Homilia do Cardeal Sarah: "O homem de hoje pergunta por Cristo ao sacerdote"

Homilia proferida pelo Cardeal Robert Sarah, na cerimónia de ordenação de 31 sacerdotes do Opus Dei, celebrada em 5 de maio de 2018, em Roma.

Dabo vobis pastores iuxta cor meum et pascent vos scientia et doctrina (Jr 3,15). «Eu vos darei pastores segundo o Meu coração, que vos guardem com saber e inteligência». Com estas palavras, cheias de confiança em Deus, começámos esta celebração solene. O Senhor dá-nos pastores nestes 31 diáconos, provenientes de diversos países, que hoje recebem a ordenação sacerdotal. Agradeço ao Prelado do Opus Dei pela grande honra e presente que me ofereceu, dando-me a oportunidade de ser o Bispo ordenante nesta celebração.

Queridos ordinandos: todos foram chamados por Deus, assim o rezámos na oração colecta: «Senhor, nosso Deus que, para guiar e governar o Teu povo, quiseste servir-Te do ministério dos sacerdotes, concede-lhes que façam incansavelmente a Tua vontade». E na oração da ordenação recorda-se que, assim como Deus deu colaboradores aos Apóstolos, dá-nos agora, como ajuda à nossa limitação, colaboradores para o exercício do sacerdócio apostólico (cf. Oração de ordenação). De facto, no Evangelho de S. Mateus lê-se que Jesus, tendo chamado os Seus doze Apóstolos, deu-lhes o poder de expulsar os espíritos imundos e de curar todas as doenças e enfermidades(Mt 10,1). Também sobre vós irá descer o Espírito do Senhor (cf. Is. 61,1) e as vossas mãos serão ungidas com o óleo do santo Crisma, que será para vós força e auxílio, para que possais santificar o povo cristão e oferecer a Deus o sacrifício eucarístico (cf. Pontifical Romano, Unção das mãos).

Todos os que estão aqui foram escolhidos por Deus e prepararam-se com esmero, com muitos anos de estudo, mas foisobretudo através da oração e da contemplação silenciosa que se prepararam para este momento extraordinário, no qual, pela graça da ordenação ao sagrado sacerdócio, serão configurados com a Pessoa de Jesus Cristo, Sumo Sacerdote. Através das minhas mãos indignas, serão consagrados sacerdotes de Deus. Podemos fazer-nos esta simples pergunta:que é exatamente um sacerdote?

A Bíblia apresenta o sacerdote como o homem da Palavra de Deus. Um homem escolhido e enviado por Deus: Como o Pai me enviou, também eu vos envio (Jo 20,21). Ide, pois, e fazei discípulos em todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo quanto vos mandei (Mt 28,19). Como diz a segunda Leitura, nós, sacerdotes, somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus vos exortasse através de nós (2Cor 5,20). Uma vez que somos enviados, que devemos ensinar? Nada mais que a Palavra de Deus, o ensino doutrinal e moral da Igreja, a verdade sobre Deus, sobre Cristo e sobre o homem. Somos sacerdotes unicamente para anunciar Cristo. O homem de hoje pergunta por Cristo ao sacerdote. Sobre as outras coisas – a nível económico, social ou político – ele pode consultar tantas pessoas competentes nessas matérias. O homem contemporâneo dirige-se ao padre à procura de Cristo. A liturgia da Palavra ensina ao sacerdote que ele é mestre na fé. Nós não criamos a fé, a fé é sempre um dom de Deus, tanto se a entendemos como virtude teologal infusa, como se nos referimos ao conteúdo da doutrina, ou seja, ao que se deve acreditar firmemente, sem hesitações nem confusões. O padre é um pregador da verdade. Fala com caridade e, ao mesmo tempo, com verdadeira liberdade, independentemente das consequências que isso lhe traga. Na Sagrada Escritura, o sacerdote é também apresentado como o homem do perdão: Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ficarão perdoados, àqueles a quem os retiverdes, ficarão retidos (Jo 20, 23). Na ordenação sacerdotal, o Espírito Santo doa-se, para permitir que a pessoa ordenada realize as mesmas ações de Cristo e seja não apenas um "alter Christus", mas "ipse Christus", o próprio Cristo. O sacerdote é hoje a expressão visível e palpável, concreta de Jesus, Sacerdote, Juiz e Médico das almas. «O sacerdote é o amor do coração de Jesus. Quando vires um padre, pensa em Nosso Senhor Jesus Cristo». Como o santo Cura d'Ars, como o Padre Pio, o sacerdote é o apóstolo do confessionário, como lembrava há dias o Papa Francisco, na sua visita pastoral a San Giovanni Rotondo (17 de março 2018). O sacerdote aparece também como o homem amigo de Cristo: Vós sois Meus amigos, se fizerdes o que Eu vos mando. Já não vos chamo servos (...), chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de Meu Pai (Jo 15,14-15). Além disso, o sacerdote é conhecido essencialmente como o homem da Eucaristia: Fazei isto em memória de Mim (Lc 22,19). O padre é, sobretudo, o homem da Eucaristia. Gostaria de citar aqui um texto muito sugestivo do Papa S. João Paulo II, que trata precisamente da relação do sacerdote com a Eucaristia:

“O sacerdócio, nas suas raízes, é o sacerdócio de Cristo. É Ele quem oferece a Deus Pai o sacrifício de Si mesmo, da Sua carne e do Seu sangue, e com o Seu sacrifício justifica aos olhos do Pai toda a humanidade e, indiretamente, toda a Criação. O sacerdote, celebrando cada dia a Eucaristia, penetra no coração deste mistério. Por isso, a celebração da Eucaristia é para ele o momento mais importante e sagrado do dia, e o centro da sua vida (...). Durante a Santa Missa, embora também fora dela, o sacerdote atua verdadeiramente in persona Christi. O que Cristo realizou no altar da Cruz, e que antes estabeleceu como Sacramento no Cenáculo, renova-o o sacerdote com a força do Espírito Santo. Nesse momento, o sacerdote é como que envolvido pelo poder do Espírito Santo, e as palavras que diz adquirem a mesma eficácia que as pronunciadas por Cristo na Última Ceia” (cf. João Paulo II, Dom e Mistério ).Como veem, queridos ordinandos, não há Eucaristia sem sacerdócio, assim como não há sacerdócio sem Eucaristia. Mas sobretudo, não há sacerdócio sem uma imersão total no amor íntimo da Santíssima Trindade, plenamente presente no Sacrifício eucarístico. Sempre será necessário voltar a descobrir o nosso sacerdócio à luz da Eucaristia! Assim como ajudar o povo cristão a redescobrir este tesouro, na celebração diária da Santa Missa e, especialmente, na solene assembleia dominical. Precisamos, em cada dia, da Eucaristia, para viver o nosso sacerdócio e poder permanecer como firmes e audazes mensageiros do Evangelho no meio dos sofrimentos, dificuldades e hostilidades que nos podem surgir.

Finalmente, o sacerdote deve ser um homem de intensa e profunda vida interior e de oração. Deve ser santo, para poder santificar o povo de Deus. Santifica-os na verdade: a Tua palavra é a Verdade. Assim como Tu Me enviaste ao mundo, assim Eu os enviei ao mundo. Por eles Eu me santifico, para que também eles sejam santificados na Verdade (Jo 17: 17-19). O Senhor pede-nos que nos santifiquemos, nos consagremos à Verdade. E envia-nos para continuarmos a Sua própria missão. Como é maravilhoso constatar que Jesus Cristo Se santificou não só para Si, mas também pelos Seus discípulos! Os discípulos, por sua vez, deviam ser santos não só por si mesmos, mas pensando também na Igreja e em todos os que acreditarão em Cristo depois de terem ouvido a Sua Palavra.

S. Josemaria recorda-nos a nossa chamada imperiosa à santidade. E escreve assim:

" Sentimo-nos tocados, com o coração a bater com mais força, quando ouvimos com toda a atenção este brado de S. Paulo: esta é a vontade de Deus: a vossa santificação. Hoje, mais uma vez o repito a mim mesmo e também o recordo a cada um e a toda a Humanidade: esta é a vontade de Deus, que sejamos santos. Para pacificar as almas com uma paz autêntica, para transformar a Terra, para procurar Deus Nosso Senhor no mundo e através das coisas do mundo, é indispensável a santidade pessoal (...).O caminho que conduz à santidade é o caminho da oração. E a oração deve enraizar-se a pouco e pouco na alma, como a pequena semente que se tornará mais tarde árvore frondosa". (Amigos de Deus, nn. 294-295). Sobretudo nós, sacerdotes e bispos, devemos ser santos. A espiritualidade começa por cima, não por baixo. «O espelho reflete a luz do sol, mas não o cria. A santidade é uma pirâmide - diz Fulton Sheen - é como um precioso aroma sobre a cabeça, que desce pela barba, a barba de Aarão, até chegar à orla das suas vestes (Sl 133,2). Deus é santo. A Sua santidade desce à Terra com Jesus Cristo, que a estende aos sacerdotes, e depois os sacerdotes contribuem para a santificação dos fiéis cristãos" (cf. Fulton J. Sheen, O sacerdote não se pertence).

Queridos ordinandos, como podem imaginar, não é possível levar a cabo a nossa santificação, senão ao contemplar, tocar e viver, plena e fisicamente, a oferenda total do nosso corpo, através do grande mistério da ordenação sacerdotal, oferenda assim expressa nas palavras poderosas de S. Paulo: Com Cristo estou crucificado: vivo, mas já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim. E a vida que vivo agora na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, que me amou e Se entregou a Si mesmo por mim (Gl 2,19-20). O nosso sacerdócio será plenamente realizado se aceitarmos morrer cada dia na cruz com Jesus. Portanto, se cada um se quer tornar um sacerdote santo, ouça atentamente a exortação de S. Pedro Crisólogo, que nos anima a orar sempre e a oferecer o nosso corpo a Deus. É assim que São Pedro Crisólogo nos diz: «Sê, ó homem, o Sacrifício e o Sacerdote de Deus. Não percas o que a vontade divina te concedeu e outorgou. Reveste-te com a estola da santidade. Aperta o cíngulo da castidade. Seja Cristo a proteção da tua cabeça. Permaneça a Cruz como defesa da tua fronte. Aproxima o teu peito do sacramento da ciência divina. Que o incenso da tua oração se eleve sempre como suave perfume. Pega na espada do Espírito, faz do teu coração um altar, e apresenta assim o teu corpo a Deus, como vítima, com uma segura confiança» (Dos discursos de S. Pedro Crisólogo, Disc 108: PL 52, 499-500).

Queridos ordinandos, não esqueçam que recebem a ordenação sacerdotal para servir a Igreja, todas as almas. Como aprenderam com S. Josemaria e com todos os seus sucessores, sejam sempre leais ao Romano Pontífice, aos Bispos, sucessores dos Apóstolos, e ao vosso Prelado. Estimem os sacerdotes de cada diocese, roguem com constância ao Senhor que envie muitos operários para toda a Sua messe, que envie muitos sacerdotes santos, constituídos como guardadores para apascentar a Igreja de Deus, adquirida por Ele com o Seu próprio sangue (At 20, 28).

Felicito agora os pais e os irmãos dos novos sacerdotes. A partir de hoje, terão alguém do mesmo sangue que intercederá especialmente por cada um diante de Deus. Ao mesmo tempo, todos nós temos que rezar por eles mais do que antes, porque a responsabilidade que eles assumiram é grande.

Estamos no mês de maio. Quantas coisas teremos já dito à nossa Mãe! Como teremos rezado para que ela nos ajude, como Mãe de Deus e nossa Mãe! Confiamos estes nossos irmãos a Maria, Mãe da Igreja, Mãe dos sacerdotes: que ela os acolha especialmente, como seus filhos muito amados, como acolheu S. João, o discípulo amado, ao pé da cruz de Jesus. Queridíssimos ordinandos, ofereço a cada um o Terço e um pequeno ícone da Virgem da Ternura, para que se possam unir mais estreitamente a Maria Santíssima e para os obrigar, de alguma forma, a rezar por mim. Que Deus os abençoe. Assim seja.