Santuário "Dominus Flevit" Ao ver a cidade, chorou por ela

A Paixão de Jesus é manancial inesgotável de vida. Umas vezes, renovamos o gozoso impulso que levou o Senhor a Jerusalém. Outras, a dor da agonia que concluiu no Calvário... Ou a glória do seu triunfo sobre a morte e o pecado. Mas, sempre! O amor – gozoso, doloroso, glorioso – do Coração de Jesus Cristo

Santuário Dominus Flevit: a forma do telhado recorda uma lágrima. Foto: ALFONSO PUERTAS

A Paixão de Jesus é manancial inesgotável de vida. Umas vezes, renovamos o gozoso impulso que levou o Senhor a Jerusalém. Outras, a dor da agonia que concluiu no Calvário... Ou a glória do seu triunfo sobre a morte e o pecado. Mas, sempre! O amor – gozoso, doloroso, glorioso – do Coração de Jesus Cristo[1].

Contemplamos esse amor infinito de Jesus desde os primeiros passos do mistério pascal, quando se dispõe a cumprir a sua entrada messiânica na cidade de Davi, chegando pelo caminho de Betânia e Betfagé. Narram os evangelistas que enviou dois dos discípulos a uma aldeia próxima, e ali pegaram um burrinho, sobre o qual sentaram o Senhor. E, enquanto descia a ladeira do monte das Oliveiras, entre os louvores que a multidão dirigia a Deus, ao ver a cidade, chorou sobre ela, dizendo:

– Se tu também compreendesses hoje o que te pode trazer a paz! Agora, porém, está escondido aos teus olhos! Dias virão em que os inimigos farão trincheiras, te sitiarão e te apertarão de todos os lados. Esmagarão a ti e a teus filhos, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não reconheceste o tempo em que foste visitada[2].

Aquele pranto de Cristo é recordado no santuário do Dominus Flevit, situado na ladeira ocidental do monte das Oliveiras. Trata-se de uma pequena capela construída pela Custódia da Terra Santa em 1955, em um terreno que pertencia às religiosas beneditinas que têm o seu mosteiro no cume. Se bem que não exista localização tradicionalmente exata relacionada com o fato evangélico – pois foi mudando com as épocas –, o lugar atual conserva vestígios da presença cristã desde os primeiros séculos: as escavações arqueológicas realizadas entre 1953 e 1955 levaram a encontrar uma necrópole com cem túmulos – que vão da idade do bronze aos períodos romano, herodiano e bizantino – e os restos de uma capela e um mosteiro que, por alguns pavimentos de mosaico, poderiam ser datados por volta do século VII.

Chega-se a Dominus Flevit por um caminho bastante íngreme que liga Getsêmani e o cume do monte das Oliveiras. A maior parte dessa encosta – que corresponderia ao vale de Josafat bíblico[3] – está ocupada por cemitérios judeus. Ao entrar na propriedade dos franciscanos, um caminho ladeado de ciprestes, oliveiras e palmeiras conduz à igreja. Ao redor, podem apreciar-se diversos achados arqueológicos. O edifício, em forma de cruz grega e com uma cúpula de arcos em ponta, está orientado para oeste e apresenta uma grande vidraça na abside, aberta sobre a Cidade Santa: mostra ao peregrino o mesmo panorama que teria visto Jesus quando desceu de Betfagé. Nas paredes, quatro relevos representam cenas relacionadas com a entrada messiânica de Cristo; e no frontal do altar, um mosaico faz referência a outra lamentação do Senhor:

- Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas aqueles que te foram enviados! Quantas vezes eu quis reunir teus filhos como uma galinha reúne seus pintainhos debaixo das asas, mas não quisestes! Vede, vossa casa ficará deserta. Pois eu vos digo: desde agora não mais me vereis até que digais: “Bendito aquele que vem em nome do Senhor!”[4].

A vista do extremo do recinto para a cidade antiga é maravilhosa, especialmente de manhã, quando os raios do sol iluminam a pedra dos edifícios: aos pés, o Cédron, que separa Jerusalém do monte das Oliveiras; na vertente oriental da torrente, os cemitérios judeus, e na ocidental, junto à muralha, os muçulmanos; em frente, a esplanada do antigo Templo, hoje das mesquitas, com a Cúpula da Rocha no centro e a de Al-Aqsa à esquerda; atrás, as cúpulas da basílica do Santo Sepulcro e, um pouco mais longe, à direita, a torre espigada do convento franciscano de São Salvador, sede da Custódia da Terra Santa; ao sul da muralha, as escavações arqueológicas na colina do Ofel e a antiga Cidade de Davi; mais além, entre algumas árvores, se divisa a igreja de São Pedro in Gallicantu; e ao fundo, na linha do horizonte, a basílica e a abadia beneditina da Dormição, no monte Sião.

Durante a sua peregrinação à Terra Santa, em 1994, Dom Álvaro del Portillo rezou no santuário do Dominus Flevit na manhã do dia 18 de Março, depois de ter celebrado a Missa na basílica do Santo Sepulcro.

Ao redor da cúpula, quatro relevos mostram cenas relacionadas com a entrada de Jesus em Jerusalém

A entrada messiânica do Senhor

“A entrada de Jesus em Jerusalém manifesta a vinda do Reino que o Rei-Messias, acolhido em sua cidade pelas crianças e pelos humildes de coração, vai realizar por meio da Páscoa de sua Morte e Ressurreição”[5].

A multidão dos discípulos, ao verificar o cumprimento dos oráculos proféticos e sentir próxima a manifestação do Reino, acompanha Cristo gozosamente: “gentio, festa, louvor, bênção, paz. Respira-se um clima de alegria. Jesus despertou no coração tantas esperanças, sobretudo entre as pessoas humildes, pobres, esquecidas, essas que não contam aos olhos do mundo. Ele soube compreender as misérias humanas, mostrou o rosto de misericórdia de Deus e inclinou-se para curar o corpo e a alma. Este é Jesus. Este é o seu coração atento a todos nós, que vê as nossas debilidades, os nossos pecados. O amor de Jesus é grande. E, assim, entra em Jerusalém com esse amor, olha para todos nós. É uma bela cena, cheia de luz – a luz do amor de Jesus, do seu coração –, de alegria, de festa”[6].

Ao mesmo tempo, esse júbilo é perturbado pelo pranto do Senhor. O seu gesto de se dirigir para a Cidade Santa montado num burrinho era um derradeiro chamamento ao povo: pelas entranhas de misericórdia do nosso Deus – Zacarias tinha dito no Benedictus – o Sol nascente nos visitará do alto, para iluminar os que estão nas trevas, na sombra da morte, e dirigir nossos passos no caminho da paz[7]; contudo, Jerusalém, que tinha visto tantos sinais do Mestre, não soube reconhecê-lo como Messias e Salvador. São Josemaria condensava em traços vigorosos o contraste tremendo entre a doação de Jesus Cristo e a recusa dos homens:

Veio salvar o mundo, e os seus O negaram diante de Pilatos.
Ensinou-nos o caminho do bem, e O arrastaram pelo caminho do Calvário.
Deu exemplo em tudo, e preferem um ladrão homicida.
Nasceu para perdoar, e — sem motivo — O condenam ao suplício.
Chegou por sendas de paz, e declaram-Lhe a guerra.
Era a Luz, e entregam-nO ao poder das trevas.
Trazia Amor, e pagam-Lhe com ódio.
Fez-se servo para nos libertar do pecado, e O pregam na Cruz.
Tomou carne para nos dar a Vida, e nós O recompensamos com a morte
[8].

Ao considerar que Jesus continua hoje visitando o seu povo, cada um de nós – porque é nosso Salvador, porque nos ensina por meio da pregação da Igreja, porque nos dá o seu perdão e a sua graça nos sacramentos – temos que examinar a qualidade da nossa resposta:

Queres saber como agradecer ao Senhor o que fez por nós?... Com amor! Não há outro caminho. Amor com amor se paga. Mas a certeza do carinho, é o sacrifício que a dá. Portanto, ânimo! Nega-te e toma a sua Cruz. Então terás a certeza de Lhe devolver amor por Amor[9].

Nas necrópoles foram encontrados vestígios de presença cristã nos séculos I e II


[1] Via Sacra, XIV estação, ponto 3.

[2] Lc 19, 41-44.

[3] Cf. Joel 4, 2.12.

[4] Mt 23, 37-39; cf. Lc 13, 34-35.

[5] Catecismo da Igreja Católica, n. 570.

[6] Francisco, Homilia, 24/03/2013.

[7] Lc 1,79.

[8] Via Sacra, XIII estação, ponto 1.

[9] Ibid, V estação, ponto 1.