O trabalho ordinário levado ao altar

Artigo do prelado do Opus Dei, Javier Echevarría, publicado no jornal italiano “Avvenire” por ocasião do encerramento do Sínodo da Eucaristia, do qual ele participou.

“Qualquer trabalho honesto pode ser meio para unir-nos espiritualmente ao Sacrifício de Cristo na Santa Missa”

A Assembléia do Sínodo dos Bispos, concluída agora, teve um caráter particular. Foi convocada por João Paulo II, mas presidida por seu sucessor, Bento XVI. Do ponto de vista simbólico, representa como que um “enlace” entre os dois pontificados. Não deixa de ser significativo que esse Sínodo tenha versado sobre a Eucaristia, fonte da unidade da Igreja.

Na abertura das sessões, Bento XVI pediu aos participantes que estudássemos o modo de intensificar a conexão entre a Santa Missa e a ocupação cotidiana dos cristãos, de forma que não se desenvolvam como dois âmbitos incomunicáveis. Como consequência, parte do trabalho desses dois dias consistiu na busca de propostas concretas para ajudar os cristãos a compreender cada vez melhor que a Eucaristia deve moldar sua vida ordinária.

Enquanto ação de culto, o Sacrifício eucarístico deve desenvolver-se o mais perfeitamente possível, pois seu destinatário é o próprio Deus. Qualquer ação humana bem feita, com amor, com detalhe e com delicadeza, constitui-se como algo agradável aos demais e como demonstração de interesse e de respeito. Logicamente, com maior motivo, a oferenda a Deus deve tender a ser perfeita, e nessa direção se orientaram muitas das contribuições formuladas no Sínodo.

Ao celebrar ou participar da Santa Missa, sacerdotes e leigos hão de atuar com piedade rija, doutrinal e de forma amorosa, atenta, santamente apaixonada. Na Eucaristia, onde tempo e eternidade se encontram, Cristo se oferece ao Pai e se entrega de novo a nós, os homens: merece evidentemente que correspondamos com todo o amor de que sejamos capazes. Deus não nos pede somente a entrega de um ato externo, mas espera, sobretudo, nosso amor: só assim a oferenda pode ser perfeita, agradável a Deus.

Mas a presença da Eucaristia na vida do cristão não se limita ao momento sublime da Missa. Podemos apresentar sobre o altar também nossas ações correntes; e buscar, durante toda a jornada, em nossos afazeres normais, uma contínua referência a Deus Eucaristia. Qualquer trabalho honrado pode ser um meio para unir-nos espiritualmente ao sacrifício de Cristo na Santa Missa; se oferecemos a Deus nossas ações ordinárias, a Eucaristia se converte então em cume e fonte de toda nossa existência. De muitas formas se repetiu essa idéia nas sessões do Sínodo, com a certeza compartilhada de que Cristo quis unir a Santa Missa à salvação de seus irmãos os homens.

Essas considerações orientaram minhas reflexões durante o Sínodo e deram forma a três campos nos quais o cristão pode contribuir para que em toda Igreja floresça cada vez mais a vida eucarística. O primeiro nos incumbe aos sacerdotes, que devemos saber celebrar a Eucaristia com a maior delicadeza possível; trata-se, em outras palavras, de promover a “ars celebrandi”, por meio da qual se manifesta a beleza e a profundidade da liturgia, vivida para a glória de Deus e para a nossa edificação. Em segundo lugar, é necessário suscitar em todos os fiéis uma participação ainda mais atenta da Santa Missa, conscientes de que é um momento sublime para que o cristão exercite a arte da oração, “ars orandi”, da qual falou João Paulo II por ocasião do começo do novo milênio. Por último, necessitamos redescobrir a cada dia os fortes laços que existem entre a Santa Missa e a vida diária, aplicar-nos cada vez mais na “ars vivendi”, a arte de gastar os dias em união espiritual com Jesus Eucaristia e chegar assim a reconhecer na existência cotidiana um horizonte novo: a grandeza do encontro com Deus.

O Santo Padre valorará as propostas apresentadas pelos padres sinodais e tomará as decisões que considere oportunas. Mas já agora experimentamos os efeitos positivos do Sínodo: os bispos que participamos dele aprofundamos no infinito tesouro da Eucaristia, em que “se contém todo o bem espiritual da Igreja, ou seja, Cristo em pessoa, nossa Páscoa e Pão vivo” (Presbyterorum Ordinis, n. 5). Espero vivamente que essa tomada de consciência se difunda em círculos concêntricos e que seus frutos se notem na prática cristã de muitos católicos, especialmente na participação na Santa Missa. Depois do trabalho e da oração desses dias, desejo que assistamos a um novo momento de graça para toda a Igreja.

+ Javier Echevarría

Prelado do Opus Dei