“Toda a missão de liderança deve ser de serviço”

No dia 23 de janeiro, o Papa Francisco nomeou Monsenhor Fernando Ocáriz prelado do Opus Dei, convertendo-se assim no novo Grande Chanceler da Universidade de Navarra. Poucas semanas depois concedeu esta entrevista à Revista de Antigos Alunos do IESE

Entrevista a Monsenhor Fernando Ocáriz


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Como aborda esta tarefa de liderança?

Jesus Cristo, que é o Mestre e o Senhor, disse de Si mesmo que não tinha vindo para ser servido, mas para servir. De serviço é – ou deve ser – toda a missão de governo, de liderança. No meu caso, é óbvio que se trata de um serviço à Igreja e ao Papa, dirigindo esta porção do povo de Deus, que é a prelatura do Opus Dei. Para os membros da Obra, a minha missão concretiza-se em assegurar que recebam la necessária formação cristã e atenção pastoral, para facilitar que possam santificar-se e contribuir para a evangelização da sociedade, cada um a partir do seu lugar e situação. Isto implica também dar-lhes alento e luz, por palavra e por escrito.

Consciente além disso de que é Deus quem santifica, abordo a minha tarefa confiado na ajuda do Céu. Por isso, desde o primeiro momento, pedi aos fiéis da prelatura e aos cooperadores que me apoiem com a sua oração. O mesmo me animo agora a pedir às pessoas vinculadas ao IESE.

Com que critérios valoriza o urgente e o importante e como encara a direção de uma organização em que se combinam as diferenças culturais com um objetivo comum?

S. Josemaria, fundador do Opus Dei – que foi também promotor y primeiro Grande Chanceler da Universidade de Navarra – chamava a atenção para o perigo de descuidar o importante para atender urgências. Insistia – e assim o praticava ele próprio – em que é necessário estudar bem os assuntos, tomando todo o tempo que cada um requeira: nem menos, mas também nem mais. A precipitação não é diligência; nem a dilação, prudência. Para prevenir o nervosismo e as pressas, que facilmente levam a decidir antes de ter reunido todos os dados relevantes, costumava dizer: “o urgente pode esperar, o muito urgente deve esperar”. A rapidez devida, a agilidade, é fruto do trabalho intenso e constante, bem como do acompanhamento das decisões, para ir queimando etapas sem deixar esmorecer os assuntos. Todas essas condições de um bom trabalho de direção cumprem-se mais facilmente se o governo é colegial, como está estabelecido no Opus Dei, por disposição prudente do fundador. Acerta-se mais e avança-se mais agilmente se várias pessoas estudam uma questão. A diligência não consiste em passar por cima de alguém que deva contribuir com a sua opinião, mas em não “fazer charcos”, como dizia S. Josemaría; ou seja, não reter os assuntos, mas examiná-los e dar-lhes andamento, para que outros os vejam por sua vez e todos possam contribuir para a decisão comum.

Trabalhar assim torna também mais fácil valorizar o importante e o urgente. Um critério básico a esse respeito – diria eu – é: o mais importante é o que mais diretamente afeta as pessoas. O trabalho organizativo tem, sem dúvida, a sua relevância; mas é secundário: primeiro estão as pessoas. E para um cristão coerente, que recebeu e valoriza o imenso dom da fé, esse serviço prioritário às pessoas é também serviço a Deus.

Quanto à forma de compaginar diversidade cultural e objetivo comum na prelatura do Opus Dei, a chave está em estimular a liberdade. A função principal do Opus Dei é formar os seus membros para que cada um atue, livre e responsavelmente, no lugar e situação que lhe corresponde, procurando encarnar a sua fé cristã naquilo que faz.

Ninguém no Opus Dei lhe dirá que solução tem de adotar nos assuntos profissionais, sociais, políticos, etc.: ele ou ela terão que decidir em consciência, de acordo, naturalmente, com a sua preparação profissional específica e a sua forma pessoal de ser e de pensar. O pluralismo resultante não é nenhum caos: a harmonia surge da própria variedade polifónica, pela qual cada um contribui para a sinfonia do conjunto, para a tarefa de evangelização. É, no fundo, a mesma unidade “católica” que se verifica na Igreja, lar comum para todos os povos.

Como devem assumir esse dia a dia os que procuram ser melhores pessoas e a excelência através do seu trabalho na direção de empresas?

Não pretendo nem posso propor uma solução concreta. Sugerirei sim algumas ideias gerais que, aplicadas por cada um a seu modo, talvez possam ser úteis. É conhecido que os dirigentes estão habitualmente sob pressão, pela abundância e dificuldade de trabalho e, sobretudo, pela responsabilidade que pesa sobre eles.

Por um lado, parece-me importante partilhar a carga, em especial com os colaboradores imediatos; saber delegar. Se se mostra confiança nas pessoas, se se lhes atribuem responsabilidades e se lhes dá margem para a sua iniciativa, costumam reagir bem, tomando a tarefa como própria e identificando-se com o projeto comum.

Em segundo lugar, aconselharia, às pessoas crentes, a descarregar peso em Deus, que é nosso Pai. Um bom profissional e bom cristão trabalha o mais que pode e como melhor sabe e, ao mesmo tempo, entende que nem tudo está na sua mão e deixa também o que não controla ao cuidado de Deus. Jesus Cristo ensinou-nos que Deus é um Pai amoroso, que se ocupa das aves do céu e dos lírios do campo e, muito mais, dos seus filhos. Se enfrentarmos todos os nossos dias com fé prática, real, na providência divina, que governa tudo para o nosso bem – ainda que às vezes não o entendamos – cresceremos como pessoas no nosso trabalho e fá-lo-emos melhor, livres de angústias que causam danos e tiram eficácia.

Neste sentido, é também útil cuidar do descanso: do próprio e o daqueles que trabalham connosco. Equilibrar a solicitude pelas nossas obrigações e recuperar forças permite continuar a cumpri-las com renovado impulso.

Como se pode compatibilizar a misericórdia, de que tanto nos fala o Papa Francisco, com as exigências de um mercado que, muitas vezes, parece não ter alma? Como devemos ajudar a promover uma economia mais social?

Como plasmar a misericórdia na atividade económica, a própria misericórdia no-lo dirá, se deixamos que esta entre e molde a nossa vida. O Papa Francisco ensina que a misericórdia é criativa; na sua carta por ocasião do encerramento do Jubileu do ano passado, anima-nos a dar espaço à “fantasia da misericórdia”, que impulsiona iniciativos originais. A misericórdia não é só para determinadas ocasiões. É uma atitude permanente de sentir no próprio coração as misérias alheias, sofrê-las como próprias e procurar aliviá-las.

Com essa disposição profundamente arraigada, os cristãos que desenvolvem a sua profissão no âmbito mercantil, financeiro, industrial, etc., podem contribuir para “dar alma” ao mercado – e a todas as instituições sociais – quer dizer, atuar no mercado com a consciência de que nos intercâmbios participam pessoas, com a determinação de praticar a justiça e com o desejo de satisfazer as necessidades dos outros. Isso já contribui, mesmo que seja só através de pequenas contribuições, para tornar a economia mais social; consta-me que o IESE o incentiva na sua tarefa de formação de dirigentes. Além disso, o IESE pode contribuir com estudos e propostas relevantes, para que as práticas empresariais e a política económica e laboral vão nessa direção.

É sempre preciso praticar a misericórdia como dom gratuito, para ajudar a resolver as carências, materiais ou espirituais, que o mercado não pode remediar, ou não remedeia de facto. Muitos empresários mantêm iniciativas de assistência e de promoção humana, que são a prova da criatividade da misericórdia.

Como evitar que el desejo de êxito turve o desejo de ajudar os outros?

Não são incompatíveis, se nascem do mesmo impulso e visam o mesmo fim. A santificação do trabalho, que é um aspeto nuclear no espírito do Opus Dei, torna-se realidade trabalhando bem, com competência, e por um motivo sobrenatural. Se na nossa atividade procuramos amar a Deus e o próximo, todas as outras intenções se unificam e se faz santa a própria atividade. Não há então oposição entre o êxito e a solidariedade. Um dirigente que deseja ser bom cristão procura o êxito para levar por diante o seu projeto profissional e, ao mesmo tempo, ajudar os outros. Os dois desejos reforçam-se mutuamente.

“Se se mostra confiança nas pessoas, se se lhes atribuem responsabilidades e se lhes dá margem para a sua iniciativa, costumam reagir bem, tomando a tarefa como própria e identificando-se com o projeto comum”

Em concreto, como podemos introduzir uma visão mais humanista das relações humanas no trabalho?

Estou certo de que é algo que o IESE faz constantemente, ao acentuar que uma empresa é uma comunidade de pessoas e mostrar como esta realidade se há-de refletir nos estilos diretivos. Por sua vez, as pessoas formadas no IESE estendem essa visão e as práticas consequentes de mil maneiras, ao aplicar o que aprenderam às suas diversas situações profissionais, e sempre com atenção particularizada para os mais necessitados.

Que critérios lhe parece que devem ter em conta os homens e as mulheres para abordar este desafio? Ao ser cada vez mais necessário dois ordenados no lar, que desafios se colocam para a família essas mudanças?

Não só porque sejam necessários dois ordenados num lar, mas também porque uma mãe de família pode estar em condições de desenvolver uma carreira profissional. É uma pena encontrar-se com o dilema: ou família, ou profissão.

Na realidade, isto coloca-se frequentemente também aos homens. É claro, as mulheres, se podem e se querem, deixam o trabalho fora do lar para se concentrarem no cuidado dos filhos, por exemplo, enquanto são pequenos. E é uma decisão, por vezes, necessária e, em todo o caso, digna de aplauso.

Por outro lado, são muitas as mulheres que compaginam a atenção à família com outro trabalho, como também são cada vez mais os homens que reduzem o seu horário de trabalho para dedicar mais tempo à família. Conciliar família e profissão é uma das questões mais importantes que tem pendentes a sociedade atual em muitos países. Sei que no IESE lhe prestais muita atenção, e confio em que contribuais para encontrar soluções. Mas quereria, sobretudo, sublinhar algo fundamental. As mães e os pais de família, ao cuidar do seu lar e educar os seus filhos, com grande amor e sacrifício, no meio de muitas dificuldades, embora às vezes não lhes saia bem ou não consigam fazê-lo como desejariam, fazem algo grandioso. Dão os maiores benefícios: a formação e a felicidade de umas pessoas; e são credores da gratidão da sociedade, pois prestam uma contribuição insubstituível ao bem comum. E, sobretudo, Deus olha-os com agrado. S. Josemaría costumava recordar aos empresários que o melhor e principal “negócio” que têm é a sua família.

Quais seriam, na sua opinião, os valores que distinguiriam uma empresa ética, tanto nos bons como nos maus tempos, quando há que fazer ajustamentos antipáticos?

Isso qualquer dirigente de empresa o saberá melhor do que eu. Penso que convém ter em conta que las situações podem ser, por vezes, de uma grande diversidade e complexidade.

Pode haver pessoas insensíveis, mas não há dúvida de que muitos dirigentes sofrem realmente quando se vêm forçados a cortar no pessoal porque não se encontra outro modo de assegurar a continuidade da empresa. Sofrem porque vêm, nos afetados, pessoas e famílias que correm perigo, talvez, de ficarem sem trabalho durante longo período de tempo. E sofrem também pela preocupação ou o desânimo que pode propagar-se entre os empregados que mantêm os seus postos de trabalho, bem como pela sua própria preocupação perante o futuro da empresa e, em consequência, das suas próprias famílias e as dos outros que dependem dela.

“A ética não é um limite nem um complemento da boa ação diretiva, mas uma dimensão essencial”

Essa reação em tempos maus é sintoma de ética num dirigente: de atenção primordial às pessoas, que saberá refletir nas políticas e práticas da empresa. Em tempos bons, a mesma atitude levará os dirigentes a pôr todo o seu talento em procurar a prosperidade da empresa, sem se limitar a procurar o benefício a curto prazo. Cuidarão do “capital humano”, por exemplo, investindo na formação dos trabalhadores. A atenção primordial às pessoas explica também o respeito às leis ou ao meio ambiente; respeito que faz parte da missão da empresa, da sua contribuição para o bem comum. Por vezes torna-se muito difícil integrar todos esses fatores: decidir é complicado e está exposto a erro. Em todo o caso, a ética não é um limite nem um complemento da boa ação diretiva, mas uma dimensão essencial.

Basta a introdução de códigos de boas práticas e mecanismos de supervisão, para que a empresa tenha uma base ética?

Os códigos, sobretudo se se vigiar o seu cumprimento, podem ser de grande ajuda. Expressam as orientações éticas fundamentais e aplicam-nas às diferentes facetas da atividade empresarial. No entanto, na vida real, decide-se em situações concretas e as diversíssimas situações que se verificam na realidade não podem estar todas previstas num código. Para acertar em cada situação, os dirigentes, por um lado, hão-de ter muito bem assumidos os princípios éticos e profissionais, mas por outro, também necessitam de experiência, tenacidade e fortaleza que resistam às pressões para ceder ao mal e flexibilidade para retificar. Aprender essas atitudes e exercita-las é parte da formação do dirigente.

Já conhece o papel do IESE no desenvolvimento das escolas de direção em África e noutras economias emergentes. Como podemos ajudá-las mais para que o seu papel como formadores se acelere, respeitando a sua riqueza cultural?

Aprecio muito essa grande tarefa que o IESE procura fazer com a transmissão do conhecimento a países em desenvolvimento. Ajuda assim a que surja um núcleo de empresários e dirigentes bem formados e com ideais, tão necessário nessas nações.

E fá-lo da maneira mais eficaz: formando aqueles que formarão compatriotas seus, pondo em andamento uma atividade que se perpetuará porque terá impulso próprio e um estilo de acordo com as caraterísticas e a cultura do lugar. Ganhará velocidade, sem dúvida, graças ao estímulo do IESE, ainda que os melhores frutos possam, talvez, ainda tardar.

Como Grande Chanceler da Universidade de Navarra, que pede ao IESE?

Mais do que pedir, agradeço a Deus, porque são já muitos milhares os empresários e dirigentes que receberam no IESE uma formação integral que os fez crescer como pessoas e como profissionais. O IESE é um foco de excelência, de humanidade, de responsabilidade social e de espírito cristão que alcança muitos ambientes e lugares. Muito obrigado!

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Um grande universitário

Monsenhor Fernando Ocáriz nasceu no dia 27 de outubro de 1944. É o mais novo de oito irmãos, um dos quais, José Ocáriz, é professor emérito de Contabilidade e Controle no IESE.

Mons. Ocáriz é licenciado em Ciências Físicas pela Universidade de Barcelona (1966) e em Teologia pela Pontifícia Universidade Lateranense (1969). Sendo estudante, conviveu em Roma com S. Josemaría Escrivá, fundador do Opus Dei. Obteve o doutoramento em Teologia em 1971, na Universidade de Navarra. Nesse mesmo ano, foi ordenado sacerdote. Nos seus primeiros anos como presbítero dedicou-se, especialmente, à pastoral juvenil e universitária.

Desde 1994, foi vigário geral do Opus Dei e, em 2014, foi nomeado vigário auxiliar da prelatura. Durante os últimos 22 anos, acompanhou o anterior prelado, D. Javier Echevarría, nas suas visitas pastorais a mais de 70 nações.

Como novo Grande Chanceler, a sua função principal é velar para que a Universidade de Navarra cumpra os seus fins, de acordo com o seu espírito fundacional, conservando a identidade cristã e mantendo atualizada a expressão da sua missão e dos seus valores.

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Descarregar a entrevista a Mons. Fernando Ocáriz, em formato PDF

Revista dos Antigos Alunos do IESE (nº 145, abril-junho de 2017)