Monte Carmelo: santuário de Stella Maris

Na costa mediterrânea do Líbano está o monte Carmelo que traz à memória Elias e Eliseu, dois grandes profetas do Antigo Testamento; lembra também o nascimento da Ordem do Carmo, cuja tradição do escapulário está muito difundida.

Jesus percorreu muitas cidades e aldeias da Palestina durante os três anos da sua vida pública, anunciando o Reino de Deus. O seu ministério itinerante desenvolveu-se sobretudo nas margens do mar de Genesaré, em Jerusalém e nas viagens entre esses dois locais: do norte para o sul e do sul para o norte, seguindo o rio Jordão ou através da Samaria.

Os evangelistas contam-nos também que certa vez se retirou para lá dos confins da Galileia, para a região de Tiro e Sidônia que foram a antiga Fenícia e hoje são o Líbano[1], contudo não existem registos de que tenha chegado até à costa do Mediterrâneo onde a população era maioritariamente gentia. É nesse local que se situa o monte Carmelo, especialmente ligado a Elias e a Eliseu, dois grandes profetas do Antigo Testamento e, na época cristã, ao nascimento da Ordem do Carmelitas.

O Carmelo é uma cadeia de montanhas, de rocha calcária, que se separa do sistema montanhoso da Samaria, prolongando-se até o Mediterrâneo e terminando num promontório sobre a cidade de Haifa. Tem 25 km de comprimento e uma largura que varia entre os dez e os quinze, e uma altitude média de 500 m. O nome deriva da palavra kerem que significa horto, vinha ou jardim, sempre com o acréscimo de uma noção de beleza. Esta qualificação ajusta-se à realidade: nesta cadeia brotam muitas fontes pelo que nos montes e barrancos cresce uma flora rica e variada, tipicamente mediterrânea: loureiros, murtas, carvalhos, tamarindos, cedros, pinheiros, alfarrobeiras, lentiscos…

Esta fertilidade foi sempre proverbial e nos vários livros do Antigo Testamento aparece como o símbolo da prosperidade de Israel ou também da sua desgraça, em caso de aflição: O Senhor ruge em Sião, de Jerusalém faz sair o seu grito! Choram as pastagens dos pastores, seca até o pico do Carmelo[2]. Existem também numerosas cavernas – mais de mil – especialmente no oeste, com abertura estreita, mas muito amplas.

Esquerda: Vista do alto de El-Muhraqa ( em cima). As ruínas que se acharam em Wadi es-Siah remontam aos séc. XII e XVII (embaixo). Direita: Santuário Carmelita do sacrifício de Elias

A história do Carmelo está intimamente ligada ao profeta Elias que viveu no séc. IX a.C. Segundo a tradição recolhida pelos Santos Padres e por outros escritores da antiguidade, mantinha-se viva em vários locais a memória da sua presença: uma gruta na ladeira norte, no cabo de Haifa, onde viveu primeiro ele e depois Eliseu; perto dali, o local onde se reuniam com os seus discípulos, chamado pelos cristãos 'Escola de Profetas' e em árabe El Hader. Na mesma zona, a oeste uma nascente conhecida como a fonte de Elias que ele mesmo teria feito brotar da rocha e a sudeste do maciço, o cume de EL-Muhraqa e a torrente do Qison onde enfrentou os quatrocentos e cinquenta profetas de Baal: por intermédio da sua oração, Deus fez descer fogo do céu e deste modo o povo abandonou a idolatria, segundo relata o primeiro livro dos Reis[3].

Nestes locais venerados desde o alvor do cristianismo, onde se construíram igrejas e mosteiros em memória de Elias, nasceu a Ordem do Carmo. A sua origem remonta à segunda metade do séc. XII, quando São Bertoldo de Malafaida, cruzado francês, reuniu à sua volta alguns eremitas que viviam dispersos no Hader, na zona do monte Carmelo, próxima de Haifa. Edificaram ali um santuário e mais tarde, por volta de 1200, outro na ladeira ocidental, em Wadi es-Siah. São Brocardo, sucessor de Bertoldo como prior, solicitou então ao patriarca de Jerusalém, uma aprovação oficial e uma norma que organizasse a sua vocação de solidão, ascese e oração contemplativa: é a Regra do Carmo – também chamada Regra do Nosso Salvador – ainda em vigor nos nossos dias. Por diversas razões, o reconhecimento do Papa atrasou-se até 1226. A partir de então e por causa da incerteza que os cristãos sofriam no oriente, alguns carmelitas regressaram aos seus países, na Europa, onde constituíram novos mosteiros. Este êxodo foi providencial para a sobrevivência e expansão da Ordem do Carmo pois, em 1291 os exércitos do Egito conquistaram Acre e Haifa, queimaram os santuários do Monte Carmelo e assassinaram os monges.

Imagem do profeta Elias que se encontra no exterior do santuário de El-Muhraqa.

Contar a história da Ordem do Carmo seria demasiado extenso. No que diz respeito à Terra Santa, basta referir que, exceto um interregno no séc. XVII, a Ordem não pôde restabelecer-se no Monte Carmelo a não ser a partir do princípio do séc. XIX. Entre 1827 e 1836, foi construído na ponta norte, sobre uma gruta que lembrava a presença de Elias, o atual mosteiro e santuário Stella Maris: assim como a nuvenzinha que o criado de Elias enxergou e trouxe a chuva que fecundaria a terra de Israel, depois do episódio dos falsos profetas[4], assim também de Nossa Senhora nasceu Cristo, por quem a graça de Deus se derramou por toda a terra. Os edifícios de três andares, formam um complexo retangular de sessenta metros de comprimento por seis de largura.

Para norte a vista da baía de Haifa é magnífica e em dias límpidos pode avistar-se Acre seguindo a linha do litoral. Entra-se na igreja pela fachada oeste: o espaço ao centro é octogonal e está coberto por uma cúpula decorada com cenas de Elias e de outros profetas, a Sagrada Família, os Evangelistas e alguns santos carmelitas. As pinturas foram feitas em 1928. Também é dessa época o revestimento do templo em mármore, terminado em 1931. O ponto central é o presbitério: por trás do altar, num nicho, encontramos uma imagem de Nossa Senhora do Carmo e, por debaixo, a cova onde, segundo a tradição, habitou Elias. É um espaço de aproximadamente três por cinco metros, separado da nave por duas colunas de pórfiro (rocha vulcânica antiga) e uns degraus, no fundo há um altar e uma imagem do profeta.

Na tarde de 14 de março de 1994, o Bem-Aventurado Álvaro chegou à Terra Santa e dormiu em Tel Aviv. No dia seguinte, a caminho da Galileia, ele parou no santuário de Stella Maris: “Entrou naquela igreja – disse Dom Javier Echevarría - e, como manifestação do seu espírito de penitência, ajoelhou-se, não sobre os joelhos do banco, mas sobre a pedra. Ali, diante do Santíssimo Sacramento e diante da imagem de Nossa Senhora do Carmo, passou quase quinze minutos rezando, preparando-se para o encontro com os Lugares Santos”[5].

Além de Stella Maris, a Ordem do Carmo tem outro santuário na ponta sul do monte Carmelo, o El-Muhraqa, conhecido como Sacrifício de Elias: lembra o episódio dos profetas de Baal já referido. No entanto, do antigo mosteiro fundado em Wadi es-Siah, atualmente Nahal Siakh, apenas subsistem ruínas.

O Costume do Escapulário

Ao longo dos séculos, a Ordem do Carmo dotou a cristandade inúmeros tesouros espirituais: basta pensar nas vidas exemplares e nos ensinamentos de Santa Teresa de Ávila, São João da Cruz ou de Santa Teresa de Lisieux, os três Doutores da Igreja. Entre essas riquezas, destaca-se o costume do escapulário que São Josemaria viveu, difundiu e estabeleceu que todos na Obra deveriam ter: Traz sobre o teu peito o santo escapulário do Carmo. - Poucas devoções (há muitas e muito boas devoções marianas) estão tão arraigadas entre os fiéis e têm tantas bênçãos dos Pontífices. Além disso, é tão maternal este privilégio sabatino![6].

O escapulário garante a quem o usa com piedade duas prerrogativas: ajuda para perseverar no bem até ao momento da morte e a libertação das penas do purgatório. Esta devoção começou em 1251, durante um momento de especial perseguição da Ordem que dava os seus primeiros passos na Europa. Segundo uma redação antiga do Catálogo dos santos carmelitas, na qual se funda este relato, um certo São Simão – identificado mais tarde como São Simão Stock, prior geral inglês – recorria insistentemente a Nossa Senhora com a seguinte súplica:

Flos Carmeli / Flor do Carmelo
vitis florigera / vide florida
splendor coeli / esplendor do céu
Virgo puerpera / Virgem fecunda
singularis / e singular
Mater mitis / oh doce Mãe
sed viri nescia / que não conheceu varão
Carmelitis / aos Carmelitas
da privilegia / concede privilégios
Stella Maris / Estrela do mar.

Em resposta à sua oração, a Virgem Maria apareceu-lhe trazendo na mão o escapulário e disse-lhe: “este é um privilégio para ti e todos os teus: quem morrer usando-o, salvar-se-á”. Uma redação mais longa afirma: “aquele que morrer usando-o, não padecerá o fogo do Inferno, salvar-se-á”. O escapulário formava então parte do hábito religioso, ainda que na sua origem tenha sido uma roupa de trabalho que os servos e os artesãos usavam. Consistia numa tira de pano com uma abertura para colocar a cabeça que se sobrepunha sobre a túnica, e caía sobre o peito e as costas.

Privilégio sabatino

A segunda prerrogativa, conhecida como privilégio sabatino, procede de uma tradição medieval: A Sé Apostólica estabeleceu em 1613, através de um decreto, que o povo cristão pode acreditar piedosamente na ajuda da Santíssima Virgem às almas dos frades e confrades da Ordem do Carmo que falecerem na graça de Deus, usando o escapulário, vivendo a castidade de acordo com o seu estado e rezando o Ofício Breve ou – se não sabem ler – guardarem os jejuns e abstinências determinados pela Igreja, e que Nossa Senhora atuará com a sua proteção especialmente no sábado, dia especialmente dedicado pela Igreja à Mãe de Deus. Isto é, o privilégio sabatino funda-se numa verdade usual da doutrina cristã comum: a solicitude maternal de Santa Maria para fazer com que os filhos que expiam as culpas no purgatório alcancem, o mais depressa possível, por sua intercessão, a glória do Céu.

Ao mesmo tempo que a Ordem do Carmo se ia desenvolvendo – especialmente nos sécs. XVI e XVII, graças a várias reformas – também se multiplicaram as confrarias. Atraiam muitos fiéis que, sem abraçarem a vida religiosa, participavam da devoção a Nossa Senhora difundida pela espiritualidade carmelita. Manifestavam-no vestindo o escapulário que foi se simplificando na sua forma até se converter em dois quadrados de tecido unidos por fitas para usá-lo ao pescoço.

A Sé Apostólica interveio, em numerosas ocasiões, para fomentar este costume, unindo-lhe a faculdade de ganhar indulgências e fixando algumas questões práticas: a cerimônia de imposição, que basta receber-se uma vez apenas, pode ser realizada por qualquer sacerdote; a bênção de um novo escapulário para substituir outro já gasto ou a possibilidade de substituir o tecido por uma medalha com as imagens do Sagrado Coração de Jesus e de Nossa Senhora.

Há alguns anos, na celebração do 750º aniversário da entrega do escapulário – a aparição a São Simão Stock – o Papa João Paulo II, que o usava desde jovem , resumiu assim o seu valor “Duas são, portanto, as verdades evocadas no símbolo do Escapulário: de um lado a proteção contínua da Santíssima Virgem, não só ao longo do caminho da vida, mas também no momento da passagem para a plenitude da glória eterna; de outro lado, consciência de que a devoção a Ela não pode limitar-se a orações e obséquios em sua honra em algumas circunstâncias, mas que deve constituir um 'hábito'. Isto quer dizer: uma textura permanente da própria conduta cristã, tecida de oração e de vida interior, mediante a prática frequente dos Sacramentos e o exercício concreto das obras de misericórdia espirituais e corporais. Deste modo, o escapulário converte-se em símbolo de 'aliança' e de comunhão recíproca entre Maria e os fiéis: de fato, traduz de modo concreto a entrega que Jesus, do alto da cruz, fez a João, e nele a todos nós, de sua Mãe; e a entrega do apóstolo predileto e de nós a Ela, constituída como Mãe espiritual”[7].

Estas ideias estão contidas nas palavras que o celebrante pronuncia na bênção do escapulário: “[Deus], olhai com benevolência para estes vossos servos que receberam com devoção o Escapulário do Carmo e vão usar diligentemente como sinal de consagração a Nossa Senhora do Carmo. Fazei que sejam imagem de Cristo, vosso Filho, e, terminada a sua passagem por esta vida, com a ajuda da Virgem Mãe de Deus, sejam admitidos na alegria da vossa morada celeste”[8].

Ao falar da intimidade com Deus, São Josemaria animava-nos com frequência a sermos crianças, a reconhecer que necessitamos sempre da ajuda da graça. E também nos ensinou a percorrer este caminho pelas mãos de Nossa Senhora:

Porque Maria é Mãe, sua devoção nos ensina a ser filhos: a amar deveras, sem medida; a ser simples, sem essas complicações que nascem do egoísmo de pensarmos só em nós; a estar alegres, sabendo que nada pode destruir a nossa esperança. O princípio do caminho que leva à loucura do amor de Deus é um amor confiado por Maria Santíssima. Assim o escrevi há muitos anos, no prólogo a uns comentários ao Santo Rosário, e desde então voltei a comprovar muitas vezes a verdade dessas palavras. Não vou tecer aqui muitas considerações para comentar essa ideia: prefiro, antes, convidar cada um a fazer a experiência, a descobri-lo por si mesmo, procurando manter uma relação amorosa com Maria, abrindo-lhe o coração, confiando-lhe suas alegrias e penas, pedindo-lhe que o ajude a conhecer e a seguir Jesus[9].


[1] Cfr. Mt 15, 21 e Mc 7, 24.

[2] Am 1, 2. Cfr. Is 33, 9 y 35, 2; Jr 50, 19; y Na 1, 4.

[3] Cfr. 1 Re 18, 19-40.

[4] Cfr. 1 Re 18, 44.

[5] Javier Echevarría, Palavras publicadas em Crónica, 1994, pp. 274-275 (AGP, biblioteca, P01).

[6] São Josemaria, Caminho, n. 500.

[7] João Paulo II, Mensagem à Ordem do Carmo por ocasião da dedicação do ano de 2001 a Maria, 25-III-2001.

[8] De benedictionibus, n. 1218.

[9] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 143.