Educar nas novas tecnologias

A tecnologia faz parte em grande medida da vida dos homens e mulheres de hoje. Temos que a encaminhar para que o seu uso nos ajude a desenvolvermo-nos como pessoas, como se explica neste editorial.

As novas gerações nasceram num mundo interligado ao qual os seus pais não estavam acostumados. Acedem muito cedo à internet, às redes sociais, aos chats, às vídeo-consolas. A sua capacidade de aprendizagem neste âmbito avança ao mesmo ritmo vertiginoso com que se desenvolvem as tecnologias.

Desde tenra idade as crianças e jovens estão expostos a um universo aparentemente sem fronteiras. Esta situação oferece uma grande quantidade de benefícios, mas, ao mesmo tempo, comporta alguns riscos que tornam ainda mais necessária a proximidade e a orientação dos pais.

Convém assomar-se positivamente à “era digital”, porque como assinala Bento XVI, «se se usa com sabedoria, pode contribuir para satisfazer o desejo de sentido, de verdade e de unidade que continua a ser a aspiração mais profunda do ser humano»[1]. Mas ao mesmo tempo, a realidade apresenta factos que não se podem ignorar; por exemplo, que a sobre-exposição das crianças aos monitores foi associada a riscos de saúde como a obesidade, e a condutas agressivas ou problemáticas na escola.

Foto: michael.paul

A tecnologia estrutura em grande medida a vida dos homens e mulheres de hoje. Temos que a encaminhar para que o seu uso nos ajude a desenvolver-nos como pessoas, e estar atentos para que os filhos a utilizem de forma adequada. Educar requer uma boa dose de paciência e planificação, mas quando se fala de novas tecnologias é necessário, além disso, que os pais adquiram um certo conhecimento, algumas ideias e um pouco de prática, para formarem um critério e orientar os filhos acertadamente.

Cada vez mais, os dispositivos tecnológicos permanecem conectados à internet. Isto permite chegar a audiências muito amplas e abre a possibilidade de difundir mensagens de forma imediata e, praticamente, sem custos. Ao mesmo tempo, produz incerteza de quem terá acesso a esses conteúdos e quando o farão.

A experiência dos últimos anos ensina que as novas tecnologias não são uma mera ferramenta que permite obter uma melhoria na extensão e no nível da comunicação, mas que, de certa maneira passaram a constituir um ambiente, um lugar[2], converteram-se num dos tecidos conectivos da cultura, através do qual se expressa a identidade[3].

Parte da tarefa dos pais cristãos de hoje é ensinar a santificar este ambiente, ajudando os jovens a comportar-se virtuosamente no mundo digital, fazendo-lhes ver que é também um âmbito para expressar a sua identidade cristã. Com as mudanças quase contínuas e radicais não seria eficaz facilitar apenas uma listagem de regras, que ficariam logo a seguir obsoletas; a obra educativa deve procurar a formação em virtudes. Só desse modo, crianças e jovens poderão levar uma vida boa, ordenando as suas paixões, controlando os seus atos e superando com alegria os obstáculos que lhes impeçam a consecução do bem na esfera digital. Como assinala o Papa Francisco «a problemática não é principalmente tecnológica. Temos que nos perguntar, somos capazes, também neste campo, de levar Cristo, ou melhor, de levar ao encontro de Cristo?»[4]

Foto: TempusVolat

Ao mesmo tempo, para evitar pôr os filhos em perigo desnecessário, há que estudar a partir de que momento é oportuno que utilizem dispositivos digitais, e quais se ajustam melhor à maturidade própria da sua idade. Em muitas ocasiões, será possível «incluir o uso de um filtro tecnológico nos dispositivos, para os proteger o mais possível da pornografia e de outras ameaças»[5], sabendo, ao mesmo tempo, que a vida virtuosa é o único filtro que não falha e está disponível de modo continuo.

Virtudes em jogo: importância do bom exemplo

A família é escola de virtudes: crescem mediante a educação, mediante atos deliberados e com o esforço perseverante. A graça divina purifica-as e eleva -as[6]. Sendo a família o lugar onde se aprendem as primeiras noções do bem e do mal, dos valores, é no lar que se vai construindo o edifício das virtudes de cada menina e de cada menino.

Há estilos de vida que facilitam o encontro dos filhos com Deus, e outros que o dificultam. É lógico que os pais cristãos procurem formar nos filhos uma mentalidade e um coração cristãos, e que ponham os meios para que a sua família seja uma escola de virtudes. A meta é que cada filho aprenda a tomar as suas decisões com maturidade humana e espiritual, de forma adequada à sua idade. As novas tecnologias são um aspeto mais que deveria estar presente nas conversas e também nas regras organizativas do lar, que costumam ser poucas e dependem da idade dos filhos.

As virtudes não se podem viver de modo isolado, nuns aspetos concretos da vida e noutros não. Por exemplo, ajudar uma criança a não ser caprichosa na comida ou quando brinca, ajudá-lo-á também a comportar-se melhor no mundo digital, e vice-versa.

As novas tecnologias são atrativas para todos. Ensinar virtudes implica que os pais devem saber contagiar a exigência pessoal, dando exemplo de moderação. Se as crianças são testemunhas das nossas lutas, sentir-se-ão estimulados a pôr mais da sua parte. Por exemplo, prestar atenção ao falar com eles; pôr o jornal de lado, retirar o som da televisão, centrar o olhar em quem fala, não estar pendente do telefone. E quando é uma conversa importante, desligam-se os aparelhos para que não nos interrompam. «A educação exige dos pais compreensão, prudência, saber ensinar e, sobretudo, saber amar; e empenhar-se em dar bom exemplo»[7].

Foto: VeronicaVelmont

Quando são mais pequenos

A infância é o momento em que se começa a praticar as virtudes e a aprender o bom uso da liberdade. De facto, é nesta etapa que têm lugar os períodos sensíveis para desenvolver com mais facilidade o caráter; podemos dizer que se constroem as auto-estradas que se percorrerão na vida.

Embora toda a regra geral seja suscetível de matizes, a experiência de muitos educadores diz que quando os filhos são muito jovens é preferível que não tenham dispositivos eletrónicos avançados (tablets, smartphones, consolas). Também por motivos de sobriedade, é aconselhável que sejam de propriedade da família e que, em geral, se tenda a utilizá-los em locais comuns, com um plano para ajudar os filhos a moderar o seu uso, com normas e horários familiares que protejam outros tempos fundamentais destinados ao estudo, ao descanso e à vida de família, e que permitam aproveitar o tempo e descansar as horas oportunas.

Foto: yto

Ao mesmo tempo que as crianças conhecem os benefícios e os limites do mundo digital, convém ensinar-lhes o valor do contacto humano directo que nenhuma tecnologia pode substituir. No momento adequado, é preciso acompanhá-los pelo ambiente digital como um bom guia de montanha, para que não façam mal a si próprios nem aos outros. Consultar juntos a internet, “perder tempo” brincando numa consola ou fixar os ajustes de um Smartphone serão oportunidades concretas para entabular conversas mais profundas. «Os pais e os filhos deveriam discutir juntos o que se vê e se experimenta no ciberespaço. É também útil partilhar com outras famílias que têm os mesmos valores e preocupações»[8].

Nestas idades, seria desproporcionado que tivessem dispositivos ligados constantemente à internet. É melhor que sigam um plano de acesso de tempo determinado, que se liguem apenas em locais e horários claros (desligando a ligação ou desligando o aparelho durante a noite), ao mesmo tempo que se lhes ensina a protegerem-se de situacionais de risco, que tenham a tranquilidade de poder recorrer sempre aos pais. Como ensinava S. Josemaria, «o ideal dos pais concretiza-se em chegar a ser amigos dos filhos: amigos a quem se confiam as inquietações, com quem se consultam os problemas, de quem se espera uma ajuda eficaz e amável»[9].

Adolescentes

Ao chegar à adolescência, os filhos reclamam com grande vigor quotas de liberdade que em muitos casos não são capazes de manejar adequadamente. Isto não significa que se deva privá-los da autonomia que lhes corresponde; trata-se de algo muito mais difícil: é preciso ensinar-lhes a administrar a sua liberdade responsavelmente. Só então serão capazes de conseguir um alargamento de horizontes que lhes permita aspirar a objetivos elevados.

Como afirma Bento XVI, «educar é dotar as pessoas de uma verdadeira sabedoria, que inclui a fé, para entrar em relação com o mundo; equipá-las com suficientes elementos na ordem do pensamento, dos afetos e dos juízos»[10]. Na adolescência a formação adquire-se livremente e, para além das lógicas regras da vida familiar, os pais contam com um recurso fundamental: o diálogo. É importante explicar o porquê de alguns comportamentos, entendidos, talvez, pelo jovem como formalismos; ou as razões de fundo de algumas maneiras de fazer que podem ser vistas como limites, e que na realidade não são simples proibições mas grandes afirmações nas quais se forja uma personalidade autêntica, que sabe ir contra corrente. É mais eficaz mostrar como a virtude é atrativa já agora, tornando presentes os ideais magnânimos que enchem os seus corações, os grandes amores que os movem: a lealdade para com os seus amigos, o respeito pelos outros, a necessidade de viver a temperança e a modéstia, etc.

O trabalho dos pais é facilitado quando conhecem os interesses dos filhos. Não se trata de os espiar, mas de gerar a confiança suficiente para que se sintam à vontade falando do que os atrai, de saber o que lhes interessa e, se for o caso, partilhar tempo e interesses com eles. Há jovens que escrevem blogs ou usam as redes sociais, e os pais não os conhecem ou nunca leram nenhum dos seus textos, pelo que o filho pode pensar que o que eles fazem não interessa ou não agrada aos pais. Para alguns pais, ver com certa frequência o que escrevem e criam os seus filhos na internet suporá uma grata descoberta e um motivo de enriquecimento da conversa e da vida familiar.

Nestas idades é também conveniente fomentar o valor da austeridade quanto aos dispositivos, gadgets e programas (aplicações, etc.). Ensinar a viver o desprendimento, não apenas pelo custo do hardware e do software, mas para «não se deixar dominar pelas paixões, passar de uma coisa para outra sem discernimento, seguir a moda do momento»[11] que, por vezes, é um comportamento induzido pelas empresas e do qual não se podem libertar facilmente.

Será também uma forma de os ensinar a viver a moderação com o tempo que passam nas redes sociais, vídeo consolas, jogos em linha, etc. Ao propor em casa estas linhas conta muito a forma de as explicar e, sobretudo, a coerência dos pais: vivê-las pessoalmente é o melhor modo de as comunicar num ambiente de carinho e liberdade.

Saber explicar os porquês não requer possuir um conhecimento técnico avançado. Em muitos casos os conselhos de que os filhos necessitam para se desenvolverem nos ambientes digitais são os mesmos que asseguram o comportamento nos espaços públicos: boas maneiras, recato e pudor, respeito ao próximo, cuidado com a vista, domínio de si, etc.

De acordo com a idade de cada filho, é crucial manter conversas profundas sobre a educação da afetividade e a verdadeira amizade. Vale a pena recordar-lhes que o que se publica na rede costuma ser acessível a um sem número de pessoas em qualquer parte do mundo e que quase todas as ações que se fazem no meio digital deixam um rasto a que se pode aceder através de buscas. O mundo digital é um grande espaço em que há que mover-se com naturalidade e, ao mesmo tempo, com muito sentido comum. Se na rua, a um filho não ocorre falar com a primeira pessoa com que se cruza, na rede, também não. Uma fluida comunicação familiar ajudará a entender tudo isto e a criar um ambiente de confiança no qual se possam resolver as dúvidas e expressar as incertezas.

Juan Carlos Vásconez

@jucavas

Dezembro 2013


[1] Bento XVI, Mensagem para a XLV Jornada Mundial das Comunicações Sociais (2011).

[2] Cfr. Bento XVI, Mensagem da XLVII Jornada Mundial das Comunicações Sociais (2013).

[3] Cfr. Bento XVI , Menagem para a XLIII Jornada Mundial das Comunicações Sociais,(2009).

[4] Francisco, Discurso ao Conselho Pontifício para as Comunicações Sociais, 21 de setembro de 2013, n. 3.

[5] Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, a Igreja e a Internet, (2002), n. 11.

[6] Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 1839.

[7] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 27

[8] Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, A Igreja e a Internet, (2002), n. 11

[9] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 27

[10] Bento XVI, Discurso aos Bispos italianos, 27 de maio 2008, “A Emergência Educativa”, n. 11

[11] Francisco, Discurso na Basílica de Santa Maria, Maior, 4 de maio de 2013, n. 3.

Juan Carlos Vásconez