Intervenções do Papa Francisco na JMJ Lisboa 2023

Neste artigo apresentamos as homilias integrais e outras intervenções dos eventos do Papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude de Lisboa 2023.

Especial Jornada Mundial da Juventude: Um kit com tudo o que é necessário para preparar e viver melhor a JMJ, tanto em Lisboa como a partir de casa.

Ebook “Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023”: Publicamos o livro eletrónico com as intervenções e homilias do Papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude de Lisboa 2023.


Quarta-feira, 2 de agosto de 2023

ROMA - LISBOA

7:50
Partida de avião do Aeroporto Internacional de Roma/Fiumicino para Lisboa
10:00
10:00
10:45
CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS, na entrada principal do Palácio Nacional de Belém
11:15
VISITA DE CORTESIA AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no Palácio Nacional de Belém
12:15
16:45
ENCONTRO COM O PRIMEIRO-MINISTRO, na Nunciatura Apostólica
17:30

Quinta-feira, 3 de agosto de 2023

LISBOA - CASCAIS - LISBOA

09:00
ENCONTRO COM OS JOVENS UNIVERSITÁRIOS, na Universidade Católica Portuguesa
10:40
ENCONTRO COM OS JOVENS DE SCHOLAS OCCURRENTES, na sede de Scholas Occurentes de Cascais
17:45
CERIMÓNIA DE ACOLHIMENTO, no Parque Eduardo VII

Sexta-feira, 4 de agosto de 2023

LISBOA

09:00
CONFISSÃO DE ALGUNS JOVENS DA JMJ, na Cidade da Alegria (Praça do Império - Jardim Vasco da Gama)
09:45
12:00
ALMOÇO COM OS JOVENS, na Nunciatura Apostólica
18:00
VIA-SACRA COM OS JOVENS, na Colina do Encontro (Parque Eduardo VII)

Sábado, 5 de agosto de 2023

LISBOA - FÁTIMA - LISBOA

08:00
Partida de helicóptero da Base Aérea de Figo Maduro, em Lisboa, para Fátima
08:50
Chegada ao Estádio de Fátima
09:30
RECITAÇÃO DO TERÇO COM OS JOVENS DOENTES, na Capelinha das Aparições do Santuário de Nossa Senhora de Fátima
11:00
Partida de helicóptero, do Estádio de Fátima, para Lisboa
11:50
Chegada à Base Aérea de Figo Maduro, em Lisboa
18:00
ENCONTRO PRIVADO COM OS MEMBROS DA COMPANHIA DE JESUS, no Colégio de S. João de Brito
20:45
VIGÍLIA COM OS JOVENS, no Campo da Graça (Parque Tejo)

Domingo, 6 de agosto de 2023

LISBOA - ROMA

09:00
SANTA MISSA PARA O DIA MUNDIAL DA JUVENTUDE, no Campo da Graça (Parque Tejo)
16:30
ENCONTRO COM OS VOLUNTÁRIOS DA JMJ, no Passeio Marítimo de Algés
17:50
CERIMÓNIA DE DESPEDIDA, na Base Aérea de Figo Maduro, em Lisboa
18:15
Partida de avião da Base Aérea de Figo Maduro, em Lisboa, para Roma
22:15
Chegada ao Aeroporto Internacional de Roma/Fiumicino

Quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Chegada à Base Aérea de Figo Maduro, em Lisboa


RECEÇÃO OFICIAL




ENCONTRO COM AS AUTORIDADES, A SOCIEDADE CIVIL E O CORPO DIPLOMÁTICO, no Centro Cultural de Belém

Senhor Presidente da República,
Senhor Presidente da Assembleia da República,
Senhor Primeiro-Ministro,
Distintos membros do Governo e do Corpo Diplomático,
Ilustres Autoridades, representantes da sociedade civil e do mundo da cultura,
Senhoras e Senhores!

Saúdo-vos cordialmente e agradeço ao Senhor Presidente o acolhimento e as amáveis palavras que me dirigiu. O Senhor Presidente sabe acolher bem. Obrigado! Estou feliz por estar em Lisboa, cidade do encontro que abraça vários povos e culturas e que, nestes dias, se mostra ainda mais universal; torna-se, de certo modo, a capital do mundo, a capital do futuro, porque os jovens são o futuro. Isto condiz bem com o seu caráter multiétnico e multicultural (penso, por exemplo, no bairro da Mouraria, onde convivem pessoas provenientes de mais de sessenta países) e revela os traços cosmopolitas de Portugal, que afunda as suas raízes no desejo de se abrir ao mundo e explorá-lo, navegando rumo a novos e amplos horizontes.

Não muito longe daqui, no Cabo da Roca, está gravada a frase dum grande poeta desta cidade: «Aqui... onde a terra se acaba e o mar começa» (L. Vaz de Camões, Os Lusíadas, canto III, 20). Durante séculos, acreditou-se que lá estivessem os confins do mundo. E em certo sentido é verdade, porque este país confina com o oceano, que delimita os continentes. E, do oceano, Lisboa conserva o abraço e o perfume. Faço meu, com muito gosto, aquilo que os portugueses costumam cantar: «Lisboa tem cheiro de flores e de mar» (A. Rodrigues, Cheira bem, cheira a Lisboa, 1972). Muito mais do que um elemento paisagístico, o mar é um apelo que não cessa de ecoar no ânimo de cada português, podendo uma vossa poetisa celebrá-lo como «mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim» (S. de Mello Breyner Andresen, Mar sonoro). À vista do oceano, os portugueses são levados a refletir sobre os imensos espaços da alma e sobre o sentido da vida no mundo. Nesta linha, gostaria também eu de partilhar convosco algumas reflexões, deixando-me levar pela imagem do oceano.

Segundo a mitologia clássica, Oceano é filho do céu (Urano): a sua vastidão leva os mortais a olharem para cima elevando-se para o infinito. Ao mesmo tempo, porém, Oceano é filho da terra (Gea) que abraça, convidando assim a envolver de ternura todo o mundo habitado. Com efeito, o oceano não liga apenas povos e países, mas também terras e continentes; por isso Lisboa, cidade do oceano, lembra a importância do conjunto, a importância de conceber as fronteiras, não como limites que separam, mas como zonas de contacto. As grandes questões hoje, como sabemos, são globais e já muitas vezes tivemos de fazer experiência da ineficácia da nossa resposta às mesmas, precisamente porque o mundo, diante de problemas comuns, se mantém dividido ou pelo menos não suficientemente unido, incapaz de enfrentar juntos aquilo que nos põe em crise a todos. Parece que as injustiças planetárias, as guerras, as crises climáticas e migratórias correm mais rapidamente do que a capacidade e, muitas vezes, a vontade de enfrentar em conjunto tais desafios.

Lisboa pode sugerir uma mudança de ritmo. Em 2007, foi assinado aqui o homónimo Tratado de reforma da União Europeia. Nele se lê que «a União tem por objetivo promover a paz, os seus valores e o bem-estar dos seus povos» (Tratado de Lisboa que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia, art. 1.4/2.1); mas vai mais longe afirmando que, «nas suas relações com o resto do mundo (...), contribui para a paz, a segurança, o desenvolvimento sustentável do planeta, a solidariedade e o respeito mútuo entre os povos, o comércio livre e equitativo, a erradicação da pobreza e a proteção dos direitos humanos» (art. 1,4/2.5). Não se trata apenas de palavras, mas de marcos miliários no caminho da comunidade europeia, esculpidos na memória desta cidade. Aqui temos o espírito do conjunto, animado pelo sonho europeu dum multilateralismo mais amplo do que o mero contexto ocidental.

Segundo uma etimologia, que é objeto de discussão, o nome Europa derivaria duma palavra que indica a direção do ocidente. O certo é que Lisboa constitui a capital mais ocidental da Europa continental, lembrando a necessidade de abrir caminhos de encontro mais vastos, como aliás Portugal está a fazer sobretudo com os países de outros continentes irmanados pela mesma língua. Espero que a Jornada Mundial da Juventude seja, para o «velho continente» – poderíamos dizer o continente “ancião” –, um impulso de abertura universal, isto é, um impulso que o torne mais jovem. Na verdade, o mundo tem necessidade da Europa, da Europa verdadeira: precisa do seu papel de construtora de pontes e de pacificadora no Leste europeu, no Mediterrâneo, na África e no Médio Oriente. Assim poderá a Europa trazer, para o cenário internacional, a sua originalidade específica; vimo-la delineada no século passado quando, do crisol dos conflitos mundiais, fez saltar a centelha da reconciliação, tornando verdadeiro o sonho de se construir o amanhã juntamente com o inimigo de ontem, o sonho de abrir percursos de diálogo, percursos de inclusão, desenvolvendo uma diplomacia da paz que extinga os conflitos e acalme as tensões, capaz de captar o mais débil sinal de distensão e de o ler por entre as linhas mais distorcidas da realidade.

No oceano da história, estamos a navegar num momento tempestuoso e sente-se a falta de rotas corajosas de paz. Olhando com grande afeto para a Europa, no espírito de diálogo que a carateriza, apetece perguntar-lhe: Para onde navegas, se não ofereces percursos de paz, vias inovadoras para acabar com a guerra na Ucrânia e com tantos conflitos que ensanguentam o mundo? E ainda, alargando o campo: Que rota estás a seguir, Ocidente? A tua tecnologia, que marcou o progresso e globalizou o mundo, sozinha não basta; e muito menos bastam as armas mais sofisticadas, que não representam investimentos para o futuro, mas empobrecimento do verdadeiro capital humano que é a educação, a saúde, o estado social. Fica-se preocupado ao ler que, em muitos lugares, se investem continuamente os recursos em armas e não no futuro dos filhos. Isto é verdade. Ainda há alguns dias, dizia-me o ecónomo que o investimento que rende melhor é na fabricação de armas. Investe-se mais em armas do que no futuro de nossos filhos. Sonho uma Europa, coração do Ocidente, que use o seu engenho para apagar focos de guerra e acender luzes de esperança; uma Europa que saiba reencontrar o seu ânimo jovem, sonhando a grandeza do conjunto e indo além das necessidades imediatas; uma Europa que inclua povos e pessoas com a sua própria cultura, sem correr atrás de teorias e colonizações ideológicas. E isto ajudar-nos-á a pensar nos sonhos dos pais fundadores da União Europeia: eles sonhavam em grande!

Com a sua imensa vastidão de água, o oceano recorda as origens da vida. No mundo evoluído de hoje, paradoxalmente, tornou-se prioritário defender a vida humana, posta em risco por derivas utilitaristas que a usam e descartam: a cultura do descarte da vida. Penso em tantas crianças não-nascidas e idosos abandonados a si mesmos, na dificuldade de acolher, proteger, promover e integrar quem vem de longe e bate às nossas portas, no desamparo em que são deixadas muitas famílias com dificuldade para trazer ao mundo e fazer crescer os filhos. Também aqui apetece perguntar: Para onde navegais, Europa e Ocidente, com o descarte dos idosos, os muros de arame farpado, as mortandades no mar e os berços vazios? Para onde navegais? Para onde ides se, perante o tormento de viver, vos limitais a oferecer remédios rápidos e errados como o fácil acesso à morte, solução cómoda que parece doce, mas na realidade é mais amarga que as águas do mar? Penso em tantas leis sofisticadas sobre a eutanásia!

Mas Lisboa, abraçada pelo oceano, oferece-nos motivos para esperar; é cidade da esperança. Há uma maré de jovens que se espraia sobre esta cidade acolhedora. Quero agradecer o grande trabalho e generoso empenho empreendidos por Portugal para acolher um evento tão complexo de gerir, mas fecundo de esperança, pois – como se diz por aqui – «ao lado dos jovens, não se envelhece». Jovens provenientes de todo o mundo que cultivam anseios de unidade, paz e fraternidade, jovens que sonham desafiam-nos a realizar os seus sonhos bons. Não andam pelas ruas a gritar sua raiva, mas a partilhar a esperança do Evangelho, a esperança da vida. E se, em muitos lugares, se respira hoje um clima de protesto e insatisfação, terreno fértil para populismos e conspirações, a Jornada Mundial da Juventude é ocasião para construir juntos. Reaviva o desejo de criar coisas novas, fazer-se ao largo e navegar juntos rumo ao futuro. Vêm à mente algumas palavras ousadas de Fernando Pessoa: «Navegar é preciso; viver não é preciso (...); o que é necessário é criar» (Navegar é preciso). Trabalhemos, pois, com criatividade para construirmos juntos! Imagino três estaleiros de construção da esperança onde podemos trabalhar todos unidos: o ambiente, o futuro, a fraternidade.

O ambiente. Portugal partilha com a Europa muitos esforços exemplares na defesa da criação. Mas o problema global continua extremamente grave: os oceanos aquecem e, das suas profundezas, sobe à superfície a torpeza com que poluímos a nossa casa comum. Estamos a transformar as grandes reservas de vida em lixeiras de plástico. O oceano lembra-nos que a existência humana é chamada a viver de harmonia com um ambiente maior do que nós; este deve ser guardado; deve ser guardado com cuidado, tendo em conta as gerações mais novas. Como podemos dizer que acreditamos nos jovens, se não lhes dermos um espaço sadio para construir o seu futuro?

O futuro é o segundo estaleiro de obras. E o futuro são os jovens. Mas muitos fatores os desanimam, como a falta de trabalho, os ritmos frenéticos em que se veem imersos, o aumento do custo de vida, a dificuldade de encontrar uma casa e, ainda mais preocupante, o medo de constituir família e trazer filhos ao mundo. Na Europa e em geral no Ocidente, assiste-se a uma fase descendente na curva demográfica: o progresso parece ser uma questão que diz respeito ao desenvolvimento técnico e ao conforto dos indivíduos, enquanto o futuro pede para se contrariar a queda da natalidade e o declínio da vontade de viver. A boa política pode fazer muito neste sentido; pode gerar esperança. Com efeito, não é chamada a conservar o poder, mas a dar às pessoas a possibilidade de esperar. É chamada, hoje mais do que nunca, a corrigir os desequilíbrios económicos dum mercado que produz riquezas mas não as distribui, empobrecendo de recursos e de certezas os ânimos. É chamada a voltar a descobrir-se como geradora de vida e de cuidado da criação, a investir com clarividência no futuro, nas famílias e nos filhos, a promover alianças intergeracionais, onde não se apague o passado mas se favoreçam os laços entre jovens e idosos. É preciso retomar o diálogo ente jovens e idosos. A isto mesmo faz apelo o sentimento da saudade portuguesa, que exprime nostalgia, desejo dum bem ausente, que só renasce em contacto com as próprias raízes. Os jovens devem encontrar as suas próprias raízes nos idosos. Neste sentido, é importante a educação, que não pode limitar-se a fornecer noções técnicas para se progredir economicamente, mas destina-se a introduzir numa história, transmitir uma tradição, valorizar a necessidade religiosa do homem e favorecer a amizade social.

O último estaleiro de esperança é o da fraternidade, que nós, cristãos, aprendemos do Senhor Jesus Cristo. Em muitas partes de Portugal, está ainda muito vivo o sentido de vizinhança e solidariedade. Contudo, no contexto geral duma globalização que nos aproxima mas não nos dá uma proximidade fraterna, somos todos chamados a cultivar o sentido da comunidade, começando por ir ter com quem vive ao nosso lado. Com efeito, como observou Saramago, «o que dá verdadeiro sentido ao encontro é a busca; e é preciso andar muito, para se alcançar o que está perto» (Todos os nomes, 1997). Como é bom voltar a descobrir-nos irmãos e irmãs, trabalhar pelo bem comum, deixando para trás contrastes e diferenças de perspetiva! Também aqui servem de exemplo os jovens que nos levam, com o seu grito de paz e ânsia de vida, a derrubar as rígidas divisórias de pertença erguidas em nome de opiniões e crenças diversas. Soube de muitos jovens que cultivam, aqui, o desejo de se fazerem próximo dos outros; penso na iniciativa «Missão País», que leva milhares de jovens a viver no espírito do Evangelho experiências de solidariedade missionária em zonas periféricas, sobretudo nas aldeias do interior, indo ao encontro de muitos idosos sozinhos, e isto é uma “unção” para a juventude. Quero agradecer e encorajar a tantos que na sociedade portuguesa se preocupam com os outros, nomeadamente a Igreja, e que fazem tanto bem mesmo longe dos holofotes.

Irmãos e irmãs, sintamo-nos chamados, todos juntos fraternalmente, a dar esperança ao mundo em que vivemos e a este magnífico país. Deus abençoe Portugal!


VÉSPERAS COM OS BISPOS, SACERDOTES, DIÁCONOS, CONSAGRADOS E CONSAGRADAS, SEMINARISTAS E AGENTES PASTORAIS, no Mosteiro dos Jerónimos


Prezados Irmãos Bispos,

Amados sacerdotes, diáconos, consagradas, consagrados, seminaristas,

Queridos agentes pastorais, irmãos e irmãs, boa tarde!

Estou feliz por me encontrar no meio de vós não só para viver, juntamente com muitos jovens, a Jornada Mundial da Juventude, mas também para partilhar o vosso caminho eclesial com as suas canseiras e esperanças. Agradeço a D. José Ornelas as palavras que me dirigiu; desejo rezar convosco, para – como disse – nos tornarmos, junto com os jovens, ousados em abraçar «o sonho de Deus e encontrar caminhos para uma participação alegre, generosa e transformadora a bem da Igreja e da humanidade». Não se trata duma piada; é um programa.

Mergulhei na beleza do vosso país, terra de passagem entre o passado e o futuro, local de antigas tradições e de grandes mudanças, embelezado por vales viçosos, praias douradas debruçadas sobre o imenso e fascinante oceano, que banha Portugal. Tudo isto me sugere o ambiente da vocação dos primeiros discípulos, que Jesus chamou nas margens do Mar da Galileia. Quero deter-me sobre esta chamada, que põe em evidência o que acabámos de ouvir na Lectio brevis das Vésperas: o Senhor salvou-nos, chamou-nos não em atenção às nossas obras, mas segundo a sua graça (cf. 2 Tm 1, 9). O mesmo aconteceu na vida dos primeiros discípulos, quando Jesus, ao passar, «viu dois barcos que se encontravam junto do lago. Os pescadores tinham descido deles e lavavam as redes» (Lc 5, 2). Então Jesus subiu para o barco de Simão e, depois de ter falado às multidões, mudou a vida daqueles pescadores, convidando-os a fazerem-se ao largo e lançarem as redes. Salta aos olhos o contraste: por um lado, os pescadores descem do barco para lavar as redes, ou seja, limpá-las, guardá-las e voltar para casa e, por outro, Jesus sobe para o barco e convida a lançar novamente as redes para a pesca. Sobressaem as diferenças: os discípulos descem, Jesus sobe; os primeiros querem guardar as redes, o Mestre quer que saiam de novo para o mar a fim de pescar.

Em primeiro lugar, temos os pescadores que descem do barco para lavar as redes. Esta é a cena que se apresenta aos olhos de Jesus, e Ele pára ali mesmo. Pouco antes quisera começar a sua pregação na sinagoga de Nazaré, mas os seus conterrâneos expulsaram-No da cidade e tentaram até matá-Lo (cf. Lc 4, 28-30). Então Jesus sai do lugar sagrado e começa a pregar a Palavra no meio da gente, pelas estradas onde labutam dia a dia as mulheres e os homens do seu tempo. Cristo está interessado em fazer sentir a proximidade de Deus, precisamente nos lugares e situações onde as pessoas vivem, lutam, esperam, às vezes colecionando nas suas mãos fracassos e insucessos, precisamente como aqueles pescadores que não tinham pescado nada durante a noite. Jesus olha com ternura para Simão e seus companheiros que, cansados e angustiados, lavam as suas redes, realizando um gesto repetitivo, automático, mas também cansado e resignado: não havia mais nada a fazer senão voltar para casa de mãos vazias.

Às vezes podemos sentir um cansaço semelhante no nosso caminho eclesial. Cansaço. Alguém dizia: «temo o cansaço dos bons». Cansaço sentido quando nos parece que nada mais temos nas mãos além das redes vazias. Trata-se dum sentimento bastante difundido nos países de antiga tradição cristã, atravessados por muitas mudanças sociais e culturais e cada vez mais marcados pelo secularismo, pela indiferença para com Deus, por um progressivo afastamento da prática da fé. O perigo aqui é que entre o mundanismo. Aliás isto vê-se, com frequência, acentuado pela desilusão ou a aversão que alguns nutrem face à Igreja, devido às vezes ao nosso mau testemunho e aos escândalos que desfiguraram o seu rosto e que nos chamam a uma purificação humilde, constante, partindo do grito de sofrimento das vítimas que sempre se devem acolher e escutar. O risco, porém, quando nos sentimos desanimados (cada um de vós pense em que momento sentiu o desânimo), o risco é descer do barco, acabando presos nas redes da resignação e do pessimismo. Ao contrário, confiemos que Jesus continua a tomar pela mão e a levantar a sua Esposa amada. Levemos ao Senhor as nossas canseiras e as nossas lágrimas, para poder enfrentar as situações pastorais e espirituais, dialogando entre nós com abertura de coração para experimentar novos caminhos a seguir. Quando estamos desanimados, mais ou menos conscientemente «aposentamo-nos», «aposentamo-nos» do zelo apostólico, perdemo-lo pouco a pouco e tornamo-nos «funcionários do sagrado». É muito triste quando uma pessoa que consagrou a sua vida a Deus se torna «funcionário», mero administrador das coisas. É muito triste.

De facto, logo que os apóstolos descem para lavar as ferramentas usadas, Jesus sobe para o barco e depois convida a lançar de novo as redes. No momento do desânimo, momento da «aposentação», deixemos Jesus subir novamente para o barco, com o entusiasmo da primeira vez, aquele entusiasmo que deve ser revivido, reconquistado, reeditado. Ele vem procurar-nos nas nossas solidões, nas nossas crises, para nos ajudar a recomeçar. A espiritualidade do recomeço. Não tenhais medo. A vida é assim: cair e recomeçar, aborrecer-se e recobrar a alegria. Aceitar esta mão que nos dá Jesus. Hoje continua a passar pelas margens da existência para despertar a esperança e dizer, também a nós, como a Simão e aos outros: «Faz-te ao largo; e vós lançai as redes para a pesca» (Lc 5, 4). E quando se perde o entusiasmo, assaltam-nos mil justificações para não lançarmos as redes, mas sobretudo apodera-se de nós uma resignação amarga, que é como um verme que corrói a alma. Irmãos e irmãs, vivemos certamente um tempo difícil – bem o sabemos! –, mas a interpelação que o Senhor dirige hoje à Igreja é esta: «Queres descer do barco e afundar na desilusão, ou fazer-Me subir permitindo que seja mais uma vez a novidade da minha Palavra a tomar na mão o leme? Digo a ti sacerdote, consagrado, consagrada, bispo: Queres apenas conservar o passado que ficou para trás ou lançar de novo e com entusiasmo as redes para a pesca?». Eis o que nos pede o Senhor: despertar a ânsia pelo Evangelho.

Quando alguém se acostuma, se sente aborrecido e a missão torna-se uma espécie de «emprego», é hora de dar lugar a esta segunda chamada de Jesus, que sempre nos chama de novo. Chama-nos para nos fazer caminhar, chama-nos para nos refazer. Não tenhais medo desta segunda chamada de Jesus. Não se trata duma ilusão, mas é Ele mesmo que volta a bater à porta. E podemos dizer que esta é a ânsia «boa» quando nos deixamos seduzir pela segunda chamada de Jesus. É a ânsia «boa» que vos comunica, a vós portugueses, a imensidão do oceano: fazer-se ao largo, não para conquistar o mundo, nem para ir à pesca do bacalhau, mas para alegrar o mundo com a consolação e a alegria do Evangelho. Sob este ponto de vista, podemos ler as palavras dum vosso grande missionário, o Padre António Vieira, chamado «Paiaçu – pai grande». Segundo ele, para nascer, Deus ter-vos-ia dado uma pequena terra, mas, ao fazer-vos debruçar sobre o oceano, deu-vos o mundo inteiro para morrer: «Para nascer, pequena terra; para morrer, toda a terra: para nascer, Portugal; para morrer, o mundo» (A. Vieira, “Sermão de Santo António”, Roma 1670, § IV, in: Homilias, vol. III, tomo VII, Porto 1959, p. 69). Somos chamados a lançar de novo as redes e a abraçar o mundo com a esperança do Evangelho. Não é momento de parar, não é momento de desistir, não é momento de atracar o barco à margem nem de olhar para trás; não temos que escapar deste tempo, só porque nos mete medo, para nos refugiarmos em formas e estilos do passado. Não! Este é o tempo da graça que o Senhor nos concede para nos aventurarmos no mar da evangelização e da missão.

Mas, para o conseguir, precisamos também de fazer opções. Quero indicar três opões, inspiradas no Evangelho.

A primeira opção: fazer-se ao largo. Cultivai a magnanimidade. Não sejais pusilânimes! Fazei-vos ao largo, para lançar novamente as redes ao mar, é preciso sair da margem das desilusões e do imobilismo, afastar-se daquela tristeza melosa e daquele cinismo irónico que muitas vezes nos assaltam à vista das dificuldades. Tristeza melosa, cinismo irónico: examinemos a consciência sobre isto. Recuperar o entusiasmo, mas numa segunda edição desse entusiasmo, o entusiasmo já maduro, o entusiasmo que se segue ao fracasso ou ao tédio. Não é fácil recuperar o entusiasmo adulto. Temos de o fazer para passar do derrotismo à fé, como Simão que, apesar de ter trabalhado em vão toda a noite, conclui: «Porque Tu o dizes, lançarei as redes» (Lc 5, 5). Mas, para nos fiarmos dia a dia no Senhor e na sua Palavra, não bastam palavras, é necessária muita oração. Gostaria de fazer aqui uma pergunta, mas cada qual responde no seu íntimo: Como rezo eu? Como um papagaio, blá, blá, blá, ou adormentando-me diante do Sacrário, porque não sei como falar com o Senhor? Rezo? Como rezo? Apenas na adoração, só diante do Senhor, é que recuperamos o gosto e a paixão pela evangelização. E, curiosamente, perdemos a oração de adoração; e todos, sacerdotes, bispos, consagradas, consagrados têm que a recuperar: recuperar aquele permanecer em silêncio diante do Senhor. A Madre Teresa, envolvida em tantas coisas da vida, nunca deixou a adoração, mesmo nos momentos em que a sua fé vacilava questionando-se se tudo aquilo era verdade ou não. Momento de escuridão, que também teve Teresinha de Jesus. Então, na oração, vencemos a tentação de continuar com uma «pastoral nostálgica feita de lamentações». Num convento havia uma freira (isto aconteceu!) que se lamentava de tudo, e não sei qual era o nome dela, mas as irmãs mudaram-lhe o nome chamando-a a «Irmã Lamúrias». Quantas vezes transformamos em lamúrias as nossas impotências, as nossas desilusões! E, deixando estas lamúrias, ganhemos de novo forças para nos fazermos ao largo, sem ideologias nem mundanismos. Aquele mundanismo espiritual que se insinua em nós e do qual nasce o clericalismo. Clericalismo não só dos padres: os leigos clericalizados são piores do que os padres. Esse clericalismo que nos arruína. E, como dizia um grande mestre espiritual, esse mundanismo espiritual — provocado pelo clericalismo — é um dos males mais graves que podem acontecer à Igreja. Procuremos superar estas dificuldades sem ideologias nem mundanismos, animados por um único desejo: que chegue a todos o Evangelho. Neste caminho, não vos faltam exemplos! E, dado que nos encontramos no meio dos jovens, apraz-me recordar um jovem lisboeta, São João de Brito: era um jovem daqui que há séculos, no meio de muitas dificuldades, foi para a Índia e lá não desdenhava falar e vestir-se à maneira das pessoas locais contanto que lhes pudesse anunciar Jesus. Também nós somos chamados a mergulhar as nossas redes no tempo em que vivemos, a dialogar com todos, a tornar compreensível o Evangelho, mesmo que para isso tenhamos de correr o risco dalguma tempestade. Como os jovens que aqui vêm de todo o mundo para desafiar as ondas gigantes, façamo-nos ao largo também nós sem medo. Sim! Não temamos enfrentar o mar alto, porque no meio da tempestade e dos ventos contrários, Jesus vem ao nosso encontro e diz: «Coragem, sou Eu, não temais!» (Mt 14, 27). Quantas vezes já tivemos esta experiência? Cada qual se interpele dentro de si mesmo. E se não a tivemos é porque algo falhou durante a tempestade.

Como segunda opção, levar juntos por diante a pastoral, todos juntos. No texto, Jesus confia a Pedro a tarefa de fazer-se ao largo, mas depois fala no plural, dizendo «e vós lançai as redes» (Lc 5, 4): Pedro guia o barco, mas todos estão no barco e todos são chamados a fazer descer as redes. Todos. E, quando apanham uma grande quantidade de peixes, não pensam que conseguiriam arranjar-se sozinhos, nem gerem a dádiva como posse e propriedade privada, mas «fizeram sinal – diz o Evangelho – aos companheiros que estavam no outro barco, para que os viessem ajudar» (Lc 5, 7). E assim encheram de peixe, não um, mas dois barcos: um significa solidão, fechamento, pretensão de autossuficiência; dois significa relação. A Igreja é sinodal, é comunhão, ajuda mútua, caminho comum. E a isto tende o Sínodo em curso, que terá o seu primeiro período de assembleia geral no próximo mês de outubro. Na barca da Igreja, deve haver lugar para todos: todos os batizados são chamados a subir para ela e lançar as redes, empenhando-se pessoalmente no anúncio do Evangelho. E não vos esqueçais desta palavra: todos, todos, todos. Quando tenho de falar sobre o modo como abrir perspetivas apostólicas, toca-me muito aquela passagem do Evangelho em que os convidados se recusam a ir à festa de núpcias do filho quando já está tudo preparado. Que diz então o senhor, o senhor que preparou a festa? «Saiam pelas periferias e tragam todos, todos, todos, todos: sãos, doentes, crianças e adultos, bons e pecadores. Todos». Que a Igreja não seja uma alfândega para selecionar quem entra e quem não entra. Todos, cada um com a sua vida às costas, com os seus pecados, assim como é diante de Deus, como é diante da vida... Todos. Todos. Não levantemos alfândegas na Igreja. Todos. E é um grande desafio, especialmente em contextos onde os sacerdotes e os consagrados estão cansados porque, enquanto as necessidades pastorais vão aumentando sempre mais, eles são cada vez menos. Mas podemos olhar para esta situação como uma ocasião para, com fraterno entusiasmo e sã criatividade pastoral, envolver os leigos. Assim as redes dos primeiros discípulos tornam-se uma imagem da Igreja, que é uma «rede de relações» humanas, espirituais e pastorais. Se não houver diálogo, se não houver corresponsabilidade, se não houver participação, a Igreja envelhece. Permiti que o exprima assim: nunca um Bispo sem o próprio presbitério e o Povo de Deus; nunca um padre sem os seus irmãos sacerdotes; e todos juntos – sacerdotes, religiosas, religiosos e fiéis leigos – como Igreja, nunca sem os outros, nunca sem o mundo (sem mundanismo – isso sim! –, mas não sem o mundo). Na Igreja, ajudamo-nos, apoiamo-nos reciprocamente e somos chamados a difundir, também fora dela, um clima de fraternidade construtiva. Aliás, como escreve São Pedro, nós somos as pedras vivas usadas para a construção dum edifício espiritual (cf. 1 Ped 2, 5). E poderia acrescentar numa linguagem que vos é familiar: vós, fiéis portugueses, formais uma «calçada», sois os ladrilhos preciosos que compõem um tal pavimento acolhedor e brilhante que o Evangelho há de pisar; e não pode faltar uma pedrinha sequer, senão imediatamente se dá conta. Tal é a Igreja que, com a ajuda de Deus, somos chamados a construir!

Enfim a terceira opção: tornar-se pescadores de homens. Não tenhais medo. Isto não é fazer proselitismo, é anunciar o Evangelho que nos desafia. Nesta imagem tão bela de Jesus – ser pescadores de homens –, Jesus confia aos discípulos a missão de se fazerem ao largo no mar do mundo. Muitas vezes, na Sagrada Escritura, o mar simboliza o lugar do mal e das forças adversas que os homens não conseguem dominar. Por isso pescar as pessoas e tirá-las para fora da água significa ajudá-las a voltar a subir de onde afundaram, salvá-las do mal que ameaça afogá-las, ressuscitá-las de todas as formas de morte. Isto, porém, sem proselitismo, mas com amor. E um dos sinais de alguns movimentos eclesiais que vão por caminho errado é o proselitismo. Quando um movimento eclesial ou uma diocese, ou um bispo, ou um pároco, ou uma freira, ou um leigo faz proselitismo, isso não é cristão; cristão é convidar, acolher, ajudar, mas sem proselitismo. Com efeito, o Evangelho é um anúncio de vida no mar da morte, de liberdade nas voragens da escravidão, de luz no abismo das trevas. Como afirma Santo Ambrósio, «os instrumentos da pesca apostólica são como as redes: de facto, as redes não fazem morrer quem fica preso nelas, mas conserva-o em vida, arrasta-o dos abismos para a luz» (Exp. Luc. IV, 68-79). Não faltam trevas na sociedade atual, inclusive aqui em Portugal... por toda a parte! Fica-se com a sensação de que tenha diminuído o entusiasmo, a coragem de sonhar, a força para enfrentar os desafios, a confiança no futuro; entretanto, vamos navegando nas incertezas, na precariedade sobretudo económica, na pobreza de amizade social, na falta de esperança. A nós, como Igreja, cabe a tarefa de nos fazermos ao largo nas águas deste mar, lançando a rede do Evangelho, sem apontar, sem acusar ninguém, mas levando às pessoas do nosso tempo uma proposta de vida, a de Jesus: levar o acolhimento do Evangelho, convidar para a festa uma sociedade multicultural; levar a proximidade do Pai às situações de precariedade, de pobreza, que crescem sobretudo entre os jovens; levar o amor de Cristo onde é frágil a família e se encontram feridas as relações; transmitir a alegria do Espírito onde reinam o desânimo e o fatalismo. Assim se exprime um escritor vosso: «Para se chegar ao infinito, e julgo que se pode lá chegar, é preciso termos um porto, um só, firme, e partir dali para Indefinido» (F. Pessoa, Livro do Desassossego, Lisboa 1998, 247). Queremos sonhar a Igreja Portuguesa como um «porto seguro» para quem enfrenta as travessias, os naufrágios e as tempestades da vida.

Queridos irmãos e irmãs, digo a todos, leigos, religiosos, religiosas, sacerdotes, bispos, a todos, a todos: não tenhais medo, lançai as redes. Não vivais acusando «isto é pecado, isso aí não é pecado». Vinde todos… depois falamos. Mas, primeiro, sintam o convite de Jesus, depois virá o arrependimento e enfim a proximidade de Jesus. Por favor, não transformem a Igreja numa alfândega: aqui entram os justos, os que estão em ordem, os que estão bem casados… todos os outros lá fora. Não. A Igreja não é isto. Justos e pecadores, bons e maus, todos, todos, todos. Será depois o Senhor a ajudar-nos a resolver este assunto. Mas todos. De coração vos agradeço, irmãos e irmãs, a atenção prestada, apesar de aqui ou ali vos ter aborrecido; agradeço-vos tudo o que fazeis, o exemplo, sobretudo o exemplo sem alarde, e a constância: esse levantar-se todos os dias para começar de novo ou para continuar o que se começou. Como costumais dizer: Muito obrigado… pelo que fazeis! E confio-vos a Nossa Senhora de Fátima, à guarda do Anjo de Portugal e à proteção dos vossos grandes Santos e, aqui em Lisboa, de modo especial a Santo António (vo-lo roubam os de Pádua), apóstolo incansável, pregador inspirado, discípulo do Evangelho atento aos males da sociedade e cheio de compaixão pelos pobres. Que Santo António interceda por vós e vos dê a alegria duma nova pesca milagrosa. Depois contais-me, sim? E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!


Quinta-feira, 3 de agosto de 2023

ENCONTRO COM OS JOVENS UNIVERSITÁRIOS, na Universidade Católica Portuguesa

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Obrigado, senhora Reitora, pelas suas palavras. Obrigado! Afirmou que todos nos sentimos «peregrinos», palavra esta cujo significado merece ser meditado. Literalmente, quer dizer deixar de lado a rotina habitual e pôr-se a caminho com um intento, que pode ser o de um passeio pelos campos ou ir mais além dos nossos confins habituais; seja como for, deixando o espaço de conforto pessoal rumo a um horizonte de sentido. Na imagem do «peregrino», espelha-se a conduta humana, pois todos somos chamados a confrontar-nos com grandes interrogativos que não têm resposta, não têm uma resposta simplista ou imediata, mas convidam a realizar uma viagem, superando-se a si mesmo, indo mais além. Trata-se dum processo que um universitário compreende bem, pois é assim que nasce a ciência. E de igual modo cresce também a busca espiritual. Peregrino é caminhar para uma meta ou à procura duma meta. Há sempre o perigo de mover-se num labirinto, onde não há meta, nem saída. Desconfiemos das fórmulas pré-fabricadas (são labirínticas), desconfiemos das respostas que nos parecem ao alcance da mão, das respostas extraídas da manga como se fossem cartas viciadas de jogar; desconfiemos das propostas que parecem dar tudo sem pedir nada. Desconfiemos. A difidência é uma arma para poder caminhar para diante e não continuar às voltas. Vemos numa parábola de Jesus que só encontra a pérola de grande valor quem a procura com sabedoria e com espírito de iniciativa, quem dá tudo e arrisca tudo o que tem para a possuir (cf. Mt 13, 45-46). Procurar e arriscar: estes são os dois verbos do peregrino. Procurar e arriscar.

Fernando Pessoa diz, de modo atormentado mas correto, que «ser descontente é ser homem» (Mensagem, O Quinto Império). Não devemos ter medo de nos sentir inquietos, de pensar que tudo o que possamos fazer não basta. Neste sentido e dentro duma justa medida, estar insatisfeito é um bom antídoto contra a presunção de autossuficiência e contra o narcisismo. O caráter incompleto define a nossa condição de indagadores e peregrinos; como diz Jesus, estamos no mundo, mas não somos do mundo (cf. Jo 17, 16). Estamos caminhando «para». Somos chamados a algo mais, a uma decolagem sem a qual não há voo. Portanto, não nos alarmemos se nos encontramos intimamente sedentos, inquietos, incompletos, desejosos de sentido e de futuro, com saudade do futuro. E aqui, junto com a saudade do futuro, não vos esqueçais de manter viva a memória do futuro. Não estamos doentes, estamos vivos! Preocupemo-nos antes quando estamos prontos a substituir a estrada a fazer por uma paragem em qualquer estação de serviço que nos dê a ilusão do conforto; quando substituímos os rostos pelos ecrãs, o real pelo virtual; quando, em vez das perguntas lacerantes, preferimos as respostas fáceis que anestesiam. E podemos encontrá-las em qualquer manual de relações sociais, de bom comportamento. As respostas fáceis anestesiam.

Amigos, permiti que vos diga: procurai e arriscai. Neste momento histórico, os desafios são enormes, os gemidos dolorosos: estamos a viver uma terceira guerra mundial feita aos pedaços. Mas abracemos o risco de pensar que não estamos numa agonia, mas num parto; não no fim, mas no início dum grande espetáculo. E é precisa coragem para pensar assim. Por isso sede protagonistas duma «nova coreografia» que coloque no centro a pessoa humana, sede coreógrafos da dança da vida. As palavras da senhora Reitora serviram-me de inspiração sobretudo quando afirmou que «a universidade não existe para se preservar como instituição, mas para responder com coragem aos desafios do presente e do futuro». A auto-preservação é uma tentação, é um reflexo condicionado pelo medo, que nos faz olhar para a existência de forma distorcida. Se as sementes se preservassem a si mesmas, desperdiçariam completamente a sua força geradora e condenar-nos-iam à fome; se os invernos se preservassem a si mesmos, não existiria a maravilha da primavera. Por isso, tende a coragem de substituir os medos pelos sonhos: substituí os medos pelos sonhos, não sejais administradores de medos, mas empreendedores de sonhos!

À universidade que se comprometeu a formar as novas gerações, seria um desperdício pensá-la apenas para perpetuar o atual sistema elitista e desigual do mundo com o ensino superior que continua a ser um privilégio de poucos. Se o conhecimento não for acolhido como uma responsabilidade, torna-se estéril. Se quem recebeu um ensino superior – que hoje, em Portugal e no mundo, continua a ser um privilégio –, não se esforça por restituir aquilo de que beneficiou, significa que não compreendeu profundamente o que lhe foi oferecido. Gosto de pensar que, no Génesis, as primeiras perguntas que Deus faz ao homem são: «Onde estás?» (3, 9) e «Onde está o teu irmão?» (4, 9). Far-nos-á bem perguntar-nos: Onde estou? Permaneço fechado no meu mundo ou abraço o risco de sair das minhas seguranças para me tornar um cristão praticante, um artesão de justiça, um artesão da beleza? E perguntemo-nos ainda: Onde está o meu irmão? Experiências de serviço fraterno como a «Missão País» e muitas outras, que nascem no meio académico, deveriam ser consideradas indispensáveis para quem passa por uma universidade. Com efeito, o título de estudo não deve ser visto apenas como uma licença para construir o bem-estar pessoal, mas como um mandato para se dedicar a uma sociedade mais justa, uma sociedade mais inclusiva, ou seja, mais desenvolvida. Disseram-me que a vossa grande poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen, em entrevista que é uma espécie de testamento, à pergunta «o que gostaria de ver realizado em Portugal neste novo século?», respondeu sem hesitar: «Gostaria que se realizasse a justiça social, a diminuição das diferenças entre ricos e pobres» (“Entrevista feita por Joaci Oliveira”, Cidade Nova, nº 3/2001). Dirijo agora a mesma pergunta a vós, caros estudantes, peregrinos do saber: Que quereis ver realizado em Portugal e no mundo? Quais mudanças, qual transformação? E como pode a universidade, especialmente a Católica, contribuir para isso?

Beatriz, Mahoor, Mariana, Tomás, agradeço os vossos testemunhos. Em todos havia um tom de esperança, uma carga de entusiasmo realista, sem queixumes nem escapadelas idealistas. Quereis ser protagonistas, «protagonistas da mudança», como disse a Mariana. Ao escutar-vos veio-me ao pensamento uma frase do escritor Almada Negreiros, que talvez vos seja familiar: «Sonhei com um país onde todos chegavam a Mestres» (A Invenção do Dia Claro). Também este idoso que vos fala (é que já estou velho), este idoso sonha que a vossa geração se torne uma geração de mestres: mestres de humanidade, mestres de compaixão, mestres de novas oportunidades para o planeta e seus habitantes, mestres de esperança. E mestres que defendam a vida do planeta, ameaçada neste momento por uma grave destruição ecológica.

Como alguns de vós sublinharam, devemos reconhecer a urgência dramática de cuidar da casa comum. No entanto, isso não pode ser feito sem uma conversão do coração e uma mudança da visão antropológica subjacente à economia e à política. Não podemos contentar-nos com simples medidas paliativas ou com tímidos e ambíguos compromissos. Neste caso, «os meios-termos são apenas um pequeno adiamento do colapso» (Francisco, Carta enc. Laudato si’, 194). Não vos esqueçais disto: os meios-termos são apenas um pequeno adiamento do colapso. Trata-se, pelo contrário, de tomar a peito o que infelizmente continua a ser adiado, ou seja, a necessidade de redefinir o que chamamos progresso e evolução. É que, em nome do progresso, já se abriu caminho a um grande retrocesso. Pensai bem nisto que vos digo: em nome do progresso, já se abriu caminho a um grande retrocesso. Vós sois a geração que pode vencer este desafio: tendes instrumentos científicos e tecnológicos mais avançados, mas, por favor, não vos deixeis cair na cilada de visões parciais. Não esqueçais que temos necessidade duma ecologia integral, de escutar o sofrimento do planeta juntamente com o dos pobres; necessidade de colocar o drama da desertificação em paralelo com o dos refugiados; o tema das migrações juntamente com o da queda da natalidade; necessidade de nos ocuparmos da dimensão material da vida no âmbito duma dimensão espiritual. Não queremos polarizações, mas visões de conjunto.

Obrigado, Tomás, por nos teres dito que «não é possível uma verdadeira ecologia integral sem Deus, que não pode haver futuro num mundo sem Deus». Também eu gostaria de vos dizer: tornai credível a fé através das decisões. Porque se a fé não gera estilos de vida convincentes, não faz levedar a massa do mundo. Não basta que um cristão esteja convencido, deve ser convincente; as nossas ações são chamadas a refletir a beleza jubilosa e simultaneamente radical do Evangelho. Além disso, o cristianismo não pode ser habitado como uma fortaleza cercada de muros, que ergue baluartes contra o mundo. Por isso, achei tocante o testemunho de Beatriz, quando disse que é precisamente «a partir do campo da cultura» que se sente chamada a viver as Bem-aventuranças. Em cada época, uma das tarefas mais importantes para os cristãos é a de recuperar o sentido da encarnação. Sem a encarnação, o cristianismo torna-se uma ideologia e a tentação das «ideologias» cristãs (entre aspas), é muito atual; é a encarnação que permite maravilhar-se com a beleza que Cristo revela através de cada irmão e irmã, cada homem e mulher.

A propósito, é interessante que, na vossa nova cátedra dedicada à «Economia de Francisco», tenhais acrescentado a figura de Clara. De facto, é indispensável o contributo feminino. No inconsciente coletivo, quantas vezes se pensa que as mulheres são de segunda categoria, são reservas, não jogam como titulares. Isto existe no inconsciente coletivo. Mas a contribuição feminina é indispensável. Aliás vê-se, na Bíblia, como a economia familiar está em grande parte na mão da mulher. É ela a verdadeira «governante» da casa, com uma sabedoria que não visa exclusivamente o lucro, mas o cuidado, a convivência, o bem-estar físico e espiritual de todos, bem como a partilha com os pobres e os estrangeiros. E abordar os estudos económicos com esta perspetiva é entusiasmante, tendo em vista devolver à economia a dignidade que lhe compete, para que não caia como presa do mercado selvagem e da especulação.

A iniciativa do Pacto Educativo Global e os sete princípios da sua arquitetura incluem muitos desses temas, desde o cuidado da casa comum à plena participação das mulheres, à necessidade de encontrar novas formas de entender a economia, a política, o crescimento e o progresso. Convido-vos a estudar o Pacto Educativo Global, a apaixonar-vos por ele. Um dos pontos que trata é a educação para o acolhimento e a inclusão. E não podemos fingir que não ouvimos as palavras de Jesus no capítulo 25 de Mateus: «era estrangeiro e recolhestes-me» (25, 35). Acompanhei emocionado o testemunho de Mahoor, quando lembrou o que significa viver com o «sentimento constante de ausência de um lar, da família, dos amigos, (...) de ter ficado sem teto, sem universidade, sem dinheiro, (...) cansada, exausta e abatida pela dor e pelas perdas». Disse-nos que reencontrou a esperança porque alguém acreditou no impacto transformador da cultura do encontro. Sempre que alguém pratica um gesto de hospitalidade, desencadeia uma transformação.

Amigos, estou muito contente por vos ver como uma comunidade educativa viva, aberta à realidade e consciente de que o Evangelho não se limita a servir de ornamento, mas anima as partes e o todo. Sei que o vosso percurso engloba diversos âmbitos: estudo, amizade, serviço social, responsabilidade civil e política, cuidado da casa comum, expressões artísticas... Ser uma universidade católica significa, antes de mais nada, que cada elemento está em relação com o todo e o todo revê-se nas partes. Assim, ao mesmo tempo que se adquirem competências científicas, vai-se amadurecendo como pessoa, no conhecimento de si mesmo e no discernimento do próprio caminho. Caminho, sim; labirinto, não. Então avante! Uma tradição medieval conta que quando os peregrinos se cruzavam no Caminho de Santiago, um saudava o outro exclamando «Ultreia» ao que este respondia «et Suseia». Trata-se de expressões de encorajamento para prosseguir a busca e o risco da caminhada, dizendo-se mutuamente: «Vai mais longe e mais alto!» «Coragem, força, anda para diante!» E isto é o que também eu vos desejo, de todo o meu coração, a todos vós. Obrigado!


ENCONTRO COM OS JOVENS DE SCHOLAS OCCURRENTES, na sede de Scholas Occurentes de Cascais

Pregunta 1 (em português)

Bom dia! Scholas! Scholas! Scholas!

Quando me foi apresentado, não tive dúvidas em aceitar e abraçar porque é um espaço onde todos partilham as suas emoções e sentimentos. É um espaço onde cada um contribui com aquilo que tem, de valores éticos e morais para o bem estar da comunidade. Independentemente da sua religião ou origem. Sou guineense, da Guiné Bissau, e sou muçulmano. Mas sinto, sinto-me neste espaço. E, como sendo muçulmano, sinto obrigação e dever de me juntar e fazer parte deste movimento. Porque o que o islão também apela é a boa convivência entre as crenças, entre as diferentes crenças. E apela e zela pelo bem estar da comunidade. Apela para aquilo que devemos fazer, pelo cuidado que devemos ter com o próximo. E, por essa razão, gostaria de perguntar, o por que do Scholas ser um espaço onde todos se identificam e o por que de tanta diversidade para ter uma obra de arte? Obrigado.

Resposta do PAPA (em espanhol)

Scholas possibilita isto, que todos se sintam interpretados pelo grande respeito, mas é um respeito que não é estático, mas dinâmico, que põe as coisas em movimento para fazer coisas, para se exprimir fazendo coisas, como este quadro que, como me disse Del Corral, é uma "Capela Sistina" pintada por vocês.

(Aplausos)

Scholas faz-nos avançar, faz-nos respeitar os outros e ouvir os outros que têm algo a dizer-nos e que nos ouvem porque temos algo a dizer-lhes. Scholas mostra-te o caminho em frente e, se estiveres parado, levanta-te e faz-te avançar. Scholas é um encontro, caminhando. Toda a gente, seja qual for o seu país, seja qual for a sua religião, olhar para a frente apenas caminhar juntos. E isso é construtivo, como os três quilómetros e meio de parede que fizeram para chegar aqui.

(Aplausos)

Pregunta 2 (em português)

Eu queria seguir um pouco na direção da diversidade pra entrar no tema que foi a base dos nossos dois meses de trabalho que é o caos. Nós, enquanto grupo, e eu também individualmente, tivemos a oportunidade de visitar várias comunidades diferentes, várias pessoas diferentes, que são de religiões diferentes, são de culturas diferentes, e isso nos deu uma oportunidade grandiosa de aprofundar cada vez mais, não só dentro da própria pessoa, mas também de toda a comunidade que é descobrir o sentimento verdadeiro que elas tinham; as verdadeiras dores que elas sentiam; e, com isso, dar a oportunidade a elas de representarem tudo isso com uma pincelada, com uma linha no mural. Dar a oportunidade de se expressarem! E isso, querendo ou não, afeta a nós, toca o nosso coração, pra pensarmos: será que temos esse sentimento? Será que essas dores fazem parte de nós, do nosso convívio? Então, eu queria perguntar: o que seria da nossa existência sem o caos original? Obrigado.

Resposta do PAPA (em espanhol)

Vocês dizem "caos". Muito bem, é a crise... Sabes de onde vem a palavra? Quando o trigo era colhido, passava por uma peneira, era "crivado". Crise – crivar. E a crise, nas pessoas, é isso mesmo: situações da vida, acontecimentos, os teus problemas orgânicos, ou mau humor, ou bom humor. Faz-nos crivar e temos de escolher. Uma vida sem crise é uma vida asséptica. Gostas de beber água? Gostas? Se eu te der água destilada, vais dizer: "É nojenta". Uma vida sem crise é como a água destilada, não sabe a nada, não serve para nada a não ser para a meter no armário e fechar a porta.

As crises têm de ser assumidas, têm de ser assumidas e resolvidas, porque ficar na crise também não é bom, porque é um suicídio contínuo. É como dar voltas e voltas, não é? As crises têm de ser atravessadas, têm de ser assumidas, e raramente sozinhos. E isso também é importante no grupo Scholas: caminhar juntos para enfrentar as crises juntos, para resolver as coisas juntos e avançar, para crescer juntos... E bem, vamos em frente! Mesmo que seja só para comer uma feijoada

(Aplausos)

Pregunta 3 (em português)

Nestes dois últimos meses, trabalhamos muito para conseguir fazer o mural que viu lá fora. Mas, este mural, realmente representa o caos. O caos que, muitas vezes, quando o vivemos, e quando o vivemos de perto, não compreendemos e é uma grande confusão. Aparecem só linhas aleatórias. Mas, na verdade, é que chega um ponto em que nós nos distanciamos. E, nessa distância, começamos a conseguir ver formas, cores; começamos a conseguir ter um sentido neste caos, a conseguir a pensar mais do que aquilo que muitas vezes apenas vemos ou apenas sentimos, mas, sim, conseguimos expressá-lo. E, para mim, por exemplo, foi uma experiência muito grande porque também já vivi momentos de muito caos na minha vida – e acho que todos nós vivemos – e, a verdade é que, ao ouvir a história dos outros, estar verdadeiramente aberta para ouvir, para partilhar, para acolher todas estas pessoas que fizeram parte deste mural foi um privilégio para nós, acho que mais do que pra eles, pra nós que estamos aqui e facilitamos isso ter acontecido. E tudo isto porque buscamos esse sentido, e todos nós buscamos esse sentido profundo de perceber que é algo maior do que simplesmente estar aqui. E, então, queríamos perguntar-lhe […] enquanto passou, neste mural; o que sentiu, o que passou durante esta experiência até chegar aqui, ao coração, deste mural, e que realmente é simplesmente pra nós ou início ou o fim. Não sabemos.

E, antes de responder, queríamos também, em nome de todos, oferecer-lhe um pincel. Este pincel que representa todos nós.

Resposta do PAPA (em espanhol)

É lindo o que dizes sobre o caos. Houve alguém que disse que a vida do homem, a nossa vida humana, é fazer um cosmos a partir do caos, ou seja, a partir do que não faz sentido, do que é desordenado, caótico, fazer um cosmos que faça sentido, que seja aberto, convidativo, composto. Não quero ser catequista, mas se olharmos para a estrutura do relato da Criação, que é um relato mítico, não é? No verdadeiro sentido da palavra "mito", porque "mito" é um modo de conhecimento. Então, usem essa história, aquele que escreveu o relato da Criação. Entre parêntesis, isso foi escrito muito depois de o povo judeu ter feito a experiência da sua libertação. Portanto, primeiro é toda a experiência do êxodo do povo judeu e depois olham para trás. E como é que a história começou? Como é que o caos se transformou em cosmos? E aí está, numa linguagem poética, como Deus, a partir do caos, um dia faz a luz, outro dia faz o homem e vai criando coisas e transformando o caos em cosmos. E na nossa vida acontece a mesma coisa, eh: há momentos de crise - volto a usar a palavra -, que são caóticos, que não sabemos onde estamos, e todos nós passamos por esses momentos, momentos sombrios. O caos. E aí o trabalho pessoal das pessoas que nos acompanham, de um grupo como este, é transformar o cosmos. É difícil para mim, neste caos da Sistina (risos), pensar que há um cosmos por detrás, porque o que é o cosmos? Tu estás a criá-lo na mensagem que levas para a frente, no caminho... Nunca se esqueçam disto: do caos, transformar um cosmos. E esse é o caminho de cada um de nós, não é? Uma vida que fica no caótico é uma vida falhada e uma vida que nunca sentiu o caos é uma vida destilada, tudo perfeito, não é? E as vidas destiladas não dão vida, morrem em si mesmas. É uma vida que sentiu a crise como um caos, que não entende nada, e lentamente dentro de si, e na comunidade, foi transformando a vida pessoal ou a vida relacional num cosmos... Chapeau!

Uma das jovenes de Scholas Ocurrentes (em espanhol):

Muito obrigada, Papa Francisco, pelas tuas palavras. Obrigada.

Uma jovem (em português):

É uma alegria para nós concluir assim este caminho. Mas, apesar desta experiência terminar, gostaríamos de pensar que a obra realmente nunca termina. Por isso, hoje, vamos concluir, começando. E, assim, quando um caminho se fecha, um novo caminho se abre. Decidimos chamar este projeto 'Vida Entre Mundos'. De fato, todo o mural é uma experiência e uma expressão de vida que nasce do encontro de tantas realidades diferentes. Por isso, hoje, vamos dar um salto e reunir um mundo físico com um mundo virtual.

Uma jovem (em espanhol):

Vamos pedir-te, querido Francisco, que nos acompanhes até à parede atrás de ti, e que nos dês a última pincelada deste mural, mas com um pincel muito particular, capaz de iniciar, ao mesmo tempo, uma mesma obra virtual que conseguirá reunir as diferentes comunidades Scholas de todo o mundo.

José María del Corral [Presidente de Scholas Ocurrentes] (em espanhol):

Papa, Papa Francisco, o vídeo, este pincel virtual de que falava a Eugénia, é uma arma para a paz. Parece uma pistola, porque se vai disparar aqui, mas em vez de matar, com esta pincelada que se vai dar na parede, também se vai dar no mundo virtual. Neste momento, há crianças da Scholas em Moçambique que têm um dispositivo em Moçambique, no Tofo, para verem a tua pincelada, que vais fazer agora, e para a acompanharem no mundo virtual, porque os jovens querem que sejas tu a ligar o mundo físico ao mundo virtual, para que o mundo virtual nunca deixe de ser concreto e comprometido com a realidade.

(Aplausos)

Pintamos a parede.

PAPA (em espanhol):

Este é o Bom Samaritano, e nenhum de nós está dispensado de ser um Bom Samaritano. É uma obrigação que todos temos. Cada um tem de a procurar na vida, mas aquele que termina a sua vida [...] perdeu-a como na guerra. Acontece que o Bom Samaritano encontra este homem estendido no chão, mas primeiro passou um levita, passou um sacerdote, e eles estavam com pressa. Não lhe deram atenção. Mas, para além do facto de estarem com pressa, não podiam tocar-lhe porque havia sangue [...] E, segundo a legislação desse tempo, quem tocasse no sangue ficava impuro. Não sei durante quanto tempo tinha de se purificar, de modo que isso o impedia de cumprir os seus deveres, não tocar... Morre, mas eu não te toco, impuro não fico. Morre, mas eu impuro é que não ficarei. Quantas vezes não nos passa pela cabeça: "Morre, mas eu impuro é que não fico"! Quantas vezes se prefere a "pureza ritual" à proximidade humana! [...] Os samaritanos, na mentalidade daquele tempo, eram uns vagabundos, eram todos uns vagabundos e comerciantes, não eram puros de espírito, de coração, eram marginalizados. E ele pára, vê-o e conta a história que sentiu compaixão. "Morre, que eu cuido da minha pureza". Sentiu compaixão. Deixo-vos com a seguinte pergunta: que coisas me fazem sentir compaixão? Ou temos um coração tão seco que já não tem compaixão? Cada um responde a si próprio. E depois, o que é que acontece? Leva-o a uma estalagem e arranja-lhe, no hotel que há ali, naquela cidade, arranja-lhe um quarto e diz: "Olha, vou voltar daqui a três dias", diz ao hoteleiro. "Toma, pago-te isto e se for precisar mais, pago-te no regresso. Este vagabundo era um bom pagador. Assim, temos os ladrões que matam, o bom samaritano que cuida dele, o levita e o sacerdote que se afastam para não ficarem impuros. E Jesus diz: "No Reino dos Céus, este entra", porque foi movido pela compaixão. Pensem um pouco nesta história: onde é que eu estou, a fazer mal às pessoas, onde é que eu estou, a retirar o corpo das dificuldades reais ou a sujar as mãos? Por vezes, na vida, é preciso sujar as mãos para não sujar o coração.

(Aplausos)

Uma das jovenes (em espanhol):

Muito obrigada, querido Francisco, pela tua oferta, um verdadeiro sinal para continuarmos a caminhar juntos.

PAPA (em espanhol):

Agora vou dar-vos a bênção, mas vocês prometem-me desejar-me uma bênção para mim depois, e rezar e desejar para que o Senhor vos abençoe.

(Benção em português)

Rezem por mim, e aqueles que não rezam porque não podem ou porque não sente, enviem-me uma boa onda, isso sim...

(Aplausos)


CERIMÓNIA DE ACOLHIMENTO, no Parque Eduardo VII

Queridos jovens, boa tarde!

Bem-vindos! Bem-vindos e obrigado por estardes aqui. Fico feliz por vos ver! E feliz fico também ao escutar o simpático barulho que fazeis, contagiando-me com a vossa alegria. É belo estarmos juntos em Lisboa: para aqui fostes chamados por mim, pelo Patriarca – a quem agradeço as palavras que me dirigiu –, pelos vossos Bispos, sacerdotes, catequistas, animadores. Agradeçamos a todos aqueles que vos chamaram e a quantos trabalharam para tornar possível este encontro: façamo-lo com uma grande salva de palmas! Mas foi sobretudo Jesus quem vos chamou; agradeçamos, pois, a Jesus com outra grande salva de palmas!

Vós não estais aqui por acaso. O Senhor chamou-vos, não só nestes dias, mas desde o início dos vossos dias. Chamou-nos a todos desde o início da vida. Chamou-vos pelos vossos nomes. Como ouvimos na Palavra de Deus, Ele chamou-nos pelo próprio nome. Chamados pelo nome: tentai imaginar estas três palavras escritas em letras grandes e, em seguida, pensai que estão escritas dentro de vós, nos vossos corações, como que formando o título da vossa vida, o sentido daquilo que sois. Tu foste chamado pelo teu nome: tu… além, tu… ali, tu… aqui, e também eu, todos nós fomos chamados pelo próprio nome. Não fomos chamados automaticamente, fomos chamados pelo nome. Pensemos nisto: Jesus chamou-me pelo meu nome. São palavras escritas no coração; pensemos, pois, que estão escritas dentro de cada um de nós, nos nossos corações, e formam uma espécie de título para a tua vida, o sentido do que és, o sentido daquilo que cada um é. Foste chamado pelo teu nome. Nenhum de nós é cristão por acaso, todos fomos chamados pelo nosso nome. Ao princípio da teia da vida, ainda antes dos talentos que possuímos, antes das sombras, das feridas que trazemos dentro de nós, recebemos um chamamento. Fomos chamados, porquê? Porque amados. Fomos chamados, porque somos amados. É belo! Aos olhos de Deus somos filhos preciosos, que Ele cada dia chama para abraçar, para encorajar; para fazer de cada um de nós uma obra-prima única, original. Cada um de nós é único e original, e não chegamos sequer a vislumbrar a beleza de tudo isto.

Queridos jovens, nesta Jornada Mundial da Juventude, ajudemo-nos mutuamente a reconhecer esta realidade; sejam estes dias ecos vibrantes da chamada amorosa de Deus, porque somos preciosos a seus olhos, apesar do que às vezes os nossos olhos veem; é que às vezes os nossos olhos estão enevoados pela negatividade e ofuscados por tantas distrações. Sejam dias em que o meu nome, o teu nome, através de irmãos e irmãs de muitas línguas, de muitas nações (vimos tantas bandeiras) que o pronunciam com amizade, ressoe como uma notícia única na história, porque único é o pulsar do coração de Deus por ti. Sejam dias para fixar no coração que somos amados como somos. Não como gostaríamos de ser, mas como somos agora. E este é o ponto de partida da JMJ, mas sobretudo o ponto de partida da vida. Jovens moços e moças, somos amados como somos, sem maquilhagem. Compreendeis isto?

E cada um de nós é chamado pelo nome. Não se trata de um simples modo de dizer, é Palavra de Deus (cf. Is 43, 1; 2 Tm 1, 9). Amigo, amiga, se Deus te chama pelo nome significa que, para Ele, nenhum de nós é um número; mas é um rosto, é uma cara, é um coração. Quero que cada um de vós note uma coisa: muitos, hoje, sabem o teu nome, mas não te chamam pelo nome. Com efeito, o teu nome é conhecido, aparece nas redes sociais, é processado por algoritmos que lhe associam gostos e preferências. Mas tudo isso não interpela a tua singularidade, mas a tua utilidade para pesquisas de mercado. Quantos lobos se escondem por trás de sorrisos de falsa bondade, dizendo que conhecem quem és, mas sem te querer bem, insinuando que creem em ti e prometendo que serás alguém, para depois te deixarem sozinho, quando já não lhes fores útil. E estas são as ilusões do mundo virtual e devemos estar atentos para não nos deixarmos enganar, porque muitas realidades que hoje nos atraem e prometem felicidade, mostram-se depois pelo que são: coisas vãs, bolas de sabão, coisas supérfluas, coisas inúteis e que deixam o vazio interior. Digo-vos uma coisa: Jesus não é assim, não é assim! Ele confia em ti, confia em cada um de vós, em cada um de nós, porque Jesus interessa-Se por cada um de nós; cada um de vós é importante para Ele. Assim é Jesus.

E é por isso que nós, sua Igreja, somos a comunidade dos que são chamados; não somos a comunidade dos melhores, não! Somos todos pecadores, mas somos chamados assim como somos. Pensemos um pouco nisto, em nosso coração: somos chamados como somos, com os problemas que temos, com as limitações que temos, com a nossa alegria transbordante, com a nossa vontade de sermos melhores, com a nossa vontade de vencer. Somos chamados como somos. Pensai nisto: Jesus chama-me como eu sou, não como eu gostaria de ser. Somos comunidade de irmãos e irmãs de Jesus, filhos e filhas do mesmo Pai.

Amigos, quero ser claro convosco, que sois alérgicos à falsidade e às palavras vazias: na Igreja há espaço para todos. Para todos. Na Igreja, ninguém é de sobra. Nenhum está a mais. Há espaço para todos. Assim como somos. Todos. Jesus di-lo claramente. Quando manda os apóstolos chamar para o banquete daquele senhor que o preparara, diz: «Ide e trazei todos», jovens e idosos, sãos, doentes, justos e pecadores. Todos, todos, todos! Na Igreja, há lugar para todos. «Padre, mas para mim que sou um desgraçado, que sou uma desgraçada, também há lugar?» Há espaço para todos! Todos juntos… Peço a cada um que, na própria língua, repita comigo: «Todos, todos, todos». Não se ouve; outra vez! «Todos, todos, todos». E esta é a Igreja, a Mãe de todos. Há lugar para todos. O Senhor não aponta o dedo, mas abre os braços. É curioso! O Senhor não sabe fazer isto [aponta com o dedo em riste], mas isto sim [faz o gesto de abraçar]. Abraça a todos. No-lo mostra Jesus na cruz, onde abriu completamente os braços para ser crucificado e morrer por nós.

Jesus nunca fecha a porta, nunca. Mas convida-te a entrar: «entra e vê!» Jesus recebe, Jesus acolhe. Nestes dias cada um de nós transmite a linguagem do amor de Jesus. Deus te ama, Deus te chama. Que belo é isto! Deus ama-me, Deus chama-me. Quer que eu esteja perto d’Ele.

Nesta tarde, vós também me fizestes perguntas, muitas perguntas. Nunca vos canseis de perguntar… Perguntar, é bom; aliás muitas vezes é melhor que dar respostas, porque quem pergunta permanece «inquieto» e a inquietude é o melhor remédio contra a rotina, que às vezes se torna uma espécie de normalidade que anestesia a alma. Cada um de nós traz dentro os próprios interrogativos. Levemos estas questões connosco e ponhamo-las no diálogo comum entre nós. Ponhamo-las quando rezamos diante de Deus. Com o transcorrer da vida, essas perguntas vão tendo resposta; só nos resta esperar. E uma coisa muito interessante: o amor de Deus surpreende-nos. Não está programado. O amor de Deus vem de surpresa. Surpreende sempre. Sempre nos mantém alerta e surpreende.

Queridos jovens moços e moças, convido-vos a pensar nesta coisa maravilhosa: Deus ama-nos! Deus ama-nos como somos, não como gostaríamos de ser ou como a sociedade queria que fôssemos. Como somos! Chama-nos com os defeitos que temos, com as limitações que temos e com a vontade que temos de avançar na vida. Deus chama-nos assim. Confiai, porque Deus é Pai e um Pai que nos quer bem, um Pai que nos ama. Isto nem sempre é muito fácil. Mas podemos contar com uma grande ajuda: a da Mãe do Senhor. Ela também é nossa Mãe. Maria é nossa Mãe.

E é tudo o que vos queria dizer. Não tenhais medo, tende coragem, continuai para diante, sabendo que, por «amortizador» das dificuldades, temos o amor que Deus nos tem. Deus ama-nos. Digamo-lo todos juntos: «Deus ama-nos». Mais alto, não consigo ouvir [repetem]. Aqui não se ouve [repetem] Obrigado. Adeus.



Sexta-feira, 4 de agosto de 2023

CONFISSÃO DE ALGUNS JOVENS DA JMJ, na Cidade da Alegria (Praça do Império - Jardim Vasco da Gama)




ENCONTRO COM OS REPRESENTANTES DE ALGUNS CENTROS DE ASSISTÊNCIA SOCIO-CARITATIVA, no Centro Paroquial de Serafina

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Agradeço ao pároco as suas palavras, e saúdo a todos os presentes, em particular aos amigos do Centro Paroquial da Serafina, da Casa Família Ajuda de Berço e da Associação Acreditar. E agradeço as vossas palavras que ilustraram o trabalho que aqui se faz. Obrigado! É bom estarmos aqui juntos no contexto da Jornada Mundial da Juventude, enquanto olhamos para a Virgem que Se levanta para ir ajudar. De facto, a caridade é a origem e a meta do caminho cristão, e a vossa presença, realidade concreta de «amor em ação», ajuda-nos a não esquecer a rota, o sentido daquilo que sempre estamos a fazer. Obrigado pelos vossos testemunhos, dos quais quero destacar três aspetos: fazer juntos o bem, agir no concreto e estar próximo dos mais frágeis. Por outras palavras, fazer o bem juntos, agir concretamente, isto é, não só com ideias mas concretamente, estar perto dos mais frágeis.

Primeiro, fazer juntos o bem. «Juntos» é a palavra-chave, que foi repetida muitas vezes nas intervenções. Viver, ajudar e amar juntos: jovens e adultos, sãos e doentes… juntos. O João disse-nos uma coisa importante: é preciso não se deixar «definir» pela doença, mas fazer dela parte viva do contributo que prestamos ao conjunto da comunidade. É verdade! Não devemos deixar-nos «definir» pela doença ou pelos problemas, porque não somos uma doença, não somos um problema. Cada um de nós é um presente, é um dom único, com os seus limites mas um dom precioso e sagrado para Deus, para a comunidade cristã e para a comunidade humana. E, assim como somos, enriquecemos o conjunto e deixamo-nos enriquecer pelo conjunto!

Segundo, agir no concreto. Também isto é importante. Como nos recordou o padre Francisco, inspirando-se em São João XXIII, a Igreja «não é um museu de arqueologia – alguns imaginam-na assim, mas não o é –; a Igreja é o antigo fontanário da aldeia que fornece água à geração de hoje» (São João XXIII, Homilia depois da Missa eslavo-bizantina, 13/XI/1960) como às futuras gerações. O fontanário serve para matar a sede das pessoas que chegam com o peso da viagem ou da vida, na sua dimensão concreta. Por conseguinte é necessária concretização, atenção ao «aqui e agora», como aliás já fazeis com o cuidado dos pormenores e sentido prático, belas virtudes típicas do povo português.

Quando não se perde tempo a lamentar-se da realidade, mas se tem a preocupação de ir ao encontro das carências concretas, com alegria e confiança na Providência, acontecem coisas maravilhosas. Assim o testemunha a vossa história: do encontro com o olhar de um idoso na rua, nasce um centro de caridade «de todo o respeito», como este em que nos encontramos; de um desafio moral e social qual é a «campanha pela vida», nasce uma associação que ajuda grávidas e sua família, crianças, adolescentes e jovens em dificuldade, para encontrarem um projeto de vida seguro, como nos contou Sandra; da experiência da doença nasce uma comunidade de apoio a quem luta contra o cancro, especialmente crianças, de modo que «os progressos no tratamento e a melhor qualidade de vida se tornem realidade para eles», como nos disse o João. Obrigado pelo que fazeis! Continuai com mansidão e gentileza a deixar-vos interpelar pela realidade, com as suas pobrezas antigas e novas, e a responder de forma concreta, com criatividade e coragem.

O terceiro aspeto: estar próximo dos mais frágeis. Todos somos frágeis e necessitados, mas o olhar feito de compaixão, próprio do Evangelho, leva-nos a ver as necessidades de quem mais precisa. Leva-nos a servir os pobres, os prediletos de Deus que Se fez pobre por nós (cf. 2 Cor 8, 9): os excluídos, os marginalizados, os descartados, os humildes, os indefesos. São eles o tesouro da Igreja, são os preferidos de Deus! E recordemo-nos sempre de não estabelecer diferenças entre eles; de facto, para um cristão, não há preferências face a quem, necessitado, bate à nossa porta: compatriotas ou estrangeiros, pertencentes a este ou àquele grupo, jovens ou idosos, simpáticos ou antipáticos...

A propósito de caridade, quero agora contar-vos uma história, especialmente a vós, crianças, que talvez não conheçais. É a história real dum jovem português que viveu há muito tempo. Chamava-se João Cidade e habitava em Montemor-o-Novo. Sonhava com uma vida aventureira; por isso, adolescente ainda, partiu de casa à procura da felicidade. Achou-a depois de vários anos e muitas aventuras, quando encontrou Jesus. E ficou tão contente com a descoberta que até decidiu mudar o nome, chamando-se a partir de então, não João Cidade, mas João de Deus. E fez uma coisa ousada: foi pela cidade e começou a pedir esmola pelas ruas, dizendo às pessoas: «Fazei bem, irmãos, a vós mesmos!» Compreendeis? Pedia a esmola, mas dizia a quantos lha davam que, ajudando-o a ele, na realidade estavam a ajudar primariamente a si próprios! Ou seja, explicava que os gestos de amor são um dom primariamente para quem os cumpre, antes mesmo de o serem para quem os recebe; porque tudo o que se acumula para si mesmo perder-se-á, enquanto aquilo que se dá por amor nunca se desperdiça, mas será o nosso tesouro no céu.

Por isso dizia: «Fazei bem, irmãos, a vós mesmos!» Porém o amor não torna felizes só no céu, mas já aqui na terra, porque dilata o coração e permite abraçar o sentido da vida. Se queremos ser verdadeiramente felizes, aprendamos a transformar tudo em amor, oferecendo aos outros o nosso trabalho e o nosso tempo, dizendo palavras edificantes e realizando boas ações, mesmo com um sorriso, com um abraço, com a escuta, com o olhar. Queridos adolescentes, irmãos e irmãs, vivamos assim! Todos podemos fazê-lo e disto mesmo todos precisamos, aqui e em qualquer lugar do mundo.

Sabeis o que aconteceu depois a João? Não o entenderam! Pensavam que estava maluco e fecharam-no num manicómio. Mas ele não se desmoralizou, porque o amor não se arrende e quem segue Jesus não perde a paz nem se põe a lamentar a sua sorte. E foi precisamente lá, no manicómio, carregando a cruz, que chegou a inspiração de Deus. João deu-se conta de quanto aqueles doentes precisavam de ajuda e, quando finalmente o deixaram sair, depois de alguns meses, começou a cuidar deles com outros companheiros, fundando uma Ordem Religiosa: os Irmãos Hospitaleiros. Alguns, porém, começaram a designá-los doutro modo, ou seja, com as palavras «fazei bem, irmãos…» que aquele jovem ia repetindo a todos. Assim são chamados em Roma: Fatebenefratelli. É um belo nome, e um ensinamento importante! Ajudar os outros é um dom para si próprio e faz bem a todos. É verdade! Amar é um dom para todos! Recordemo-nos: o amor é um presente para todos! Vamos repetir juntos: «o amor é um presente para todos»!

Amemo-nos assim! Continuai a fazer da vida um presente de amor e de alegria. Fico-vos grato e recomendo a todos, mas especialmente às crianças: continuai a rezar por mim. Obrigado!

* * *

Palavras improvisadas

Há muitas coisas que gostaria de vos dizer agora, mas os meus «holofotes» [os olhos] – acontece – não estão a funcionar como deviam e não consigo ler bem. Por isso entrego-vos o discurso para o publicardes depois. Não se pode forçar a vista e ler mal.

Quero deter-me apenas em algo que não está escrito, mas está no espírito do encontro: a concretização. Não existe amor abstrato; não existe! O amor platónico vive em órbita, não está na realidade. Real é o amor concreto, aquele em que se sujam as mãos. Cada um de nós pode perguntar-se: o amor que sinto por todos aqueles que estão aqui, o amor que sinto pelos outros, é concreto ou abstrato? Depois de estenderes a mão a uma pessoa necessitada, a um doente, a um marginalizado… fazes logo assim [esfrega a mão na roupa] para não te contagiar? Enoja-me a pobreza, a pobreza dos outros? Procuro sempre a vida «destilada», a vida que existe na minha fantasia, não na realidade? Quantas vidas destiladas, inúteis que passam sem deixar uma marca, porque tais vidas não têm peso!

E aqui temos uma realidade que deixa uma marca, uma realidade de muitos anos, tantos anos, que vai deixando uma marca que serve de inspiração para os outros. Não poderia haver uma Jornada Mundial da Juventude sem ter em conta esta realidade. Porque também isto é juventude, no sentido de que vós gerais continuamente vida nova. Com a vossa conduta, o vosso empenho, as vossas mãos sujas por tocarem a realidade da miséria dos outros, estais a gerar inspiração, estais a gerar vida. Obrigado por isso! Agradeço-vos de todo o coração. Continuai para diante e não desanimeis! E se desanimardes, bebei um copo de água e segui para a frente!


VIA-SACRA COM OS JOVENS, na Colina do Encontro (Parque Eduardo VII)

Queridos irmãos e irmãs, boa tarde!

Hoje, caminhareis com Jesus. Jesus é o Caminho e nós caminharemos com Ele, porque Ele caminha. Quando estava entre nós, Jesus caminhou: caminhou, curando os doentes, prestando assistência aos pobres, fazendo justiça; caminhou pregando, ensinando-nos. Jesus caminha, mas o caminho que temos mais gravado no nosso coração é o caminho do Calvário, o caminho da Cruz. E hoje vós, nós (eu também), rezando, seguiremos novamente o caminho da Cruz. Contemplaremos Jesus que passa e caminharemos com Ele. O caminho de Jesus é Deus que sai de Si mesmo; sai de Si mesmo para caminhar entre nós. É aquilo que ouvimos tantas vezes na Missa: «O Verbo fez-Se carne e caminhou entre nós». Lembrais-vos? O Verbo fez-Se homem e caminhou entre nós. E fá-lo por amor; faz isso por amor. E a Cruz que acompanha cada Jornada Mundial da Juventude é o ícone, é a figura deste caminho. A Cruz é o sentido maior do maior amor, daquele amor com que Jesus quer abraçar a nossa vida. A nossa? Sim! A tua vida, a daquele, a daqueloutro, a de cada um de nós. Jesus caminha por mim. Temos de o dizer a todos. Jesus empreende este caminho por mim, para dar a sua vida por mim. E ninguém tem maior amor de quem dá vida pelos seus amigos, daquele que dá a vida pelos outros. Não vos esqueçais disto: ninguém tem maior amor de quem dá a vida. Assim o ensinou Jesus. Por isso, quando contemplamos o Crucificado, naquela condição tão dolorosa, tão dura, vemos a beleza do Amor que dá a sua vida por cada um de nós.

Uma pessoa de grande fé dizia uma frase que me tocou muito: «Senhor, pela vossa inefável agonia, posso crer no amor». Sim, Senhor, pela vossa inefável agonia, posso crer no amor. E Jesus caminha, mas anela por qualquer coisa, espera a nossa companhia, aguarda o nosso olhar... Como hei de dizer? Espera abrir as janelas da minha alma, da tua alma, da alma de cada um de nós. Como são feias as almas fechadas, que semeiam dentro, sorriem dentro! Mas isto não tem sentido. Jesus caminha e espera com o seu amor, espera com a sua ternura, para nos dar consolação, enxugar as nossas lágrimas.

Agora faço-vos uma pergunta, mas não deveis responder em voz alta; cada um responda dentro de si mesmo. Choro eu de vez em quando? Há coisas na vida que me fazem chorar? Todos nós na vida já choramos, e continuamos ainda a chorar. Nesses momentos, Jesus está connosco. Ele chora connosco, porque nos acompanha na obscuridade que nos faz chorar.

Façamos um pouco de silêncio, e cada um diga a Jesus por que chora na vida. Cada um de nós diga-o para si mesmo agora, em silêncio.

(Momento de silêncio)

Com a sua ternura, Jesus enxuga as nossas lágrimas escondidas. Jesus espera cumular, com a sua proximidade, a nossa solidão. Como são tristes os momentos de solidão! Neles está Jesus, Ele quer preencher tal solidão. Jesus quer preencher o nosso medo, o teu medo, o meu medo… esses medos obscuros quer preenchê-los com a sua consolação. Ele espera impelir-nos a abraçar o risco de amar. Porque, como sabeis (sabei-lo melhor do que eu), amar é arriscado. É preciso correr o risco de amar. É um risco, mas vale a pena corrê-lo; nisso, acompanha-nos Jesus. Sempre nos acompanha, sempre caminha; durante a vida, sempre está junto de nós.

Não quero acrescentar mais nada. Hoje faremos o caminho com Ele, o caminho do seu sofrimento, o caminho das nossas ansiedades, o caminho das nossas solidões.

Agora, durante uns momentos, façamos silêncio e cada um de nós pense no próprio sofrimento, pense na própria ansiedade, pense nas próprias misérias. Não tenhais medo, pensai nisso e pensai também no desejo de que a alma volte a sorrir.

(Momento de silêncio)

E Jesus caminha para a Cruz, morre na Cruz, para que a nossa alma possa sorrir. Amen.



Sábado, 5 de agosto de 2023

RECITAÇÃO DO TERÇO COM OS JOVENS DOENTES, na Capelinha das Aparições do Santuário de Nossa Senhora de Fátima

Queridas irmãs e irmãos, bom dia!

Obrigado, D. José Ornelas, pelas suas palavras e, a vós todos, obrigado pela presença e a oração. Rezámos o terço, uma oração muito bela e vital; vital, porque nos põe em contacto com a vida de Jesus e de Maria. E meditámos os mistérios da alegria, que nos lembram que a Igreja não pode ser senão a casa da alegria. A Capelinha onde nos encontramos constitui uma bela imagem da Igreja: acolhedora, sem portas. A Igreja não tem portas, para que todos possam entrar. E aqui podemos insistir também no facto que todos podem entrar, porque esta é a casa da Mãe, e uma mãe tem sempre o coração aberto para todos os seus filhos, todos, todos, todos, sem excluir nenhum.

Estamos aqui, sob o olhar materno de Maria, estamos aqui como Igreja, Igreja mãe. A peregrinação é precisamente uma caraterística mariana, porque a primeira a fazer uma peregrinação, depois da anunciação de Jesus, foi Maria. Logo que soube que sua prima se encontrava grávida – esta estava já em idade avançada –, Maria saiu correndo. Traduzindo um pouco livremente a expressão do Evangelho «dirigiu-se à pressa», diríamos que «Ela saiu correndo»; saiu correndo levada pelo desejo de ajudar, de estar presente.

Temos muitos títulos de Maria, mas, se pensarmos bem, há mais este que também poderíamos dizer: a Virgem «que sai correndo», sempre que há um problema; sempre que A invocamos, Ela não demora a vir; é solícita. Nossa Senhora solícita: gostais assim? Digamo-lo todos juntos: «Nossa Senhora solícita». Apressa-Se, para estar perto de nós, apressa-Se porque é Mãe. Em português, dizemos «apressada» – observa-me D. Ornelas. «Nossa Senhora apressada»! E é assim que acompanha a vida de Jesus; e não Se esconde depois da Ressurreição, acompanha os discípulos à espera do Espírito Santo; e acompanha a Igreja que começa a crescer depois do Pentecostes. Nossa Senhora que Se mostra solícita e Nossa Senhora que acompanha. Acompanha sempre. Nunca é protagonista. O gesto com que Maria Mãe acolhe é duplo: primeiro acolhe e depois aponta para Jesus. Maria, na sua vida, não faz senão indicar Jesus: «Fazei o que Ele vos disser». Segui Jesus.

Pensemos que estes são os dois gestos de Maria: acolhe-nos a todos e indica Jesus. E fá-lo com solicitude, apressada. Nossa Senhora solícita, que nos acolhe a todos e nos indica Jesus. Lembremo-nos disto, sempre que aqui viermos. Aqui Maria tornou-Se presente dum modo especial, para que a incredulidade de tantos corações se abrisse a Jesus. Com a sua presença, indica-nos Jesus, sempre nos aponta Jesus. E hoje está aqui entre nós; Ela está sempre entre nós, mas hoje sentimo-La muito mais próxima. Maria solícita.

Amigos, Jesus ama-nos até ao ponto de Se identificar connosco e pede-nos para colaborar com Ele. E Maria indica-nos isto mesmo que Jesus nos pede: caminhar na vida colaborando com Ele. Gostaria que hoje olhássemos para a imagem de Maria, e cada um se interrogasse: Que me diz Maria como Mãe? O que é que me está a indicar? Indica-nos Jesus; às vezes indica também alguma coisinha no coração que não regula bem, mas sempre indica. «Mãe, o que é que me estás a indicar?» Façamos um breve momento de silêncio e cada um diga em seu coração: «Mãe, o que é que me estás a indicar? O que há na minha vida que Te preocupa? O que há na minha vida que Te entristece? O que há na minha vida que Te chama a atenção? Indica-mo!» E Ela indica o coração, para que Jesus venha até ele. E assim como nos indica Jesus, a Jesus indica o coração de cada um de nós.

Queridos irmãos, sintamos hoje a presença de Maria Mãe; a Mãe que não cessa de dizer: «Fazei o que Jesus vos disser»; indica-nos Jesus. Mas também a Mãe que diz a Jesus: «Faz o que estes Te estão a pedir». Esta assim é Maria. Esta é a nossa Mãe, Nossa Senhora solícita em estar perto de nós. Que Ela nos abençoe a todos! Amen.


VIGÍLIA COM OS JOVENS, no Campo da Graça (Parque Tejo)

Queridos irmãos e irmãs, boa noite!

Dá-me tanta alegria ver-vos! Obrigado por terdes viajado, por terdes caminhado e obrigado por estardes aqui! Estou a pensar que também a Virgem Maria teve de viajar para ver Isabel: «Levantou-Se e partiu apressadamente» (Lc 1, 39). Poderíamos perguntar-nos: Mas porque é que Maria Se levanta e vai apressadamente ter com a prima? Certamente porque acaba de saber que a prima está grávida; mas também Ela está. Então por que foi, se ninguém Lho pedira? Maria realiza um gesto não solicitado e sem ser obrigada; Maria vai porque ama e «quem ama voa, corre feliz» (A Imitação de Cristo, III, 5). Isto é o que o amor nos faz.

A alegria de Maria é dupla: acabara de receber o anúncio do anjo de que acolheria n’Ela o Redentor e também a notícia de que a prima estava grávida. Interessante! Em vez de pensar em Si mesma, pensa na outra. Porquê? Porque a alegria é missionária, a alegria não é para ficar numa pessoa, mas para levar alguma coisa. Pergunto: vós, que estais aqui, que viestes para vos encontrar, para encontrar a mensagem de Cristo, encontrar o sentido bom na vida… Isto, ides guardá-lo para vós ou levá-lo-eis aos outros? Que pensais fazer? Não ouço! (...) É para o levar aos outros, porque a alegria é missionária. Repitamos isto todos juntos: «a alegria é missionária». Concluindo, eu levo esta alegria aos outros.

Mas esta alegria que temos, houve outros que nos prepararam para a receber. Agora olhemos em retrospetiva tudo o que recebemos; tudo isso predispôs o nosso coração para a alegria. Todos nós, se olharmos para trás, veremos pessoas que foram um raio de luz na nossa vida: pais, avós, amigos, sacerdotes, religiosos, catequistas, animadores, professores… São como que as raízes da nossa alegria. Façamos agora um momento de silêncio, e cada qual pense nas pessoas que nos deram algo na vida, naqueles que são como que as raízes da alegria.

[momento de silêncio]

Encontrastes alguém? Encontrastes rostos, histórias? A alegria que nos veio de tais raízes é a que devemos dar, porque nós temos raízes de alegria e, simultaneamente, podemos ser raízes de alegria para os outros. Não se trata de levar uma alegria passageira, uma alegria momentânea, mas uma alegria que cria raízes. Uma pergunta: como podemos tornar-nos raízes de alegria?

A alegria não está fechada na biblioteca – embora seja necessário estudar –, encontra-se noutra parte. Não está guardada à chave. A alegria, é preciso procurá-la, é preciso descobri-la. É preciso descobri-la no diálogo com os outros, onde devemos dar as raízes de alegria que recebemos. Por vezes, isto cansa. Faço-vos uma pergunta: às vezes cansais-vos? Pensai no que acontece, quando uma pessoa está cansada: não tem vontade de fazer nada e, como se costuma dizer, atira-se por terra. Não tem vontade de continuar; então desiste, deixa de caminhar e cai. Pensai numa pessoa que caia na vida, tenha um fracasso, cometa erros mesmo graves, sérios: achais que a sua vida acabou? Não! O que é preciso fazer? Levantar-se! Como recordação, quero deixar-vos o caso dos alpinistas, que gostam de escalar as montanhas; eles têm uma canção linda, onde se diz: «Na arte de subir a montanha, o que conta não é não cair, mas não ficar caído». Está certo!

Quem fica caído, a sua vida já «passou à reforma», está encerrada! Fechou-se à esperança, fechou-se aos anseios, fica por terra. E quando virmos alguém, um amigo nosso, que caiu, que devemos fazer? Levantá-lo. Reparai, quando alguém tem de levantar ou ajudar uma pessoa a levantar-se, que gesto faz? Olha-a de cima para baixo. Trata-se da única ocasião, do único momento em que é lícito olhar uma pessoa de cima para baixo: quando queremos ajudá-la a levantar-se. Quantas vezes vemos pessoas que nos olham sobranceiras, por cima do ombro, de cima para baixo! É triste. O único modo, a única situação em que é lícito olhar de cima para baixo uma pessoa é (dizei-o vós... forte!) para a ajudar a levantar-se.

Pois bem! O segredo do caminho está um pouco nisto: na constância em caminhar. Na vida, para se conseguir algo, é preciso treinar a caminhar. Às vezes não temos vontade de caminhar, não temos vontade de nos esforçar; copiamos os exames, porque não temos vontade de estudar e não chegamos ao resultado desejado. Não sei se algum de vós gosta de futebol… Eu gosto. Por trás dum golo, que temos? Muito treino. Por trás dum resultado, que há? Muito treino. E, na vida, nem sempre se pode fazer o que apetece, mas aquilo que nos leva a realizar a vocação que temos dentro de nós… Cada um tem a sua vocação. É preciso caminhar. E, se cair, levanto-me ou haja alguém que ajude a pôr-me de pé. Não ficar caído; e treinar-me, treinar-me a caminhar. E tudo isto é possível, não porque fizemos um curso sobre o caminhar; não há cursos que nos ensinem a caminhar na vida! Isto aprendemo-lo dos pais, aprendemo-lo dos avós, aprendemo-lo dos amigos, ajudando-se mutuamente. Na vida, aprende-se, e isto é treino para caminhar.

Deixo-vos estas ideias. É preciso caminhar e, no caso de cair, levantar-se; caminhar com uma meta; treinar-se todos os dias na vida. Na vida, nada é de graça; tudo se paga. Só uma coisa é gratuita: o amor de Jesus! Assim, com este dom gratuito que temos – o amor de Jesus – e com a vontade de caminhar, caminhemos na esperança, olhemos para as nossas raízes e continuemos para diante, sem medo. Não tenhais medo. Obrigado! Adeus.


Domingo, 6 de agosto de 2023

SANTA MISSA PARA O DIA MUNDIAL DA JUVENTUDE, no Campo da Graça (Parque Tejo)

HOMILIA

«Senhor, é bom estarmos aqui!» (Mt 17, 4). Estas palavras que o apóstolo Pedro disse a Jesus no monte da Transfiguração, queremos fazê-las também nossas depois destes dias intensos. É bom tudo o que estamos a experimentar com Jesus, aquilo que vivemos juntos, e é bom como rezámos, com tanta alegria do coração. Mas perguntamo-nos: Que levamos connosco ao regressar à vida quotidiana?

Quero responder a esta pergunta com três verbos: resplandecer, ouvir, não temer, seguindo o Evangelho que ouvimos. Que levamos connosco? Respondo com três palavras: resplandecer, ouvir e não temer.

A primeira: resplandecer. Jesus transfigura-Se. Diz o Evangelho: «o seu rosto resplandeceu como o sol» (Mt 17, 2). Recentemente tinha anunciado a sua paixão e morte de cruz, esfrangalhando assim a imagem dum Messias poderoso, mundano, e dececionando as expectativas dos discípulos. Ora, para os ajudar a acolher o projeto de amor de Deus a respeito de cada um de nós, Jesus toma consigo três deles – Pedro, Tiago e João –, condu-los ao alto dum monte e transfigura-Se. E este «banho de luz» prepara-os para a noite da paixão.

Amigos, jovens queridos, também nós hoje precisamos de um pouco de luz, um lampejo de luz que forneça esperança para enfrentar tantas obscuridades que nos assaltam na vida, tantas derrotas quotidianas, para as enfrentar com a luz da ressurreição de Jesus. Porque Ele é a luz sem ocaso, a luz que brilha mesmo durante a noite. Diz o sacerdote Esdras: «O nosso Deus quis fazer brilhar os nossos olhos» (Esd 9, 8). O nosso Deus ilumina. Ilumina o nosso olhar, ilumina o nosso coração, ilumina a nossa mente, ilumina o nosso desejo de fazer algo na vida. Sempre com a luz do Senhor.

Mas quero dizer-vos que não ficamos luminosos, colocando-nos sob os holofotes; antes pelo contrário, isso encandeia-nos, não nos torna luminosos. Não ficamos luminosos, quando exibimos uma imagem perfeita, em ordem, bem acabada, não; nem mesmo se nos sentimos fortes e bem-sucedidos: fortes e bem-sucedidos, mas não luminosos. Tornamo-nos luminosos, resplandecemos quando, tendo acolhido Jesus, aprendemos a amar como Ele. Amar como Jesus: isto torna-nos luminosos, isto leva-nos a fazer obras de amor. Não te deixes enganar, minha amiga, meu amigo! Tornar-te-ás luz no dia em que fizeres obras de amor. Ao contrário quando, em vez de fazer obras de amor aos outros, só pensas em ti mesmo como um egoísta, então a luz apaga-se.

O segundo verbo é ouvir. No monte, uma nuvem luminosa cobre os discípulos. E desta nuvem fala o Pai. E que diz? «Escutai-O»! «Este é o meu Filho predileto, escutai-O» (Mt 17, 5). E é tudo… Tudo aquilo que se deve fazer na vida, está nesta palavra: escutai-O. Escutar Jesus. Todo o segredo está aqui. Escuta o que te diz Jesus. «Mas eu não sei o que Ele me diz!» Pega no Evangelho e lê o que diz Jesus, o que Ele diz ao teu coração. Porque Ele tem palavras de vida eterna para nós, revela que Deus é Pai, Deus é amor. Ele aponta-nos o caminho do amor. Escuta Jesus! Porque nós, mesmo quando com boa vontade nos embrenhamos por caminhos que até parecem ser de amor, em última análise não passam de egoísmo mascarado de amor. Cuidado com os egoísmos mascarados de amor! Escuta-O, porque Jesus dir-te-á qual é o caminho do amor. Escuta-O.

Resplandecer é a primeira palavra: sede luminosos! A segunda: escutar, para não se enganar no caminho! E finalmente a terceira palavra: não ter medo. Não tenhais medo. Uma expressão que se repete muito na Bíblia. Concretamente no Evangelho, no momento da Transfiguração, as últimas palavras que Jesus disse aos discípulos foram estas: «Não tenhais medo» (Mt 17, 7).

A vós, jovens, que vivestes esta alegria (estava para dizer esta glória, e de certo modo este nosso encontro também é glória); a vós, que cultivais sonhos grandes mas frequentemente ofuscados pelo temor de que não se realizem; a vós, que às vezes pensais que não ides conseguir (por vezes assalta-nos um pouco de pessimismo); a vós, jovens, tentados a desanimar neste tempo, a julgar-vos talvez inadequados ou a esconder a angústia mascarando-a com um sorriso; a vós, jovens, que quereis mudar o mundo (é um bem que queirais mudar o mundo!) e que quereis lutar pela justiça e a paz; a vós, jovens, que investis na vida esforço e imaginação, ficando porém com a sensação de que não bastam; a vós, jovens, de quem a Igreja e o mundo têm necessidade como a terra tem de chuva; a vós, jovens, que sois o presente e o futuro… Sim, precisamente a vós, jovens, é que Jesus diz hoje: «Não tenhais medo», «não tenhais medo»! Num breve momento de silêncio, cada um repita para si mesmo, no próprio coração, estas palavras: «Não tenhais medo».

Queridos jovens, gostaria de poder fixar cada um de vós nos olhos e dizer: Não temas, não tenhas medo! Mais, tenho uma coisa belíssima para vos dizer: já não sou eu, mas é o próprio Jesus que vos fixa agora. Ele que vos conhece, conhece o coração de cada um de vós, conhece a vida de cada um de vós, conhece as alegrias, conhece as tristezas, os sucessos e os fracassos, conhece o vosso coração. E hoje aqui em Lisboa, nesta Jornada Mundial da Juventude, Ele diz-vos: «Não temais, não temais! Coragem, não tenhais medo!»

ANGELUS

Queridos irmãos e irmãs,

Uma palavra ressoou muitas vezes nestes dias: “grazie”, ou seja, «obrigado». É belo aquilo que acaba de nos dizer o Patriarca de Lisboa: que «obrigado» não expressa só a gratidão pelo que se recebeu, mas também o desejo de corresponder ao bem. Quanto bem recebemos todos nós neste evento de graça! E agora o Senhor faz-nos sentir a necessidade de o partilhar também com os outros, dando alegremente testemunho do dom gratuito de Deus, do bem que Ele colocou nos nossos corações.

Mas, antes de nos despedirmos, quero também eu dizer «obrigado». Digo-o, em primeiro lugar, ao Cardeal Clemente e, nele, à Igreja e a todo o povo português: obrigado! Obrigado ao Senhor Presidente, que nos acompanhou nos eventos destes dias; obrigado às instituições nacionais e locais pelo apoio e assistência prestados; obrigado aos Bispos, sacerdotes, pessoas consagradas e leigos. E obrigado a ti, Lisboa, que permanecerás na memória destes jovens como «casa de fraternidade» e «cidade dos sonhos». Exprimo também a minha gratidão ao Cardeal Farrell – que rejuvenesceu nestas Jornadas – e àqueles que as prepararam, bem como a quantos as acompanharam com a oração. Obrigado aos voluntários: para eles, este aplauso saído do coração pelo seu grande serviço! E um agradecimento especial a quem velou pela JMJ a partir do Alto, ou seja, aos Santos patronos do evento e a um em particular: João Paulo II, que deu vida às Jornadas Mundiais da Juventude.

E obrigado a todos vós, queridos jovens! Deus vê inteiramente o bem que sois; só Ele conhece o que semeou nos vossos corações. Partis daqui com o que Deus semeou no coração, fazei-o crescer, guardai-o com diligência. Queria fazer-vos uma recomendação: mantende vivos, na mente e no coração, os momentos mais encantadores. Assim, quando chegarem momentos de cansaço e desânimo – que são inevitáveis – e, quem sabe, a tentação de deixar de caminhar ou de vos fechardes em vós mesmos, podereis com a memória reavivar as experiências e a graça destes dias, porque – nunca o esqueçais – esta é a realidade, isto é o que vós sois: o santo Povo fiel de Deus que caminha com a alegria do Evangelho. Desejo também enviar uma saudação aos jovens que não puderam estar aqui, mas participaram nas iniciativas organizadas pelos seus países, pelas Conferências Episcopais, pelas dioceses; penso, por exemplo, nos irmãos e irmãs subsarianos, reunidos em Tânger. A todos, obrigado, obrigado!

E de modo particular acompanhamos com o afeto e a oração aqueles que não puderam vir por causa de conflitos e guerras. No mundo, há muitas guerras, muitos conflitos. Cingindo-me a este continente, sinto grande tristeza pela querida Ucrânia, que continua a sofrer tanto. Amigos, permiti também que eu, já idoso, partilhe convosco, jovens, um sonho que trago no coração: o sonho da paz, o sonho dos jovens que rezam pela paz, vivem em paz e constroem um futuro de paz. Através da oração do Angelus, coloquemos nas mãos de Maria, Rainha da Paz, o futuro da humanidade. E há um último obrigado que gostaria de sublinhar antes de concluir: Obrigado às nossas raízes, aos nossos avós, que nos transmitiram a fé, que nos transmitiram o horizonte duma vida. São as nossas raízes. E ao voltardes para casa continuai, por favor, a rezar pela paz. Vós sois um sinal de paz para o mundo, um testemunho de como as diferentes nacionalidades, línguas e histórias podem unir em vez de dividir. Vós sois esperança dum mundo diferente. Obrigado. Avante!

E chega enfim um momento que todos esperam: o anúncio da próxima etapa do caminho. Mas antes de vos referir a sede da quadragésima primeira Jornada Mundial da Juventude, quero fazer-vos um convite: marco encontro com os jovens de todo o mundo no ano 2025, em Roma, para celebrarmos juntos o Jubileu dos jovens! Lá vos espero em 2025 para celebrarmos juntos o Jubileu dos Jovens. A próxima Jornada Mundial da Juventude terá lugar na Ásia: será em Seul na Coreia do Sul! E assim, da fronteira ocidental da Europa, passará no ano 2027 ao extremo Oriente: é um belo sinal da universalidade da Igreja e do sonho de unidade do qual vós sois testemunhas!

E por fim dirigimos um último obrigado a duas pessoas especiais, aos dois protagonistas principais deste encontro. Estiveram aqui connosco, e continuarão a estar connosco; nunca perdem de vista as nossas vidas, amam as nossas vidas como mais ninguém o poderia fazer. Obrigado a Ti, Senhor Jesus. Obrigado a Ti, Maria, nossa Mãe. E agora rezemos…

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[Palavras depois da oração do Angelus]

Quero assegurar as minhas orações – e façamo-lo todos juntos – também pelas vítimas da trágica avalanche ocorrida há dois dias na região de Racha, na Geórgia. Sinto-me solidário com os seus parentes. Que a Virgem Santa os console, e sustente também o trabalho das equipes de resgate. E acompanho, estou unido ao meu irmão o Patriarca Elias II.


ENCONTRO COM OS VOLUNTÁRIOS DA JMJ, no Passeio Marítimo de Algés

Queridos amigos, boa tarde! E obrigado!

Obrigado ao Patriarca de Lisboa pelas suas palavras, a D. Américo Aguiar e a todos vós por terdes trabalhado tanto e bem: tornastes possível estes dias inesquecíveis! Trabalhastes meses a fio, de forma escondida, sem alarde nem protagonismo, para que pudéssemos encontrar-nos todos aqui a cantar juntos: « Jesus vive e não nos deixa sós: não mais deixaremos de amar». E não só! Fostes um exemplo, porque vos unistes para trabalhar em grupo. Mais do que trabalho, o vosso foi um serviço, obrigado!

Um serviço semelhante ao prestado pela Virgem Maria, que «Se levantou e partiu apressadamente» (Lc 1, 39) para servir a prima Isabel, sentindo urgência de partilhar a alegria no serviço; partilhar a alegria e o serviço, a alegria no serviço. Pensemos em Zaqueu, que, para ver Jesus, sobe a uma árvore e de lá desceu apressadamente. Qualquer coisa lhe tocara dentro, queria encontrar Jesus e acolhê-Lo na casa dele (cf. Lc 19, 6); pensemos nas mulheres e nos discípulos que, na Páscoa, correm do túmulo até ao Cenáculo a fim de anunciar que Cristo ressuscitou (cf. Jo 20, 1-18). Quem ama não fica de braços cruzados, quem ama serve, quem ama corre para servir, corre empenhado no serviço aos outros. E vós correstes, e muito, nestes meses! Eu pude ver-vos apenas nos momentos finais, nestes dias, e observei como dáveis resposta a inúmeras necessidades, às vezes com o cansaço impresso no rosto e outras um pouco esmagados com as urgências do momento, mas sempre notei uma coisa: que tínheis os olhos luminosos, luminosos pela alegria do serviço. Obrigado!

Vós tornastes possível este encontro mundial da juventude, fizestes grandes coisas sem vos negar a gestos pequeninos, como a garrafa de água oferecida a um desconhecido. E isto cria amizade. Correstes tanto, mas não com aquela corrida frenética e sem meta que às vezes carateriza o nosso mundo. Vós correstes doutra maneira: fizestes uma corrida que leva a encontrar os outros para os servir em nome de Jesus. Vós viestes a Lisboa para servir e não para ser servidos. Obrigado, muito obrigado!

E agora quero eu servir-vos de amplificador, para que ressoe mais além tudo aquilo que nos disseram os testemunhos, os testemunhos de Clara, Francisco e Filipe. Os três falaram-nos dum encontro especial com Jesus. Lembraram-nos que o encontro mais belo, o motor de todos os outros, aquele que faz mesmo caminhar, que faz a vida avançar, é o encontro com Jesus. O encontro mais importante da nossa vida. Renovar dia a dia o encontro pessoal com Jesus é o coração da vida cristã. E deve ser renovado todos os dias para manter vivo o desejo do mesmo não só na cabeça, mas também no coração. Experimentámos que um pequeno «sim» a Jesus pode mudar a vida; mas também o «sim» dito aos outros nos faz bem, quando tem em vista o serviço. No momento do cansaço, retomastes coragem e continuastes para diante dizendo «sim» prontos a servir os outros. Obrigado por isso!

E tu, Francisco, disseste que aqui encontraste qualquer coisa que precisavas e nem sequer a procuravas. Caminhando, trabalhando e rezando com os outros, compreendeste que não te podias deixar agrilhoar pela desordem, pelo «leito desarrumado» do passado, nem viver com o coração atormentado por sensações de pessoa inacabada; e foi-te oferecida, com a ajuda de Jesus e dos irmãos, ocasião para reorganizar «o quarto» da vida. Pôr ordem na vida é bom: esta Jornada é útil, ajuda muito a pôr ordem na vida. Mas porquê? Graças à Jornada? Não, graças a Jesus, que está aqui no meio de nós e Se nos revela. Para colocar a nossa vida em ordem, não bastam coisas, não ajudam distrações, não serve dinheiro. O que é preciso é dilatar o coração. E se alargardes o coração, colocareis ordem na vossa vida. Não tenhais medo! Dilatai o vosso coração.

E por fim tu, Filipe, entre tantas coisas bonitas que partilhaste, disseste uma que quero sublinhar. Disseste que viveste aqui um duplo encontro: um encontro com Jesus e um encontro com os outros. Isto é muito importante: o encontro com Jesus é um momento pessoal, único, que só até certo ponto se pode descrever e contar, mas sempre tem lugar graças a um caminho feito com os outros, feito por meio da intercessão de outros. Encontrar Jesus e encontrá-Lo no serviço aos outros.

Amigos, para terminar quero deixar-vos uma imagem. Como sabem muitos de vós, existe a norte de Lisboa uma localidade – Nazaré – onde se podem admirar ondas que chegam aos trinta metros de altura tornando-se uma atração mundial, especialmente para os surfistas que as cavalgam. Nestes dias, também vós enfrentastes uma verdadeira onda, não de água, mas de jovens, jovens como vós, que afluíram a esta cidade. Mas, com a ajuda de Deus, com tanta generosidade e apoiando-vos mutuamente, conseguistes cavalgar esta grande onda. Cavalgastes esta grande onda: sois mesmo corajosos! Obrigado! Quero dizer-vos: continuai assim, continuai a cavalgar as ondas do amor, as ondas da caridade, sede surfistas do amor! E esta é a tarefa que vos confio neste momento: que o serviço prestado por vós nesta Jornada Mundial da Juventude seja a primeira de tantas ondas de bem; cada vez sereis levados mais alto, mais perto de Deus, e isto permitir-vos-á ver duma perspetiva melhor o vosso caminho.

De novo obrigado a todos. Bom caminho! E, por favor, continuai a rezar por mim! Obrigado!