D. Alberto Cosme do Amaral fala sobre as peregrinações de S. Josemaria a Fátima

Por ocasião do primeiro aniversário da morte de S. Josémariía Escrivá, D. Alberto Cosme do Amaral, bispo emérito de Leiria-Fátima, pôs em destaque uma das muitas facetas da sua espiritualidade: a devoção a Nossa Senhora, no jornal “A Voz de Domingo” (27 de Junho de 1976).

S. Josemaria em Fátima

Por ocasião do primeiro aniversário da morte de Monsenhor Josemaría Escrivá de Balaguer, fundador do Opus Dei, é para mim motivo de grande alegria destacar uma das muitas facetas da sua espiritualidade: a devoção a Nossa Senhora. Viveu o seu amor à Virgem, amor de enamorado, com a profundidade de um teólogo e a simplicidade de uma criança.

Já antes da sua ordenação apercebeu-se de que o Senhor lhe pedia algo, que ele não sabia concretizar nem definir. Mas tinha o desejo ardente de fazer a vontade de Deus e, por isso, como o cego do Evangelho, suplicava constantemente: «Senhor, que eu veja», e acrescentava «Que seja!».

Desde muito cedo confiou a Nossa Senhora a fidelidade total à sua vocação. Na festa de Nossa Senhora das Mercês, em 1924, (não era ainda sacerdote), gravou na peanha de uma imagem de Nossa Senhora do Pilar esta pequena jaculatória: Domina ut sit – «Senhora, que seja!».

Os alicerces da Obra, que hoje se chama Opus Dei e conta com mais de 60.000 associados de oitenta nacionalidades, apoiam-se na rocha viva da profunda devoção a Nossa Senhora que tinha o seu fundador. Mais tarde escreveria com um saber, fruto de uma experiência intensamente vivida: «O amor à Senhora é prova de bom espírito, nas obras e nas pessoas singulares. Desconfia da empresa que não tenha esse sinal» (Caminho, núm. 505).

O Opus Dei está marcado com esse sinal desde os seus inícios. E o seu fundador percorreu sempre os difíceis caminhos da fidelidade, embalado nos braços amorosos da Mãe de Deus e Mãe dos homens.

Para Monsenhor Escrivá, as peregrinações aos santuários marianos eram uma das expressões mais belas da sua devoção terna e forte a Nossa Senhora. Gostava de as fazer apenas em pequenos grupos, num clima de recolhimento e intimidade. Com que encanto nos fala daquela peregrinação em que estavam apenas três pessoas ao santuário de Sonsoles, nos arredores de Ávila! E as de Loreto ou Lourdes tantas vezes repetidas!

Irmã Lúcia e S. Josemaría

Na década de quarenta fez as primeiras visitas a Portugal para colocar os alicerces do Opus Dei na nossa pátria, que ele amava profundamente e a que gostava de chamar «Terra de San­ta Maria». Para ele, vir a Portugal era o mesmo que ir a Fátima. E foi ali, na Cova da Iria, onde entregou as primícias da Obra, destinada a produzir frutos maravilhosos entre as gentes portugue­sas de todas as condições. Em Tui visitou a irmã Lúcia, então religiosa doroteia, que compreendeu admiravelmente o espírito do Opus Dei: santificação na vida corrente e habitual, contemplação no meio do mundo. Para um membro do Opus Dei a sua cela é a rua. Um episódio curioso: foi Lúcia quem interveio na solução das dificuldades burocráticas para que Monsenhor Escrivá pudesse entrar em Portugal naquele momento. Sendo car­melita em Coimbra, recebeu em diversas ocasiões o fundador do Opus Dei, que amava ardentemente a vida religiosa e em especial as ordens contemplativas. O Carmelo de Santa Teresa, em Coim­bra e a Cova da Iria, em Fátima eram escalas obrigatórias para Monsenhor Escrivá, profundamente contemplativo e mariano.

O fundador do Opus Dei amava com loucura o Romano Pontífice e os Bispos da Santa Igreja. Por isso não fazia nada sem a sua aprovação.

Falou várias vezes com o Bispo de Coimbra, D. António Antunes, que apoiou de braços e coração abertos, o arranque naquela cidade da Obra, que então dava os primeiros passos.

Foi muito próximo do Bispo de Nossa Senhora, D. José Alves Correia da Silva, a quem visitava quando fazia as suas peregrinações à Cova da Iria. Vivia e ensinava a viver aquela norma tão antiga:

Nihil sine Episcopo – nada sem o Bispo. Tinha um particular afeto para com D. José, manifestado em demonstrações evidentes de carinho, como a oferta de umas bonitas sacras para a capela da Casa Epis­copal e um expressivo telegrama que encontrei no arquivo.

Em maio de 1967, dias antes de la peregrinação do Santo Padre, Monsenhor Escrivá fez-se também peregrino do Santuário de Fátima, com aquela devoção filial, afetuosa e terna de que era capaz a sua alma de sacerdote, que sempre quis ser sacerdote, e só sacerdote; sacerdote que amava apaixonadamente Jesus e sua Mãe. Ao cruzar-se nas estradas de Portugal com os milha­res de peregrinos, que a pé se dirigiam rumo a Fátima, exclamava emocionado: «Que Deus vos abençoe pelo amor que tendes à sua Mãe!».

S. Josemaría em Fátima, para pedir pela Igreja

Noutra peregrinação, em 1970, o fundador do Opus Dei veio implorar a proteção da Virgem para a Igreja Santa, ferida pelo desamor e pelos ataques dos seus próprios filhos. Pude vê-lo emocionado percorrer descalço a última etapa da sua peregrinação, rezando com recolhimento o Santo Rosário acompanhado por um pequeno grupo dos seus filhos espirituais. Monsenhor Escrivá, grande teólogo e canonista, confundido com as pessoas simples da nossa terra, com velhinhas piedosas e boas passando as contas do seu terço cheio de medalhas! Era assim o terço de Monsenhor Escrivá, adornado com muitas medalhas que ele beijava devotamente com a ternura e emoção com que beijamos o retrato das nossas mães. Compreendi então como a ciência de um teólogo se pode aliar perfeitamente à piedade de uma criança. Pensei nos pas­torinhos de Aljustrel que viram Nossa Senhora e receberam dela a grande mensagem de salvação para o mundo de hoje, e pensei também nos pequenos e simples do Evangelho a quem o Senhor prometeu o Reino dos Céus.

Última peregrinação de S. Josemaría a Fátima e catequese em Portugal

A última peregrinação de Monsenhor Escrivá ao Santuário de Fátima foi no outono de 1972. Centenas de pessoas das mais variadas procedências uniram-se a ele para rezar devotamente o terço e para receber o saudável influxo da sua forte personalidade humana e sobrenatural. O que mais se destacava neste homem de Deus era a ânsia incontida do próprio Jesus Cristo de salvar todos.

Naquela ocasião levou a cabo em Portugal uma grande catequese, simples e ao mesmo tempo profunda. Milhares de pessoas, em Lisboa e no Porto, principalmente jovens e sacerdotes, puderam ouvir encantadas a palavra evangélica que ele semeava a mãos cheias, em diálogo familiar e comunicativo. As palavras brotavam-lhe de um coração ardente; por isso convencia e arrastava.

No amor à Virgem Santa, Mãe da Igreja e Mãe da Humanidade inteira; no amor à Sagrada Família, a que tanto gostava de chamar a Trindade da Terra; no amor à Trindade do Céu, aprendeu ele a amar todos os homens de todas as raças e condições, culturas e religiões. Com o bom humor que o carac­terizava disse um dia ao Papa João XXIII que não tinha aprendido dele o ecumenismo, já que há muito tempo que o vivia.

O servo de Deus deu-se inteiramente aos homens; amou apaixonadamente o mundo que saiu maravilhoso das mãos de Deus Criador. Chegou mesmo a falar de «materialismo cristão» para dar a entender que as realidades terrenas e temporais, todas as tarefas honestas dos homens, são o lugar e o caminho de santidade para os filhos de Deus. É esta a sua missão: «tornar divinos todos os caminhos da terra», sob a proteção da Virgem Santa Maria, que encarnou a maior santidade de qualquer criatura através da vida normal de cada dia.

Que pela intercessão do fundador do Opus Dei seja finalmente vencida esta grande crise mundial que é uma crise de santos.

Artigo publicado em A Voz Do Domingo

Leiria, 27–VI-76