Um livro profundamente humano

Em finais de 1932, o Fundador do Opus Dei, um jovem sacerdote espanhol chamado Josemaria Escrivá, policopiou num copiógrafo primitivo um folheto de 15 páginas intitulado Consideraciones espirituales, que distribuiu às pessoas a quem prestava aconselhamento espiritual.

Em finais de 1932, o Fundador do Opus Dei, um jovem sacerdote espanhol chamado Josemaria Escrivá, policopiou num copiógrafo primitivo um folheto de 15 páginas intitulado Consideraciones espirituales, que distribuiu às pessoas a quem prestava aconselhamento espiritual.

O folheto continha 262 considerações numeradas. Durante os sete anos seguintes reviu-o e acrescentou novo material. Publicou, em 1939, uma versão muito ampliada sob o título Caminho. Desde então foram vendidos mais de 4,5 milhões de exemplares em 46 línguas. A primeira edição inglesa foi publicada na Irlanda em 1953 e a primeira edição americana apareceu um ano depois. A versão americana mais recente está a ser publicada pela Doubleday.

Caminho, mais do que escrito, foi compilado de uma série de apontamentos breves que São Josemaria ia anotando a partir de episódios que chamaram a sua atenção em conversas, em cartas que recebia e na oração. Não é um tratado sistemático, nem um manual. Como D. Javier Echevarría assinala na sua introdução à edição da Doubleday, o livro é antes feito de frases e fragmentos de conversas, orais e escritas, que o autor manteve com as pessoas que procuravam o seu aconselhamento espiritual e, acima de tudo, do seu diálogo com Deus na oração. Embora seja o reflexo de muitos aspectos do espírito do Opus Dei, que São Josemaria tinha fundado em 1928, foi pensado para um público mais vasto do que os membros do Opus Dei, e na verdade nem sequer menciona o Opus Dei ao longo livro.

Quem abre as páginas de Caminho com o desejo de se aproximar de Deus sente-se convidado a tomar parte nos diálogos de São Josemaria com Deus e com os seus amigos, e a continuar o diálogo por si próprio, falando com Deus servindo-se das suas próprias palavras, e acerca da sua própria vida.

Caminho dirige-se ao leitor com o mesmo vigor claro e sem rodeios que caracterizava as conversas privadas de São Josemaria com os seus amigos, um vigor claro e sem rodeios que poderia ter sido desmotivador e até ofensivo, não fosse o calor do seu carinho. Não hesita em corrigir defeitos, precisamente porque a pessoa com quem está a falar é um amigo, e um amigo de quem muito espera. Por isso diz:

Não sejas tão... susceptível. - Magoas-te por qualquer coisa. - É preciso medir as palavras para falar contigo do assunto mais insignificante.

Não te ofendas se te digo que és... insuportável. - Enquanto não te corrigires, nunca serás útil. (Caminho, 43)

O objectivo de São Josemaria não consistia em elaborar reflexões teóricas, mas em levar os seus ouvintes a pôr em prática a sua fé, a procurar Jesus Cristo e a viver em união com Ele na sua vida quotidiana. “Vou reavivar as tuas recordações” diz o autor no Prólogo, “ para que se eleve algum pensamento que te fira, e assim melhores a tua vida…”

Melhorar a nossa vida é uma tarefa multi-facetada que exige crescimento na fé, esperança e caridade, e nas virtudes humanas tais como justiça, prudência, autenticidade, sinceridade, fortaleza, e interesse pelos outros, etc. Mas São Josemaria não se contenta com o crescimento em virtudes dos seus leitores. Quer que “entrem por caminhos de oração e de Amor.” (Caminho, Prólogo.)

Esta oração, a que São Josemaria conduz os seus leitores, não é mera repetição de fórmulas, mas conversa, diálogo pessoal com Deus. Escreveste-me: "Orar é falar com Deus. Mas de quê?". De quê?! D'Ele e de ti; alegrias, tristezas, êxitos e fracassos, ambições nobres, preocupações diárias..., fraquezas; e acções de graças e pedidos; e Amor e desagravo.

Em duas palavras: conhecê-Lo e conhecer-te - ganhar intimidade!” (Caminho, 91).

São Josemaria não compõe mais um método estruturado de oração aos vários métodos desenvolvidos ao longo de séculos por autores católicos. Respeita a liberdade e autonomia do leitor para desenvolver o seu modo próprio de orar, movido pelo Espírito Santo.

“Não sabes orar? - Põe-te na presença de Deus, e logo que começares a dizer: "Senhor, não sei fazer oração!...", podes ter a certeza de que começaste a fazê-la”. (Caminho 90).

Embora São Josemaria não prescreva um método particular, a maneira como encara a oração (e, ao fim e ao cabo, a vida) está impregnada de um vivo sentido da paternidade de Deus e da consciência de ser um filho muito querido de Deus.

“É preciso convencermo-nos de que Deus está junto de nós continuamente. - Vivemos como se o Senhor estivesse lá longe, onde brilham as estrelas, e não consideramos que também está sempre ao nosso lado.

E está como um pai amoroso - quer mais a cada um de nós do que todas as mães do mundo podem querer a seus filhos - ajudando-nos, inspirando-nos, abençoando... e perdoando.

Quantas vezes fizemos desanuviar a fronte dos nossos pais, dizendo-lhes, depois de uma travessura: não torno a fazer mais! - Talvez naquele mesmo dia tenhamos tornado a cair... - E o nosso pai, com fingida dureza na voz, de cara séria, repreende-nos..., ao mesmo tempo que se enternece o seu coração, conhecedor da nossa fraqueza, pensando: pobre rapaz, que esforços faz para se portar bem!

É necessário que nos embebamos, que nos saturemos de que é Pai e muito Pai nosso, o Senhor que está junto de nós e nos Céus.” (Caminho, 267).

A convicção de que Deus nos ama como um pai carinhoso explica a alegria e o optimismo que caracterizam Caminho:

“A alegria que deves ter não é aquela a que poderíamos chamar fisiológica, de animal sadio, mas uma outra, sobrenatural, que procede de abandonar tudo e de te abandonares a ti mesmo nos braços carinhosos do nosso Pai-Deus.” (Caminho, 659)

Caminho é um livro imensamente jovial e animador. Interpela os leitores e pede-lhes que ajudem Cristo a levar a Sua cruz, mas transborda da convicção de São Josemaria de que “A aceitação rendida da Vontade de Deus traz necessariamente a alegria e a paz; a felicidade na Cruz. - Então se vê que o jugo de Cristo é suave e que o seu peso é leve.” (Caminho, 758).

São Josemaria diz no Prólogo, “Não te contarei nada de novo”. É verdade que Caminho está profundamente enraizado no Evangelho, e nesse sentido não tem nada de novo. Mas, pelos anos 30, a mensagem de São Josemaria — de que todos os cristãos estão pessoalmente chamados por Deus a procurar a santidade, e que esta pode ser procurada e encontrada na vida quotidiana normal – foi uma mensagem surpreendente.

Esta mensagem acerca da chamada universal à santidade foi assumida pelo Concílio Vaticano II e faz agora parte dos ensinamentos da Igreja Católica. Contudo, Caminho, não se limita a anunciar esta verdade. Propõe a santidade na vida quotidiana como uma meta efetiva para cristãos normais que exercem uma profissão e cuidam das suas famílias, e oferece-lhes modos práticos de progredirem em direção a essa meta. E assim Caminho permanece tão fresco e até tão surpreendente como quando começou a circular sob a forma de notas policopiadas há quase 75 anos…

John F. Coverdale é Professor na Faculdade de Direito da Universidade de Seton Hall. Fez o Doutoramento em História na Universidade de Wisconsin e formou-se em Direito na Universidade de Chicago. Viveu em Roma de 1961 a 1968 onde teve o privilégio de trabalhar com São Josemaria. É autor de vários livros de história de Espanha e, mais recentemente, de Uncommon Faith, uma história dos primeiros anos do Opus Dei.