Orai sem cessar

Como cristãos correntes, que querem seguir Jesus de perto nas encruzilhadas do mundo, temos que viver continuamente unidos a Deus, por meio de uma oração constante.

S. Lucas é o evangelista que mais sublinha o sentido da oração no ministério de Cristo[1]. Só ele nos transmitiu três parábolas de Jesus sobre a oração. A segunda delas é esta: «havia em certa cidade um juiz que não temia a Deus nem respeitava os homens. Havia também na mesma cidade uma viúva, que ia ter com ele, dizendo: “Faz-me justiça contra o meu adversário”. Ele, durante muito tempo, não a quis atender. Mas, depois disse consigo: “Ainda que eu não tema a Deus nem respeite os homens, todavia, visto que esta viúva me importuna, far-lhe-ei justiça, para que não venha continuamente importunar-me”. O Senhor concluiu: “Ouvi o que diz este juiz iníquo. E Deus não fará justiça aos Seus escolhidos que a Ele clamam dia e noite, e tardará em socorrê-los?”» (Lc 18, 2-7).

Ao apresentar a parábola, S. Lucas escreve: «Disse-lhes também uma parábola para mostrar que importa orar sempre e não cessar de o fazer» (Lc 18, 1). E, pouco depois, refere outras palavras de Jesus sobre a necessidade da vigilância: «Vigiai, pois, orando sem cessar, a fim de que vos torneis dignos de evitar todos estes males que devem acontecer e de aparecer com confiança diante do Filho do Homem» (Lc 21, 36).

Como se pode observar, o terceiro evangelista fixou-se em que Jesus dá muita importância à constância na oração, pois manda aos Seus discípulos que permaneçam continuamente nela: “dia e noite”, “em todo o tempo”. É claro, além disso, pelo tom que o Senhor usa nas Suas palavras, que a oração contínua é algo preceituado por Jesus; trata-se de um mandato e não apenas de um conselho.

É necessário rezar sem cessar para seguir de perto o Senhor, porque Ele mesmo nos dá o exemplo e ora continuamente ao Seu Pai Deus.

É necessário rezar sem cessar para seguir de perto o Senhor, porque Ele mesmo nos dá o exemplo e ora continuamente a Seu Pai Deus. Assim no-lo mostra S. Lucas: «Ele retirava-Se para lugares desertos, e fazia oração» (Lc 5, 16), e também: «Estando Ele a fazer oração em certo lugar, quando acabou, um dos discípulos disse-Lhe: Senhor, ensina-nos a orar, como também João ensinou aos seus discípulos» (Lc 11, 1).

No terceiro Evangelho são recolhidas numerosas cenas onde vemos que Jesus ora antes dos momentos decisivos da Sua missão, entre outros: do Batismo; da Transfiguração; antes de escolher e chamar os Doze; antes de dar cumprimento com a Paixão ao desígnio de amor do Pai (cf. Lc 3, 21; 9, 28; 6, 12; 22, 41-44).

Sobre o exemplo da oração do Senhor, S. Josemaria comenta: «Como cativou os primeiros discípulos a figura de Cristo em oração! Depois de contemplarem essa atitude constante do Mestre pediram-Lhe: Domine, doce nos orare, Senhor, ensina-nos a orar assim»[2].

Nos Atos dos Apóstolos, S. Lucas retrata, com três pinceladas, a maneira de rezar dos primeiros fiéis: «Todos estes perseveravam unânimes em oração, com algumas mulheres e com Maria, mãe de Jesus» (At 1, 14), e pouco depois: «Perseveravam na doutrina dos Apóstolos, na união fraterna, na fração do pão e nas orações» (At 2, 42). E quando Pedro é preso por pregar audazmente a verdade, «a Igreja fazia sem cessar oração a Deus por ele» (At 12, 5).

Depois de S. Lucas, é S. Paulo quem mais se faz eco do preceito de Jesus sobre a oração contínua, pois exorta frequentemente os fiéis a pô-lo em prática; por exemplo, aos de Tessalónica: «orai sem cessar» (1Ts 5, 17), e aos de Éfeso: «Fazei continuamente, pelo Espírito, orações e súplicas» (Ef 6, 18). O próprio S. Paulo dá-nos exemplo, quando diz que reza constantemente pelos seus «noite e dia, sem cessar» (1Ts 3, 10; cfr. 2Ts 1, 11; Rm 1, 10; 1Co 1, 4; Flp 1, 4; 1Ts 1, 3; Flm 4).

Seguindo os ensinamentos bíblicos, alguns Padres da Igreja e escritores eclesiásticos antigos exortam também os cristãos a levar uma vida de oração incessante. Um deles, por exemplo, escreve: «se bem que alguns destinam à oração determinadas horas, por exemplo, a terceira, a sexta e a nona, o cristão perfeito reza durante a sua vida inteira, esforçando-se por viver com Deus por meio da oração»[3].

Vida de oração constante

Como cristãos correntes, que querem seguir Jesus de perto nas encruzilhadas do mundo, temos que viver continuamente unidos a Deus, por meio de uma oração constante: «sempre que sentimos no nosso coração desejos de melhorar, de responder mais generosamente ao Senhor, e procuramos um guia, um norte claro para a nossa existência cristã, o Espírito Santo traz à nossa memória as palavras do Evangelho: “convém orar perseverantemente e não desfalecer” (…). Desejaria que hoje na nossa meditação, nos persuadíssemos definitivamente da necessidade de nos dispormos a ser almas contemplativas, no meio da rua, do trabalho, com uma conversa contínua com o nosso Deus, que não deve decair ao longo do dia. Se pretendemos seguir lealmente os passos do Mestre, esse é o único caminho»[4].

O amor é engenhoso: (...) todos devemos prever no nosso dia algumas normas de sempre, práticas de piedade que não se circunscrevem a um momento concreto.

O cristão que quer ser coerente com a sua fé, tem vontade de se esforçar por converter o dia numa constante e íntima conversa com Deus, de tal modo que a oração não seja um ato isolado que se cumpre e se abandona a seguir: «Pela manhã penso em ti; e, durante a tarde, dirige-se a ti a minha oração como o incenso. Todo o dia pode ser tempo de oração: da noite à manhã e da manhã à noite. Mais ainda: como nos recorda a Escritura Santa, também o sono deve ser oração»[5].

Esta última parte tinha sido afirmada por alguns Padres da Igreja, por exemplo, S. Jerónimo: «o apóstolo manda-nos orar sempre e para os santos também o próprio sono é oração»[6].

A oração contínua é certamente um dom divino, que Deus não nega a quem corresponde com generosidade à Sua graça. Algumas práticas de piedade cristã manifestam de modo especial esse diálogo ininterrupto com o Senhor que enche a alma.

Tais práticas são, ao mesmo tempo, consequência do amor e meio para crescer nele. E esse caráter de meio faz com que, se o cristão quer conseguir uma vida de oração contínua, não possa adotar uma atitude passiva a respeito da luta interior; deve procurar e pôr em prática indústrias humanas, recordatórios, que podem avivar, em qualquer momento, o diálogo divino e a presença de Deus.

Estes despertadores da vida interior são pessoalíssimos, porque o amor é engenhoso; serão diversos de acordo com as diferentes circunstâncias de cada um, mas todos temos que ver que meios pomos para rezar constantemente; todos devemos prever no nosso dia algumas normas de sempre, práticas de piedade que não se circunscrevem a um momento concreto.

O fundamental no trato do cristão com o Senhor é «que a relação com Deus permaneça no fundo da nossa alma», e para isso «há que avivar continuamente esta relação e referir sempre a ela os assuntos da vida quotidiana»[7]. E isto conseguimo-lo propondo-nos, por exemplo, procurar a presença de Deus habitualmente, ou considerando que somos filhos de Deus antes de começar um trabalho, ou dando graças ao Senhor por um favor que nos fez, aproveitando para o agradecer também a quem o devemos.

Estas normas de sempre estão profundamente entrelaçadas entre si, porque, no fundo, não são senão a «orientação que impregna toda a nossa consciência, a presença de Deus no fundo do nosso pensar, meditar e ser»[8]. Desse modo, por exemplo, a presença de Deus ajuda a perceber as coisas boas que Ele nos dá e mostrar-Lhe a nossa gratidão.

Quem se propõe agradecer ao Senhor os bens que recebe – também a própria existência, a fé, a vocação cristã – aproveitando algumas circunstâncias do dia, acaba por descobrir outras ocasiões para O louvar durante o dia. E isto é a «oração contínua»[9].

S. Paulo deu-nos exemplo de uma vida de ação de graças constante: «Damos graças a Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, orando sempre por vós, conhecedores da vossa fé em Cristo Jesus» (1Co 1, 4; cf. Ef 1, 16).

Nesta mesma linha, S. Josemaria exorta a converter a vida inteira do cristão numa contínua ação de graças: «Como é possível dar-nos conta disto, advertirmos que Deus nos ama e não ficarmos também nós loucos de amor? (...) A nossa vida converte-se, desse modo, numa contínua oração, num bom humor e numa paz que nunca se acabam, num ato de ação de graças desfiado ao longo das horas»[10].

A Virgem Santíssima permaneceu sempre em oração contínua, porque atingiu o cume mais elevado da contemplação. Como a olharia Jesus e como corresponderia Ela ao olhar do seu Filho! Não nos deve estranhar que uma realidade tão inefável tenha ficado em silêncio, apenas insinuada; eram as coisas que Maria conservava no seu coração (cf. Lc 2, 51).


[1] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2600.

[2] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 119.

[3] S. Clemente de Alexandria, Stromata, 7, 7, 40, 3.

[4] S. Josemaria, Amigos de Deus, n. 238.

[5] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 119.

[6] S. Jerónimo, Epístola 22, 37.

[7] Joseph Ratzinger – Bento XVI, Jesus de Nazaré, p. 163.

[8] Ibid.

[9] cf. Ibid.

[10] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 144.

M. Belda