Quem aprendeu o catecismo em criança não pode deixar de se lembrar do que são os “pequenos sacrifícios”: começa o Advento, começa a Quaresma, é preciso fazer “pequenos sacrifícios”. Deixar o chocolate, deixar os desenhos animados, não brigar com os irmãos, fazer as pazes imediatamente, etc. Ao crescer, talvez durante a adolescência, podemos ter desenvolvido uma ligeira rejeição pela pequenez destas renúncias: alguém pode ter pensado “parece óbvio que estes pequenos sacrifícios não podem mudar nada”.

E parece que São Josemaria tinha certamente em mente este pensamento contra os pequenos sacrifícios, que afinal podem surgir em qualquer idade, quando escreveu: «Outro inimigo hipócrita da nossa santificação: pensar que esta batalha interior tem de dirigir-se contra obstáculos extraordinários, contra dragões que respiram fogo. É outra manifestação de orgulho. Queremos lutar, mas estrondosamente, com clamores de trombetas e tremular de estandartes»^[1].

Toda a gente quer derrotar grandes inimigos interiores, mudar na totalidade e de imediato. Mas, da música ao desporto, sem um mínimo de «disciplina não há resultados, seja em que domínio for. Isto também é verdade, e mais ainda, para um cristão que deseja realizar aquele ideal definido pelo próprio Jesus como o mandamento mais importante: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças. E amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mc 12, 29-31). Quem é que pode pensar que pode amar o próximo como a si mesmo, se não pode renunciar a nada?»^[2].

É este o sentido das mortificações para os cristãos: pequenos sacrifícios que melhoram, pouco a pouco, a nossa capacidade de amar o Senhor e os outros. Trata-se, portanto, de pôr de lado, temporariamente, coisas boas e pelas quais agradecemos a Deus, para exprimir ao Senhor o nosso amor e o facto de que Ele é o bem mais importante para nós. Estes pequenos sacrifícios juntam-se e alimentam o desejo de cada cristão de amar concretamente o seu próximo, através daquilo a que na tradição católica se chama as obras de misericórdia.

O extraordinário destes pequenos sacrifícios é que, quando são feitos com a vontade e o coração, permitem-nos participar no sacrifício de Jesus por cada um de nós. De facto, o Catecismo da Igreja Católica afirma: «O único sacrifício perfeito é aquele que Cristo ofereceu na cruz em oblação total ao amor do Pai e pela nossa salvação (cf. Hb 9, 13-14). Unindo-nos ao seu sacrifício, podemos fazer da nossa vida um sacrifício a Deus»^[3].

Eis então uma lista de 60 pequenos atos de amor e de mortificação que se podem viver durante a Quaresma. São apenas sugestões, e é evidente que o conselho não é fazê-los todos de uma vez, mas escolher alguns e variá-los ao longo do tempo:

Pequenos atos de amor e mortificações no estilo de vida

1. Acordar mais cedo de manhã.

2. Não adiar o despertador, levantar-se logo quando ele tocar.

3. Tomar um duche frio ou lavar as mãos com água fria.

4. Comer menos dos alimentos de que mais gosta e mais dos alimentos de que menos gosta.

5. Não se sentar nos transportes públicos.

6. Não utilizar sal ou açúcar.

7. Não comer pão, chocolate, batatas fritas ou a guloseima preferida.

8. Não fumar.

9. Não beber álcool.

10. Comer menos doces.

11. Não encomendar refeições com uma aplicação de entrega ao domicílio.

12. Não comprar roupa de que não precisa.

13. Não beber uma bebida que adora e consome com frequência.

14. Não olhar ou pesquisar imediatamente algo que intriga.

15. Evitar mexericos.

16. Ver menos um episódio de uma série de televisão.

Pequenos atos de amor e mortificação

17. Assistir às aulas com os cinco sentidos e com um telemóvel silencioso no fundo da mochila.

18. Terminar tudo o que começa.

19. Ser pontual na hora de começar o estudo ou o projeto.

20. Terminar o trabalho à hora combinada.

21. Ir à escola ou universidade todos os dias, sem faltar às aulas.

22. Não chegar atrasado às aulas ou ao trabalho.

23. Não consumir todos os dias em bares perto da escola/faculdade/trabalho.

24. Ajudar um pouco mais os colegas.

25. Ouvir com paciência.

26. Não pensar mal dos fracassos dos outros.

27. Não se queixar perante as exigências do chefe e dos colegas.

28. Não dizer o que pensa a não ser que lhe seja pedido.

29. Responder a mensagens e e-mails sem demorar muito tempo.

30. Não ouvir música enquanto estuda, trabalha ou faz as tarefas domésticas.

Pequenos atos de amor e mortificações que afetam a relação entre si e os outros

31. Sorrir mesmo quando é difícil.

32. Tentar aproximar-se dos outros.

33. Não estar sempre no centro de tudo.

34. Ser mais paciente.

35. Ser otimista.

36. Tentar dar soluções.

37. Ajudar os necessitados.

38. Ajudar mais nas tarefas domésticas.

39. Dar esmolas (sair de casa com moedas na carteira).

40. Fazer trabalho voluntário.

41. Passar tempo com os avós, ouvindo-os sem pressa, mesmo que se repitam.

42. Telefonar aos familiares mesmo quando não nos apetece.

43. Não se queixar do mau tempo.

44. Não se queixar do trânsito.

Pequenos atos de amor e mortificação

45. Passar menos uma hora em frente ao ecrã todos os dias.

46. "Esquecer" os auriculares em casa.

47. Remover as notificações que não estão relacionadas com o trabalho.

48. Não comentar todas as mensagens que poderia ou gostaria de comentar.

49. Ir à casa de banho sem o telemóvel.

50. Não tirar selfies.

51. Não acumular fotografias inúteis.

52. Deixar de usar o telemóvel uma hora antes de se deitar.

53. Não o utilizar durante e imediatamente após o almoço e o jantar.

54. Não ouvir o áudio do WhatsApp a um volume superior.

55. Não enviar áudios do WhatsApp com mais de dois minutos.

56. Fazer um passatempo em vez de estar nas redes sociais.

57. Desinstalar algumas aplicações até ao fim da Quaresma.

58. Não fazer compras compulsivas.

59. Desinstalar jogos.

60. Limitar a utilização das redes sociais durante o dia.

Algumas frases de santos que podem ajudar a viver melhor os pequenos atos de amor e as mortificações

1. Convence-te de que não entrarás no sabor e na doçura do espírito se não te entregares à mortificação de tudo o que desejas. (São João da Cruz)

2. Na vida espiritual, a vida do coração, que é esse pulsar, esse empenhamento, é a mortificação contínua, o diálogo de amor com o Senhor, o recurso à intercessão de Maria, de José, dos Anjos da Guarda. (São Josemaria)

3. Concede-me a graça de compreender uma piada, para que eu conheça alguma alegria na vida e a possa partilhar com os outros. (São Tomás Moro)

4. Tende afeto e paciência para com o vosso próximo. Procurai novos caminhos, novas iniciativas. O amor aguça a inteligência. (Beato Álvaro del Portillo)

5. Há quem, pela abstinência, arruíne o corpo, mas, por não ter moderação, desagrada a Deus. (Santo Antão, Abade)

6. Mais do que para a magnificência das obras, o Senhor olha para o amor com que são feitas. (Santa Teresa de Ávila)

7. A melhor mortificação consiste no fiel cumprimento dos deveres quotidianos. (Beato Álvaro del Portillo)

8. Coisas, pessoas, acontecimentos... há meios para viver mortificado! (São João Bosco)

9. A penitência consiste em suportar com bom humor as mil pequenas contrariedades do dia, comer com agradecimento o que nos servem, sem caprichos importunos. (São Josemaria)

10. Como a água apaga o fogo, assim a esmola expia os pecados. (Sir 3,29)

11. Saber suportar com alegria e discrição alguns aborrecimentos, para tornar a vida agradável aos outros. (São Josemaria)

12. Ponde em prática o conselho do Apóstolo: carregai os fardos uns dos outros, assim cumprireis a lei de Cristo. (Beato Álvaro del Portillo)

13. Devemos procurar sacrifícios que não mortifiquem os que vivem connosco. (São Josemaria)

[1] São Josemaria, Cristo que passa, n. 77.

[2] Luca Brenna, Mortificações: um pequeno rio no imenso oceano do amor de Cristo.

[3] Catecismo da Igreja Católica, n. 2100.