São Josemaria e a Irlanda

Em 1916 o jovem Josemaria Escrivá, com 15 anos seguia avidamente os acontecimentos da Irlanda. “Acima de tudo, rezei muito pela Irlanda. Não era contra a Inglaterra; era a favor da liberdade de religião”.

Em 1916 o jovem Josemaria Escrivá seguia avidamente os acontecimentos da Revolta da Páscoa na Irlanda. “Tinha então quase 15 anos e lia com ânsia tudo o que os jornais publicavam sobre os acontecimentos da I Grande Guerra. No entanto, acima de tudo, rezei muito pela Irlanda. Não era contra a Inglaterra; era a favor da liberdade de religião”.

“Nessa época, São Josemaria lia as notícias sobre a luta de vocês pela fé e pela liberdade no seu país. Como rezou por vocês! Como se mortificou – com pequenas mortificações próprias de um jovem: não comendo manteiga e com outras atitudes de renúncia… Ouvi-lhe contar estas coisas várias vezes ao longo da sua vida. Ofereceu tudo isto pelo seu país, que costumava chamar-se a Ilha dos Santos, porque o Senhor lhe permitiu ver o amor especial, a particular providência que Ele sempre demonstrou pelo seu país. Por isso a Irlanda merece o afeto e a compreensão de todos os católicos. Herdei do nosso Fundador este amor pela Irlanda, por isso aqui estou – feliz, cheio de alegria e afeto – como se estivesse na minha terra” Dom Álvaro del Portillo (primeiro sucessor de São Josemaria), em Dublim, 4 de Agosto de 1980.

Um jornal espanhol, 2 de junho 1916

José Ramón Madurga, engenheiro espanhol, foi para a Irlanda em Outubro de 1947, a pedido de São Josemaria, para começar o trabalho do Opus Dei. A Residência Universitária Nullamore em Dartry, Dublin, foi um dos primeiros empreendimentos apostólicos. À inauguração oficial, em 1954, assistiu o Primeiro-Ministro de então, John A. Costello; o líder da Oposição, Eamon de Valera; o Presidente da UCD, Prof. Michael Tierney; o Lord Mayor de Dublin, Alfie Byrne; e o Arcebispo de Dublin, D. John Charles McQuaid.

Seguindo os bons resultados de Nullamore, foram sendo instaladas outras residências de estudantes: Northbrook (Ranelagh), em 1953; Gort Ard (Salthill, Galway), em 1958, e Ely (Hume Street, Dublin) em 1959.

Nesse mesmo ano, São Josemaria – que os membros do Opus Dei e muitas outras pessoas tratavam por Padre – foi passar alguns dias à Irlanda. Animou os que tinham entrado para o Opus Dei e os que participavam das suas atividades de formação, e incentivava também o desenvolvimento de novos empreendimentos apostólicos.

Outras residências foram instaladas após a sua visita: Glenard (Clonskeagh, Dublin) em 1962; Ros Geal (University Road, Galway) em 1972; Cleraun (Mount Merrion, Dublin) em 1982; e Castleville (Castletroy, Limerick) em 1985. Também surgiram diversos clubes juvenis, tais como Nullamore e Glenbeag, em Milltown, Dublin e the Anchor Youth Club em Artane, Dublin, e ainda centros de formação em hospitalidade e educação como o Lismullin Hospitality Services Centre (Navan, Co. Meath).

Sábado, 15 de Agosto

São Josemaria chegou ao aeroporto de Dublin por volta das 20h de Sábado, Festa da Assunção de Nossa Senhora. Esta seria a sua primeira e única visita à Irlanda. Vinha de Londres, onde tinha passado o Verão. Mais tarde comentou que não foi por acaso que tinha chegado à Irlanda numa das festas mais importantes do ano.

Do aeroporto São Josemaria seguiu para Ely, o centro do Opus Dei na Hume Street, onde ficou durante cinco dias. Durante a sua estadia, salientou a mensagem central do Opus Dei, um “caminho de santificação no trabalho profissional e no cumprimento dos deveres cotidianos do cristão” (da oração de São Josemaria).

Disse às pessoas com quem se encontrou que deviam ser muito santas, e que deviam ser “muito alegres, muito alegres, porque ser de outro modo não é bom”.

Domingo, 16 de Agosto

Dirigindo-se aos que estavam lançando os alicerces do desenvolvimento do Opus Dei na Irlanda disse: “Dai graças a Deus, meus filhos, porque embora não consigais muito, embora não o mereçais – também eu sou uma criatura insignificante – Deus escolheu-vos para começar a Obra na Irlanda e para fazer de vós instrumentos das suas maravilhas” (ação de graças após a Missa de Domingo, de manhã, em Ely).

Depois do café da manhã em Ely, São Josemaria foi a Nullamore, residência de estudantes em Dartry onde cerca de 40 jovens de vários países estavam fazendo um curso de língua inglesa. Ficou encantado ao ver tantos jovens de diferentes nacionalidades.

Durante a manhã, visitou em Crannton as encarregadas do catering para Nullamore. Comentou a uma que estava ensinando as jovens irlandesas que tinham pedido a admissão no Opus Dei: “Percebes, minha filha, de que confiamos em ti, de que serias exemplo e ajuda para as tuas irmãs?”

Numa entrevista concedida em 1960 a uma revista feminina espanhola, São Josemaria sublinhou o importante papel da mulher no trabalho doméstico: “Através dessa profissão — porque o é, verdadeira e nobre — influem positivamente, não só na família, mas também numa multidão de amigos e de conhecidos, em pessoas com as quais de um modo ou de outro se relacionam, realizando uma tarefa bem mais extensa, muitas vezes, do que a de outras profissões”.

São Josemaria com a família Mulcahy

Segunda-feira 17 de Agosto

Durante a manhã, São Josemaria encontrou-se com a família do padre Dick Mulcahy, que, apenas uma semana antes, se tornara o segundo sacerdote do Opus Dei na Irlanda. Celebrou a sua Primeira Missa na capela do convento das Irmãs da Caridade em Donnybrook, cuja superiora era sua tia. O fundador comentou divertido que numa fotografia que tinha aparecido no jornal da manhã anterior, a família se tinha alinhado em estilo militar.

O padre Dick contou como os seus pais tinham ficado impressionados com este encontro: “Raramente vi os meus pais tão emocionados. O meu pai queixava-se de que devíamos tê-lo preparado para apreciar devidamente a grande ocasião de conhecer o Padre. Mal conseguia dirigir no regresso para casa, de tão comovido que estava. Ficou muito sensibilizado com o afeto e profundidade do Padre”.

São Josemaria, mais tarde, foi para Oeste, para Galway onde se encontrou com um grupo de homens casados que estavam frequentando um curso de formação em Gort Ard, o centro do Opus Dei em Galway. Animou-os a não recearem ter famílias numerosas, dizendo que cada criança traz o seu pão debaixo do braço, e que ninguém devia pôr limites à vida. Frisou como era importante que amassem muito as suas mulheres – tal como o faziam antes de se casarem - e que exprimissem esse amor de muitos modos. Quando lhe contaram que um dos presentes - Jack McGarry – tinha oito filhos, deu-lhe um abraço e disse “Que Deus te abençoe oitenta vezes – e à tua mulher e aos teus filhos também”.

Quando um jovem de Galway, Oliver Powell, lhe perguntou se gostava de Gort Ard, São Josemaria esclareceu, de modo divertido, que tinha vindo para ver pessoas e não edifícios: “O que me interessa são os pássaros, não a gaiola!”.

Na Terça-feira de manhã, São Josemaria teve um encontro na residência Northbrook para mulheres, em Ranelagh. Aí falou para um grupo e animou-as a trabalharem no serviço de Deus e para bem do país. Descreveu-lhes também o imenso panorama que as aguardava para divulgar os ensinamentos de Cristo no mundo inteiro.

Falou, mais tarde, a um grupo de estudantes que tinha vindo de outros países para frequentar um curso de língua inglesa em Northbrook. Incentivou-as a crescer em piedade e virtude para serem instrumentos de Cristo no meio do mundo.

Em Nullamore, na Terça-feira, escreveu uma dedicatória numa Bíblia de formato grande: “ Omnia in bonum, Josemaria, Dublim, 18-VIII-59”. “ Omnia in bonum” era uma expressão que habitualmente usava parafraseando os ensinamentos de São Paulo: “Nós sabemos que Deus concorre em tudo para o bem dos que O amam, daqueles que, segundo o seu desígnio, são escolhidos” (Rom 8: 28).

Ao fim da manhã, teve lugar um encontro com o Arcebispo de Dublin, John Charles McQuaid. O padre Liam Martin, que trabalhava com o Arcebispo, contou muitos anos mais tarde que o Arcebispo dissera que ter-se encontrado com o fundador do Opus Dei tinha sido um momento de graça, que havia algo carismático nele. No fim do encontro o Arcebispo desceu para abrir a porta do carro ao seu visitante, coisa que o padre Martin nunca o tinha visto fazer.

Seguiu-se a visita a um dos belos locais históricos da Irlanda: o Rock of Cashel, em Co.Tipperary. Os visitantes partiram depois do almoço e regressaram à noite. Jantaram no Hotel Cahir House.

Em 26 de Junho de 2009, o Arcebispo Diarmuid Martin comentou: “São Josemaria encontrou-se com o meu predecessor, o Arcebispo McQuaid, na sua residência em Killiney. No caminho passou, muito provavelmente, por aquilo que era então uma igreja grande, impressionante, acabada de construir em Merrion Road, nunca imaginando que esta igreja, cinquenta anos mais tarde, seria um ponto central para os seus seguidores, que se dedicam a responder ao chamamento à santidade e ao compromisso de levar a mensagem de amor de Jesus a um mundo que mudou tão radicalmente neste espaço de tempo.” (Homilia, igreja da paróquia de Nossa Senhora, Rainha da Paz, em Merrion Road, Dublin, que entregou ao cuidado de sacerdotes do Opus Dei em 2008).

Na praça do mercado de Cahir foi colocada uma placa, em Agosto de 2009. O texto diz: “São Josemaria Escrivá de Balaguer (1902-1975), fundador do Opus Dei, visitou a cidade de Cahir em 18 de Agosto de 1959 durante a sua única viagem à Irlanda. Foi canonizado pelo Papa João Paulo II em Roma, a 6 de Outubro de 2002. Esta placa foi colocada na praça do mercado em comemoração dessa visita e como lembrança da sua mensagem, segundo a qual o segredo da felicidade consiste em encontrar Deus no meio da rua e na azáfama da vida cotidiana.”

“A Irlanda tem uma missão perante o mundo particularmente perante o mundo que fala Inglês, que é metade do mundo. A Irlanda é uma maravilha e uma consolação para Deus, com um povo tão encantador...”

Quarta-feira 19 de Agosto

São Josemaria teve, durante a manhã, encontros tanto em Northbrook como em Ely. Em Ely encorajou os presentes a serem prestativos e agradáveis e a fazerem os outros felizes, não serem contra ninguém, e nunca guardarem ressentimentos. Quanto às faltas e fracassos: “não se aflijam, levantem-se de novo, pois sem faltas e fracassos que teríamos para continuar a ser humildes?”

Embora São Josemaria precisasse de tradutor de espanhol para inglês, era inequívoco que o seu dom de comunicador ultrapassava essas barreiras. Como frisou em Northbrook a um grupo de mulheres casadas: “Compreendeis-me? Compreender-me-íeis mesmo que eu estivesse falando em chinês!” Uma delas lembra: “A recordação indelével que guardo desse encontro com São Josemaria em Northbrook, em 1959, é o seu afeto e bom humor. Quando estava falando conosco, a sua face iluminava-se com entusiasmo e senti que estava deveras encantado por nos ver ali, enquanto falava do nosso papel como esposas e mães”.

São Josemaria deixou a Irlanda às 19h45 de Quarta-feira. Na semana seguinte, em Londres, comentou ao padre Dick Mulcahy que estava encantado com a sua visita à Irlanda, que estava tão feliz como uma criança que coloca o dedo num frasco de geleia de morango e o lambe”.

Reportagem sobre São Josemaria e a Irlanda (em Inglês).