"Que nossa mão seja instrumento da mão unificadora de Deus"

Audiência geral do Santo Padre na Semana de oração pela unidade dos cristãos.

São Paulo Extramuros

Queridos irmãos e irmãs

No domingo passado foi iniciada a «Semana de oração pela unidade dos cristãos», que se conclui com a festa da Conversão de São Paulo Apóstolo. Trata-se de uma iniciativa espiritual belíssima, que está se estendendo cada vez mais entre os cristãos, em sintonia, e poderíamos dizer, em resposta à importante invocação que Jesus dirigiu ao Pai no cenáculo, antes de sua Paixão: «Que sejam uma só coisa, para que o mundo creia que Tu me enviaste» (João 17, 21).

Durante esta oração sacerdotal, em quatro ocasiões, o Senhor pede a seus discípulos que sejam «uma só coisa», segundo a imagem da unidade entre o Pai e o Filho. Trata-se de uma unidade que pode crescer apenas seguindo o exemplo da entrega do Filho ao Pai, ou seja, saindo de si e unindo-se a Cristo. Por duas vezes também, nesta oração Jesus acrescenta como fim desta unidade: para que o mundo creia. A unidade plena está conectada à vida e à própria missão da Igreja no mundo. Esta deve viver uma unidade que só pode derivar de sua unidade com Cristo, com sua transcendência, como sinal de que Cristo é a verdade. Esta é nossa responsabilidade: que seja visível para o mundo o dom de uma unidade em virtude da qual nossa fé se torne crível. Por isso, é importante que cada comunidade cristã tome consciência da urgência de trabalhar de todas as formas possíveis para chegar a este grande objetivo. Ao mesmo tempo, sabendo que a unidade é antes de tudo «dom» do Senhor, é importante implorá-la com oração incansável e confiada. Somente saindo de nós mesmos e dirigindo-nos a Cristo, somente na relação com Ele podemos chegar a estar realmente unidos entre nós. Este é o convite que, com a presente «Semana», recebemos como crentes em Cristo de toda igreja e comunidade eclesial; a ele, queridos irmãos e irmãs, devemos responder com generosidade.

Este ano, a «Semana de oração pela unidade dos cristãos» propõe para a nossa meditação e oração estas palavras tomadas do livro do profeta Ezequiel: «Estarão unidos em tua mão » (37, 17). O tema foi escolhido por um grupo ecumênico da Coréia, e revisado depois para sua divulgação internacional pelo Comitê Misto de Oração, formado por representantes do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos e pelo Conselho Ecumênico das Igrejas de Genebra. O mesmo processo de preparação foi um estimulante e fecundo exercício de autêntico ecumenismo.

Na passagem do livro do profeta Ezequiel da qual se tirou o tema, o Senhor ordena ao profeta que tome duas madeiras, uma como símbolo de Judá e suas tribos, e a outra como símbolo de José e de toda a casa de Israel unida a ele, e lhes pede que as «junte», de modo que formem uma só madeira, «uma só coisa» em sua mão. É transparente a parábola da unidade. Aos «filhos do povo», que pedirão explicação, Ezequiel, iluminado desde o Alto, dirá que o próprio Senhor toma as duas madeiras e as aproxima, de forma que os dois reinos com suas respectivas tribos, divididas entre si, sejam «uma só coisa em tua mão». A mão do profeta, que aproxima os dois lenhos, é considerada como a mão do próprio Deus que recolhe e unifica seu povo e finalmente a humanidade inteira. Podemos aplicar as palavras do profeta aos cristãos, como uma exortação a rezar, a trabalhar, fazendo todo o possível para que seja cumprida a unidade de todos os discípulos de Cristo; trabalhar para que nossa mão seja instrumento da mão unificadora de Deus.

Esta exortação é particularmente comovedora e importante nas palavras de Jesus após a Última Ceia. O Senhor deseja que seu povo inteiro caminhe – e vê nele a Igreja do futuro, dos séculos futuros – com paciência e perseverança para a realização da unidade plena, atitude esta que comporta a adesão dócil e humilde ao mandato do Senhor, que o abençoa e o faz fecundo. O profeta Ezequiel nos assegura que será precisamente Ele, nosso único Senhor, o único Deus, que nos colherá em «sua mão».

A segunda parte da leitura bíblica aprofunda o significado e as condições da unidade das diversas tribos em um único reino. Na dispersão entre os gentios, os israelenses haviam conhecido cultos errôneos, haviam assimilado concepções de vida equivocadas, haviam assumido costumes alheios à lei divina. Agora o Senhor declara que já não se contaminarão mais com os ídolos dos povos pagãos, com suas abominações, com todas suas inquietudes (cf. Ezequiel 37, 23). Exige a necessidade de libertá-los do pecado, de purificar seu coração. «Eu os livrarei de todas as suas rebeldias – afirma –, e os purificarei». E assim «serão meu povo e eu serei seu Deus» (Ez 37,23). Nesta condição de renovação interior, estes «seguirão meus mandamentos, observarão minhas leis e as porão em prática». E o texto profético termina com a promessa definitiva e plenamente salvadora: «Farei com eles uma aliança de paz... Porei meu santuário, ou seja, minha presença, no meio deles» (Ez 37, 26).

A visão de Ezequiel é particularmente eloquente para todo o movimento ecumênico, porque manifesta a exigência imprescindível de uma renovação interior autêntica em todos os componentes do Povo de Deus, que só o Senhor pode realizar. A esta renovação devemos estar abertos também nós, porque também nós, dispersos entre os povos do mundo, aprendemos costumes muito distantes da Palavra de Deus. «Assim como hoje a renovação da Igreja – lê-se no Decreto sobre o ecumenismo do Concílio Vaticano II – consiste essencialmente no crescimento da fidelidade à sua vocação, esta é sem dúvida a razão do movimento rumo à unidade» (Unitatis redintegratio, 6), ou seja, uma maior fidelidade à vocação de Deus. O decreto sublinha também a dimensão interior da conversão do coração. «O ecumenismo verdadeiro – acrescenta – não existe sem a conversão interior, porque o desejo da unidade nasce e amadurece na renovação da mente, na abnegação de si mesmo e no exercício pleno da caridade (UR, 7).» A «Semana de oração pela unidade» se converte, desta forma, para todos nós, em estímulo a uma conversão sincera e a uma escuta cada vez mais dócil à Palavra de Deus, a uma fé cada vez mais profunda.

A «Semana» é também uma ocasião propícia para agradecer ao Senhor por tudo o que nos concedeu fazer até agora «para aproximar» uns dos outros, os cristãos divididos, e as próprias Igrejas e comunidades eclesiais. Este espírito animou a Igreja Católica, a qual, durante o ano passado, prosseguiu, com firme convicção e segura esperança, mantendo relações fraternas e respeitosas com todas as igrejas e comunidades eclesiais do Oriente e do Ocidente. Na variedade das situações, às vezes mais positivas e às vezes com mais dificuldades, esforçou-se por não decair nunca no empenho de realizar todos os esforços para a recomposição da unidade plena.

As relações entre as Igrejas e os diálogos teológicos continuaram dando sinais de convergências espirituais alentadoras. Eu mesmo tive a alegria de encontrar, aqui no Vaticano e ao longo das minhas viagens apostólicas, cristãos procedentes de todos os horizontes. Com viva alegria recebi por três ocasiões o Patriarca Ecumênico Sua Santidade Bartolomeu I e, como acontecimento extraordinário, nós o escutamos tomar a palavra, com calor eclesial fraterno e com confiança convencida no porvir, durante a recente assembléia do Sínodo dos Bispos. Tive o prazer de receber os dois Catholicós da Igreja Apostólica Armênia: Sua Santidade Karekin II, de Etchmiazin, e Sua Santidade Aram I, de Antelias. E, finalmente, compartilhei a dor do Patriarcado de Moscou pela partida do amado irmão em Cristo, o Patriarca Sua Santidade Alexis II, e continuo permanecendo em comunhão de oração com estes irmãos nossos que se preparam para eleger o novo Patriarca da venerada e grande Igreja Ortodoxa. Igualmente, foi-me dado encontrar representantes das diversas Comunhões cristãs do Ocidente, com os quais prossegue o diálogo sobre o importante testemunho que os cristãos devem dar hoje de forma concorde, em um mundo cada vez mais dividido e enfrentado tantos desafios de caráter cultural, social, econômico e ético. Por isso e por tantos outros encontros, diálogos e gestos de fraternidade que o Senhor nos permitiu poder realizar, agradecemos-lhe juntos com alegria.

Queridos irmãos e irmãs, aproveitemos a oportunidade que a «Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos» nos oferece para pedir ao Senhor que prossigam e, se for possível, que se intensifiquem, o compromisso e o diálogo ecumênicos. No contexto do Ano Paulino, que comemora o bimilênio do nascimento de São Paulo, não podemos não referir-nos ao que o Apóstolo Paulo nos deixou escrito a propósito da unidade da Igreja. Cada quarta-feira dedicarei minha reflexão às suas cartas e ao seu precioso ensinamento. Retomo aqui suas palavras dirigindo-se à comunidade de Éfeso: «Um só corpo e um só espírito, como uma só é a esperança à qual fostes chamados, a da vossa vocação. Um só Senhor, uma só fé, um só batismo» (Ef 4, 4-5). Façamos nosso o anseio de São Paulo, que dedicou sua vida inteiramente ao único Senhor e à unidade de seu Corpo Místico, a Igreja, dando, com o martírio, um supremo testemunho de fidelidade e de amor a Cristo.

Seguindo seu exemplo e contando com sua intercessão, que cada comunidade cresça no empenho da unidade, graças às diversas iniciativas espirituais e pastorais e às assembléias de oração comum, que costumam ser mais numerosas e intensas nesta «Semana», fazendo-nos já saborear antecipadamente, de certa forma, o gozo da unidade plena. Oremos para que entre as Igrejas e Comunidades eclesiais continue o diálogo da verdade, indispensável para dirimir as divergências, e o da caridade, que condiciona o próprio diálogo teológico e ajuda a viver unidos para um testemunho comum. O desejo que habita em nossos corações é de que chegue logo o dia da comunhão plena, quando todos os discípulos do único Senhor nosso poderão finalmente celebrar juntos a Eucaristia, o sacrifício divino para a vida e a salvação do mundo. Invocamos a intercessão maternal de Maria, para que ajude todos os cristãos a cultivarem uma escuta mais atenta da Palavra de Deus e uma oração mais intensa pela unidade.