Priscila e Áquila, um casal de apóstolos da igreja primitiva

Este casal, que aparece junto a São Paulo em vários momentos do Novo Testamento, pode ilustrar a importância das pessoas casadas e leigos na missão da Igreja.

"Priscilla e Aquila", Museu Plantin-Moretus, século XVII (foto: Domínio Público)

Priscila e Áquila, os esposos que aparecem nos Atos dos Apóstolos e em algumas cartas de São Paulo, podem não chamar muito a nossa atenção, pelo menos de modo inicial. Se considerarmos as pessoas mais importantes no Novo Testamento, muitas outras nos virão à mente primeiro: Cristo, Maria ou os apóstolos, por exemplo.

Embora isto seja compreensível, poderíamos dar mais atenção a este casal. Neste especial Ano da Família, faríamos bem em refletir mais profundamente sobre este homem e esta mulher, que nos dizem muito sobre a importância das pessoas casadas e leigos na missão da Igreja.

Os Atos dos Apóstolos contam detalhadamente as grandes jornadas missionárias de Paulo e como ele levou o Cristianismo ao mundo grego. Tendemos a vê-lo como um tipo de super-herói da santidade, cujos esforços heroicos, guiados pelo Espírito Santo, abriram novos caminhos para o Evangelho.

Porém, um olhar mais atento às jornadas de Paulo mostra como ele precisou de colaboradores para realizar a sua missão. Em todos os problemas e tribulações que enfrentou, Paulo percebeu como foi essencial ter leigos ativamente engajados na evangelização.

Quando encontra Áquila e Priscila em Corinto, em sua segunda jornada missionária, Paulo já tinha ampla experiência da dura realidade de ser apóstolo. Juntamente com a alegria de começar igrejas e ver pessoas abraçarem a fé, encontra constantes oposições que o impedem de estabelecer um apostolado estável.

Na Panfília, foi expulso pelos líderes da cidade. Paulo ensina, quando volta da sua primeira jornada missionária, que “é necessário que passemos por muitas tribulações para entrarmos no Reino de Deus” (Atos 14, 22).

Neste cenário de intensa perseguição, podemos ver porque o encontro de Paulo com este casal é tão significativo. Após ser ridicularizado em Atenas, os Atos contam que o apóstolo vai a Coríntio. Neste momento, Paulo não estava nada animado. Como ele mais tarde irá contar na Primeira Carta aos Coríntios: “Eu me apresentei em vosso meio num estado de fraqueza, de desassossego e de temor” (1 Cor 2, 3).

É precisamente neste momento que há uma nova e bela página nas aventuras missionárias de Paulo. Ele encontra Áquila e Priscila que estavam entre os primeiros convertidos à fé. Não apenas tornam-se amigos, mas Paulo fica com eles e também trabalha com eles (Atos 18, 2-3).

Por terem passado tanto tempo juntos, devem ter compartilhado profundamente a novidade da mensagem radical que Cristo confiou a Paulo. Áquila e Priscila compreenderam que todos os membros da Igreja são chamados, de alguma forma, a serem testemunhas de Jesus. Embora nem todos tivessem um papel público de apóstolo como Paulo e os outros, todos os Cristãos são chamados a alcançar a “estatura de Cristo” (Efésios 4, 13).

No entanto, o relacionamento entre Paulo e este casal evangelizador não foi de uma única via, como se Paulo fosse o único a ensinar e guiar, Priscila e Áquila foram um ponto de apoio fundamental para o homem que se tornou conhecido como o Apóstolo dos Gentios. Eles deram a Paulo o calor do seu lar, o que sem dúvida alguma foi uma fonte de força após tantas adversidades. Depois de algum tempo trabalhando juntos na mesma profissão, Paulo pôde se dedicar inteiramente à sua missão específica de pregar a palavra (Atos 5,5).

Mas Paulo não era o único membro naquele lar que pregava a palavra. Através das suas vidas cotidianas e testemunhos, Priscila e Áquila deram o seu testemunho de Cristo. Estes testemunhos, juntamente com o de Paulo, foram um meio essencial através do qual se espalhou o Evangelho. Paulo pôde continuar a sua missão em Corinto por um ano e meio, em contraste com a brevidade das suas estadias anteriores em outras cidades.

Paulo certamente encontrou oposições e insultos em Corinto (Atos 18, 7). Porém, enquanto na Panfília os líderes da cidade o forçaram a partir, em Corinto Paulo pôde continuar sua missão. Uma noite, em uma visão, nosso Senhor lhe diz: “Ninguém te porá a mão para fazer mal. Nesta cidade há um povo numeroso que me pertence” (Atos 18,10).

Nestas palavras de Cristo, podemos notar a imensa contribuição dos leigos no trabalho de evangelização de Paulo. Como nosso Senhor afirma, Paulo pôde pregar justamente porque havia um grande número de homens e mulheres que eram seguidores comprometidos de Cristo. Estes homens e mulheres não são chamados de apóstolos com o mesmo sentido que Paulo é, mas de uma maneira muito concreta são apóstolos que permitem que Paulo continue sua missão especial.

Depois de nove meses de pregações frutuosas, Paulo sofre nova perseguição. O procônsul Galião retira as acusações feitas contra ele, mas o apóstolo decide que é hora de se mudar para Éfeso, uma cidade importante do império romano. Nesta mudança, vemos mais uma inovação radical na história do Cristianismo: “Paulo permaneceu ali (em Corinto) ainda algum tempo. Depois se despediu dos irmãos e navegou para a Síria e com ele Priscila e Áquila.” (Atos 18, 18). Pela primeira vez, ouvimos falar de um casal de esposos acompanhando São Paulo em suas viagens missionárias. Após a sua estadia fecunda em Corinto, o apóstolo percebe que casais de esposos formam uma parte essencial de sua missão de evangelização. Priscila e Áquila posteriormente dão testemunho cristão com o seu esforço para instruir Apolo, um poderoso pregador e um expert nas Escrituras (Atos 18, 24-28). Os ensinamentos de Apolo careciam de esclarecimentos e “quando Priscila e Áquila o ouviram, o chamaram a parte e lhe explicaram o Caminho (de Deus) mais claramente”. Com esta correção amorosa, Apolo continuou a sua missão pública com uma nova eficácia. Priscila e Áquila tinham um profundo conhecimento do Evangelho como este pregador, embora não ouçamos dizer em lugar algum, que foram engajados na pregação pública como Apolo era. Não era essa a missão particular a que Deus os chamou.

No entanto, Paulo percebeu que a cooperação de casais como eles era essencial para que a mensagem do Evangelho desse frutos. Podemos ver isto na especial afeição com que ele se dirige ao casal em suas cartas. Logo nas primeiras saudações, no fechamento da Carta aos Romanos, ele diz, usando a versão mais formal do nome de Priscila: “Saudai Prisca e Áquila, meus cooperadores em Cristo Jesus” (Rom 16,3). Paulo apreciou que eles eram verdadeiramente “co-operadores”, iguais em sua missão apostólica. Eles mostraram seu total engajamento na missão da Igreja pela maneira que “arriscaram suas cabeças por minha vida” (Rom 16, 4).

O apóstolo sente a necessidade de reconhecer a dívida profunda que ele, e todos os que se beneficiaram de sua missão, têm para com este homem e esta mulher: “E isso lhes agradeço, não só eu, mas também todas as igrejas dos gentios” (Rom 16,4). Quando ele escreve da prisão a seu amado discípulo Timóteo, na que é considerada a última carta antes de sua morte, São Paulo novamente começa suas saudações finais a “Prisca e Áquila” (2 Tim, 4,19).

Portanto, um olhar mais atento ao Novo Testamento nos revela que este casal estava à frente no início da disseminação do Cristianismo. A Igreja que se reunia em sua casa, foi um centro vital através do qual a mensagem do Evangelho se fez presente na maioria das realidades cotidianas da vida humana: o casamento, a família, e o trabalho cotidiano através dos quais Priscila e Áquila tiravam seu sustento e serviam a comunidade a seu redor.

Aproximadamente 60 anos atrás, o Concílio Vaticano II quis solenemente confirmar a realidade que este maravilhoso casal nos recorda. O Concílio reconheceu que, para responder às necessidades urgentes de evangelização do mundo atual, a Igreja precisa muito de casais e leigos atuando como protagonistas na vida da Igreja.

Os leigos, assim como aqueles que têm um ministério púbico na Igreja, têm um papel fundamental de oferecer testemunho autêntico de Cristo. Se eles não desempenharem esse papel, como São Paulo percebeu, a proclamação do Evangelho perderá poder e frutos.

Quando refletimos então sobre as muitas lições importantes que nos oferece a história da vida dos princípios da Igreja, prestaremos atenção às lições deixadas por Priscila e Áquila. Juntamente com as obras de São Pedro e São Paulo, há inúmeras outras ações de santidade deste casal de esposos, com muitos outros homens e mulheres que reconheceram seus papéis como membros vivos do Corpo de Cristo.

Tais pessoas nos lembram que, assim como Paulo era “escolhido para ser apóstolo, reservado para anunciar o Evangelho de Deus” (Rom 1,1), Deus também chama e escolhe cada cristão para anunciar a mesma boa nova, no meio da vida cotidiana. Apenas com esse testemunho apostólico, assim como no início da vida da Igreja, a mensagem do Evangelho pode verdadeiramente alcançar os corações e mentes dos homens e mulheres de hoje.

Padre Joe Thomas: publicado na “National Cathlolic Register.”