".

"O Opus Dei não vem inovar nada, e menos ainda reformar a Igreja nalguma coisa", repetia com frequência o Beato Josemaría. O Opus Dei pretende apenas lembrar a todos os baptizados que Deus os chama à plenitude do amor. É um acto de fé em Deus. O cristão acredita firmemente que nenhum obstáculo se pode opor ao desígnio da redenção, que nada pode bloquear a graça divina. E é também um acto de confiança no homem. A fé em Deus só é sólida quando não se baseia no pessimismo, na radical desconfiança no homem, na renúncia a confiar, apesar de tudo, na ânsia de bem que palpita no mundo.

Acreditar no chamamento à santidade não significa ignorar o mal. O Evangelho ensina-nos que não são os sãos que têm necessidade de médico, mas os doentes. Em Cristo, temos a garantia infalível da salvação. Não nos santificamos apesar do mundo, mas no próprio mundo. O Beato Josemaría escreveu noutra ocasião: "Deus chama-vos a servi-Lo em e mediante as ocupações civis, materiais, seculares da vida humana: Deus espera-vos todos os dias no laboratório, na sala de operações de um hospital, no quartel, na cátedra universitária, na fábrica, na oficina, no campo, em casa com a família e em todo o imenso panorama do trabalho. Sabei-o bem: há algo santo, divino, escondido nas situações mais correntes, que cabe a cada um de vós descobrir".

A Cruz de Cristo não estava suspensa no ar, estava bem fincada no cimo do Calvário. "A Santa Cruz far-nos-á perduráveis", escreveu o Beato Josemaría. O esforço de se identificar com Cristo no trabalho do dia-a-dia não se pode restringir à espera das intenções; implica também cansaço, fortaleza nas contrariedades, dedicação, espírito de serviço, lealdade verdadeira, liberdade e responsabilidade pessoais.

Nenhum cristão se pode esquecer de que o caminho da santidade passa pela Cruz de cristo. Por isso, peço a Nosso Senhor que ensine todos os homens a amarem o sacrifício. Junto da Cruz descobriremos que somos filhos muito queridos de Deus e alcançaremos a protecção maternal de Maria. Ali receberemos o dom do espírito Santo, "fruto da Cruz", como lhe chamava o Beato Josemaría. A Igreja e o mundo inteiro necessitam de cristãos disponíveis a viverem a fé com alegria e total coerência. Sozinhos, não conseguiremos nada. Precisamos da oração e da compreensão de todos.

D. Javier Echevarría // ABC (Madrid)