Meditações: Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo

Reflexão para meditar na quinta-feira depois da Santíssima Trindade, Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo. Os temas propostos são: Cristo entrega-se totalmente aos homens; banquete, sacrifício e comunhão; Jesus hoje sai às nossas ruas.


TERMINAM as solenidades que acompanham o final da Páscoa: depois da Ascensão de Jesus ao céu, celebramos a vinda do Espírito Santo e, depois, a glória da Santíssima Trindade. Hoje o fervor dos cristãos não se pode conter e eleva-se com júbilo em ação de graças pela presença real de Cristo, do seu Corpo e do seu Sangue gloriosos, no pão e no vinho do altar. Desde o século XIII celebramos esta festa como uma expressão da fé eucarística da Igreja:

“louva teu pastor e guia
com teus hinos, tua voz!
Tanto possas, tanto ouses,
em louvá-lo não repouses:
sempre excede o teu louvor!”

Tinha escrito São Tomás de Aquino na sequência Lauda Sion.

“Hoje a Igreja te convida:
ao pão vivo que dá vida
vem com ela celebrar!
Este pão, que o mundo o creia!
por Jesus, na santa ceia,
foi entregue aos que escolheu”.

E continua cantando:

“Nosso jubilo cantemos,
nosso amor manifestemos,
pois transborda o coração!
Quão solene a festa, o dia,

que da santa Eucaristia
nos recorda a instituição!”[1].

Nestas espécies sagradas – o pão e o vinho – manifesta-se como Deus, na sua omnipotência, se entrega para sempre e plenamente aos homens. A sua Páscoa, o mistério da sua paixão, morte e ressurreição, não terminou, mas “participa da eternidade divina, e por isso abraça todos os tempos e nele se mantém presente”[2]. O Senhor recorre a esses dons simples, o trigo e a videira, para que neles possamos venerar o próprio Cristo. São Josemaria explicava a Eucaristia como um milagre de amor que dura para sempre: “Este é verdadeiramente o pão dos filhos: Jesus, o Primogênito do Pai Eterno, se oferece a todos nós em alimento. E o mesmo Jesus Cristo, que aqui nos robustece, espera-nos no céu como comensais, co-herdeiros e sócios, porque aqueles que se nutrem de Cristo morrerão de morte terrena e temporal, mas depois viverão eternamente, porque Cristo é a vida imperecível”[3].


“DAI-LHES VÓS de comer” (Lc 9, 13), tinha dito Jesus aos seus discípulos ao ver famintos aqueles que o seguiam. Só têm cinco pães e dois peixes e, no entanto, “todos comeram e ficaram saciados; e, do que tinha sobrado, ainda recolheram doze cestos” (Lc 9, 17). Este milagre é uma imagem da superabundância que representa a Eucaristia na nossa vida e também nos mostra uma missão dos apóstolos: ser administradores daquela graça. Jesus confia “à Igreja, sua dileta esposa, o memorial de sua morte e ressurreição: sacramento da piedade, sinal da unidade, vínculo da caridade, banquete pascal em que Cristo é recebido”[4].

São Paulo, por seu lado, recorda aquela tradição que ele próprio tinha recebido e que procede de Cristo: “Na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse: Isto é o meu corpo que é dado por vós” (1Cor 11, 23-24). Nestas palavras ressoam os antigos símbolos do sacrifício do Cordeiro pelo qual eram perdoados os pecados e o maná com que Deus alimentou o povo de Israel na sua peregrinação pelo deserto. Apesar de se tratar de um sacrifício, celebra-se em ação de graças devido aos frutos que se obtêm dele.

No entanto, o primeiro anúncio que tinha feito o Senhor deste milagre não foi bem acolhido. “Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente” (Jo 6, 51), tinha dito naquela ocasião. O seu discurso constituiu um escândalo para muitos e também hoje pode ser motivo de surpresa. “A Eucaristia e a cruz são pedras de tropeço. É o mesmo mistério, e ele não cessa de ser ocasião de divisão. "Vós também quereis ir embora?" (Jo 6,67). Esta pergunta do Senhor ressoa através dos séculos como convite de seu amor a descobrir que só Ele tem "as palavras da vida eterna" (Jo 6,68) e que acolher na fé o dom de sua Eucaristia é acolher a Ele mesmo”[5].

Finalmente o Senhor, na Eucaristia, reúne-nos a todos no seu corpo e por isso a comunhão fortalece-nos com os nossos irmãos. “O dom de Cristo e do seu Espírito, que recebemos na comunhão eucarística, realiza plena e sobre abundantemente os anseios de unidade fraterna que vivem no coração humano e ao mesmo tempo, eleva esta experiência de fraternidade, que é a participação comum na mesma mesa eucarística, a níveis que estão muito acima da mera experiência de um banquete humano”[6].


EM NUMEROSAS ocasiões, Jesus, o filho de Maria, vai ao encontro dos homens. No Evangelho vemos, por exemplo, como o Senhor se encontra com a Samaritana no poço de Sicar, como se encontra com Zaqueu quando entrava em Jericó, ou o mesmo com Bartimeu, que de repente ouve que Jesus está passando por ali. De modo semelhante, em muitos lugares, hoje Jesus percorrerá as nossas ruas: vem ao nosso encontro como fez quando habitou nesta nossa terra.

Trata-se de uma ocasião festiva para O adorar com a beleza da música e os cânticos, com a cor preciosa das flores, com o aroma do incenso, as luzes e as belas formas da arte. Todo o amor e a devoção com que se preparam as procissões parecem-nos insuficientes para manifestar a gratidão que devemos ao nosso Deus. Mas, além destes gestos, talvez a melhor forma de honrar o Senhor seja deixar que o próprio Cristo viva cada vez mais intensamente em nós: “Se fomos renovados pela recepção do Corpo do Senhor, devemos manifestá-lo com obras”. Escreve São Josemaria. "Que os nossos pensamentos sejam sinceros: de paz, de entrega, de serviço. Que as nossas palavras sejam verdadeiras, claras, oportunas; que saibam consolar e ajudar, que saibam sobretudo levar aos outros a luz de Deus. Que as nossas ações sejam coerentes, eficazes, acertadas: que tenham esse bonus odor Christi , o bom odor de Cristo, por recordarem o seu modo de se comportar e de viver.”[7].

“Bom pastor, pão de verdade,
piedade, ó Jesus, piedade,
conservai-nos na unidade,
extingui nossa orfandade,
transportai-nos para o Pai!
Aos mortais dando comida,
dais também o pão da vida;
que a família assim nutrida
seja um dia reunida
aos convivas lá́ do céu!” [8]

Na Eucaristia saboreamos um pouco do céu já nesta terra; por isso incentiva-nos a saudar Santa Maria, de quem Cristo se fez carne: “Ave verum corpus, natum de Maria Virgine. Salve, verdadeiro Corpo, nascido da Virgem Maria”[9].


[1] São Tomás de Aquino, Lauda Sion, Sequência.

[2] Catecismo da Igreja Católica, n. 1085.

[3] São Josemaria, Cristo que passa, n. 152.

[4] Catecismo da Igreja Católica, n. 1323.

[5] Catecismo da Igreja Católica, n. 1336.

[6] São João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, n. 24.

[7] São Josemaria, Cristo que passa, n. 156.

[8] São Tomás de Aquino, Lauda Sion, Sequência.

[9] Início do Hino Ave Verum.