“Vocês contam com a oração de milhares de pessoas”

Homilia de D. Javier Echevarría, prelado do Opus Dei, pronunciada no último dia 31 de maio, durante a cerimônia de ordenação sacerdotal de 26 diáconos do Opus Dei.

D. Javier Echevarría durante a homilia

Caros Irmãos e Irmãs. Caríssimos diáconos.

1. Celebramos a Ascensão do Senhor, solenidade de especial alegria porque nos permite contemplar a Jesus Cristo que, aclamado pela multidão dos anjos, ingressa gloriosamente no céu. Também nós, membros do seu corpo místico, somos chamados na esperança a participar da sua glória (1). Esta segurança ilumina a sombra de tristeza característica desta festa. Também os Apóstolos, ao comprovar que a separação física de Jesus era definitiva, depois dos três anos que passaram ao seu lado, ficam desorientados, com o olhar fixo no Senhor que se afastava. Até que uns anjos lhes dirigiram esta pergunta: homens da Galiléia, que fazeis olhando o céu? Esse Jesus, que acaba de vos ser arrebatado para o céu, voltará do mesmo modo que o vistes subir para o céu (2). Depois os Apóstolos voltaram para Jerusalém com grande alegria (3).

Até que volte gloriosamente à terra, Jesus continua entre nós dos modos mais variados, pelo poder do Espírito Santo. O Concílio Vaticano II ensina que o Senhor «está presente com a sua virtude nos sacramentos, de modo que quando alguém batiza é Cristo quem batiza. Está presente na sua palavra, porque quando alguém lê na Igreja a Sagrada Escritura, é Ele quem fala. Está presente quando a Igreja suplica e canta os salmos, tal como prometeu: “Onde dois ou três se juntem em meu nome, Eu estarei no meio deles” (Mat 18,20)» (4). E está presente, em primeiro lugar, «no Sacrifício da Missa, seja na pessoa do ministro (...), seja, sobretudo, sob as espécies eucarísticas» (5). A esta presença sacramental gostaria de me referir brevemente, de modo a ilustrar o significado da celebração litúrgica em que vão receber a ordenação presbiteral um grupo de diáconos da Prelazia.

2. A recente encíclica de João Paulo II sobre a Sagrada Eucaristia insiste muito num ponto central da doutrina católica: «quando a Igreja celebra a Eucaristia, memorial da morte e ressurreição do seu Senhor, este acontecimento central de salvação torna-se realmente presente (...). Este sacrifício é tão decisivo para a salvação do gênero humano que Jesus Cristo realizou-o e só voltou ao Pai depois de nos ter deixado o meio para dele participarmos como se tivéssemos estado presentes» (6).

Se meditarmos a fundo estas palavras, procurando captar todo o seu sentido, perceberemos que se trata de algo verdadeiramente impressionante. Não temos nada que invejar aos Apóstolos: também nós, homens e mulheres do século XXI, ao participarmos da Santa Missa com fé viva e com piedade sincera, entramos em contato direto com a Morte e Ressurreição do Senhor. A ação salvífica do Verbo feito carne, levada a cabo há dois mil anos, com a qual fomos resgatados do pecado e tornados filhos de Deus, faz-se sacramentalmente presente no Santo Sacrifício do Altar. Como afirmava São Josemaría, “a Santa Missa é um sacrifício real, atual e propiciatório”. Por ser real e atual, temos de nos esforçar cada dia para nos introduzirmos mais e mais nele e assim converter a nossa jornada numa oferta santa, pura e imaculada a Deus Pai, com Cristo, no Espírito Santo. Por ser propiciatório, devem doer-nos as nossas negligências, o não ter sabido colocar como centro da nossa vida, em tantas ocasiões, a Santa Missa.

Sempre será insuficiente qualquer expressão de agradecimento a Jesus Cristo por este dom inestimável. Como recorda o Papa, teríamos de viver sempre prostrados, «em adoração, diante deste Mistério: Mistério grande, Mistério de misericórdia. Que mais podia fazer Jesus por nós? Verdadeiramente, na Eucaristia mostra-nos um amor que chega “ao extremo” (Jo 13, 1), um amor que não tem limites» (7).

Pois bem, precisamente para assegurar a presença real e atual do Sacrifício da Cruz no mundo, até o final dos tempos, Jesus Cristo instituiu o sacramento da Ordem. Graças a esse sacramento, o Senhor escolhe, consagra e envia alguns homens para que o representem visivelmente diante dos outros homens. Quando proclamam a palavra de Deus ou administram os sacramentos, os sacerdotes atuam in persona Christi. Estas palavras – como escreve o Santo Padre – significam «mais do que “no nome de”, ou “em vez de” Cristo. “In persona”: isto é, na identificação específica, sacramental com o “Sumo e Eterno Sacerdote”, que é o Autor e o Sujeito do seu próprio Sacrifício, no qual, em realidade, não pode ser substituído por ninguém» (8).

Os sacerdotes são instrumentos vivos da Humanidade Santíssima do Senhor; é Ele que, do Céu, atua através deles, de modo muito especial na Missa e na Confissão. São Josemaría gostava de considerar esta realidade. Numa das suas reflexões, dizia: “Chego ao altar e a primeira coisa que penso é: Josemaría, tu não és Josemaría(...): és Cristo. Todos os sacerdotes somos Cristo. Eu empresto ao Senhor a minha voz, as minhas mãos, o meu corpo, a minha alma: dou-lhe tudo. É Ele que diz: isto é o meu Corpo, este é o meu Sangue, quem consagra. Se não, eu não o poderia fazer. Assim se renova de modo incruento o divino Sacrifício do Calvário. De tal maneira que estou aí, in persona Christi, fazendo as vezes de Cristo. O sacerdote desaparece como pessoa concreta” (9).

São Josemaría, modelo de existência plenamente sacerdotal

3. Dirijo-me agora a vós, meus filhos diáconos. Nas reuniões que tivemos nos meses de preparação para o presbiterado, falei-vos do nosso Padre como modelo de existência plenamente sacerdotal. Conheceis muitos pormenores da sua vida, que deverão servir para gravar a fogo nas vossas almas o seu fascinante exemplo de conduta sacerdotal e para vos converterdes em instrumentos fidelíssimos do Senhor na obra da santificação das almas.

Gostaria de trazer à vossa memória, agora, um desses traços tão significativos, intimamente unidos à representação visível de Cristo Sacerdote, Mestre e Pastor, que vos é confiado como missão. Refiro-me à necessidade de ser, em cada momento, transparência viva do Senhor, de modo que os fiéis – ao olhar-vos, ao escutar as vossas exortações, ao contemplar o vosso comportamento – descubram o rosto santo e misericordioso do Redentor.

Repito-vos com palavras de S. Josemaría: “pede-se ao sacerdote que aprenda a não estorvar nele a presença de Cristo, especialmente naqueles momentos em que realiza o Sacrifício do Corpo e do Sangue e quando, em nome de Deus, na Confissão sacramental auricular e secreta, perdoa os pecados. A administração destes dois Sacramentos é tão capital na missão do sacerdote, que todo o resto deve girar à sua volta” (10). A meta é alta, mas não inatingível, porque o Senhor vos concede a sua graça abundantemente. Esta segurança dar-vos-á uma paz inquebrantável. Meditai nos ensinamentos de S. Gregório de Niza a propósito do sacerdote: «Ontem e anteontem era um a mais do povo; de repente aparece como guia, preceptor, mestre de piedade, ministro dos sagrados mistérios. Cumpre com tudo isto sem ter mudado em nada o seu aspecto corporal ou a presença exterior. Aparentemente continua a ser o que era, mas por uma força invisível, por uma graça particular, a sua alma muda para melhor» (11). Vocês, além disso, contam com uma profunda preparação científica e espiritual e, o que é mais importante, com a oração de milhares de pessoas.

A todos sai espontaneamente o pedido ao Bom Pastor para que envie sacerdotes santos à sua Igreja. Pedimos em primeiro lugar pelo Santo Padre, que com tanta generosidade gasta as suas energias em serviço da Igreja e de toda a humanidade; pelo Cardeal Vigário de Roma, pelos Bispos e demais ministros sagrados. E vós, pais e irmãos dos novos sacerdotes, agradecei ao Senhor o carinho com que distinguiu a vossa família: procurai corresponder a tanta predileção mediante a renovação da vossa vida cristã. A minha mais cordial felicitação a todos.

Nossa Senhora esteve associada de modo único ao Sacrifício da Cruz. No Calvário, na pessoa de S. João, recebeu a missão de ser Mãe de cada um dos discípulos do seu Filho e, de modo particular, dos sacerdotes. «Com toda a sua existência ao lado de Cristo, e não apenas no Calvário, Maria viveu a dimensão sacrifical da Eucaristia» (12). Se a tratamos com piedade de filhos, se rezamos bem o Rosário, contemplando os mistérios, especialmente neste ano dedicado a esta devoção Mariana, entraremos – como destaca o Santo Padre – na escola de Maria, mulher “eucarística” (13), e progrediremos mais e mais no amor a Deus e aos outros por Deus. Assim seja.

(1) Oração Coleta.

(2) Primeira leitura (At. 1, 11).

(3) Luc 24, 52.

(4) CONCÍLIO VATICANO II, Const. Sacrosantum Concilium, n. 7.

(5) Ibidem.

(6) JOÃO PAULO II, Litt. Enc. Ecclesia de Eucharistia, 17.IV.2003, n. 11.

(7) Ibidem.

(8) JOÃO PAULO II, Litt. apost. Dominicae cenae, 24.II.1980, n. 8.

(9) SÃO JOSEMARÍA, Apontamentos tomados da pregação, 10.V.1974.

(10) SÃO JOSEMARÍA, Homilia Sacerdote para a eternidade, 13.IV.1973.

(11) SÃO GREGÓRIO DE NIZA, Homilia no Batismo de Cristo.

(12) JOÃO PAULO II, Litt. Enc. Ecclesia de Eucharistia, 17.IV.2003, n. 56.

(13) Cfr. Ibidem, cap. VI.