Joffé mostra de novo o seu respeito pela religião

No dia 25 de Março estreou-se em Espanha `Encontrarás dragões`, um intenso drama épico sobre a vida de São Josemaria Escrivá escrito e realizado pelo cineasta britânico Roland Joffé.

Ignacio Gómez-Sancha, produtor do filme ‘There be dragons’ – em que aparece São Josemaria. Teve estreia mundial nos cinemas a 25 de março

No dia 25 de Março estreou-se em Espanha Encontrarás dragões, um intenso drama épico sobre a vida de São Josemaria Escrivá escrito e realizado pelo cineasta britânico Roland Joffé, conhecido sobretudo pelos dois anteriores filmes: A Missão eTerra sangrenta. Ignacio Gómez-Sancha, produtor do filme, responde às perguntas da revista Palabra.

- Pode um realizador que se declara agnóstico escrever um bom guião sobre a vida de um sacerdote?

- Roland Joffé é antes de mais um humanista. Um homem que procura; que não reprime a curiosidade que todo o ser humano alberga em si. Em particular, não se esquiva às perguntas fundamentais da existência. Porque existe algo em lugar de nada? Somos frutos de um acaso cego, ou há alguém que guia esse acaso? Leva este tipo de perguntas muito a sério. Poder-se-ia dizer que fez um filme que não é religioso, mas que encara a religião a sério. Trata assim Josemaria: retrata-o tal e qual como a ele lhe parece que vê o mundo. De facto, o que interessa a Roland não são os aspectos biográficos ou puramente históricos da personagem, mas sim que efeito tem a sua vida e a sua mensagem nos outros. Para conseguir transmitir isto utiliza uma personagem real, como já fez com o padre Gabriel (Jeremy Irons) no filme “A Missão”, e cria outra ficcionada para “dramatizar” a história do primeiro. Em “A Missão”, esse papel era o do padre Mendoza (Robert de Niro). Em “Encontrarás dragões”, que segue um esquema semelhante, a personagem fictícia de Manuel Torres serve de contraponto à de Josemaria Escrivá.

É uma história de vidas paralelas, que se desenrolam e entrecruzam em torno do tema da possibilidade ou não do perdão e da reconciliação. É a história de dois amigos que crescem juntos, mas que se vão afastando; e que, no contexto de uma guerra civil, têm de decidir como enfrentar-se com os “dragões”, os perigos desconhecidos com que, mais cedo ou mais tarde, toda a gente se depara na vida.

- É fiável a história narrada, quanto a personagens e acontecimentos? Refiro-me especialmente aos que se relacionam com os primeiros seguidores de São Josemaria, ou com os acontecimentos da vida de São Josemaria?

- Antes de mais, julgo que o filme é um grande produto de entretenimento, ao melhor estilo de Hollywood. É uma experiência emocional poderosa, que nos prende, mas ao mesmo tempo excita a nossa curiosidade e nos faz pensar. Dito isto, o guião inspira-se em factos reais da história de Espanha e da vida de São Josemaria. Quando Joffé disse que só Josemaria é histórico quis dizer que Manolo Torres, por seu lado, é uma personagem de ficção. Mas além de São Josemaria há outras personagens históricas, como os familiares do fundador do Opus Dei (os pais, José e D. Dolores, os irmãos, Carmen e Santiago), e também Pedro Casciaro, Juan Jiménez Vargas ou Isidoro Zorzano, que aparecem igualmente no filme. O que me disse Roland, vezes sem conta, é que a sua intenção não era dar uma aula de história, mas sim sobretudo dar a conhecer as personagens e as suas emoções.

- Foi ideia de Joffé esse estranho título, Encontrarás dragões…?

- Sim. Ocorreu-lhe a propósito do que alguns antigos mapas que diziam, como advertência, para designar zonas inexploradas e perigosas: “Hic sunt dracones”, isto é um lugar desconhecido, onde habita o medo.

Com a palavra “dragões” quer referir-se a tudo o que nos desconcerta e nos faz sofrer: a certeza da morte, a dor inesperada, a culpa própria, a traição do amigo, os sentimentos de ciúme ou de inveja: esse tipo de situações com que todo o ser humano mais cedo ou mais tarde se enfrenta, e que exigem uma resposta que não é possível evitar. Não se pode evitar o encontro com dragões, diz o filme; o que importa é com se enfrentam. O filme explora as consequências das decisões pessoais, e questiona-se sobre se um erro pode ter redenção.

- Como e por que embarcou num projeto empresarial tão arriscado como foi a produção de um filme com um orçamento médio-alto? Estamos no rasto do Código da Vinci? Há no filme um interesse de testemunho cristão?

- Devo dizer que me meti neste projeto, com o meu sócio e também produtor, Ignacio Núñez, por pura paixão. E ao mesmo tempo estávamos e estamos convencidos do seu êxito comercial. Conheci Roland Joffé em Madrid em março de 2008. Era o meu realizador favorito desde que vi Terra sangrenta. Foi-me apresentado por uma pessoa especialista no sector, que tinha conhecido numa conferência sobre cinema. Em conversa, comentou que Roland estava a procurar financiamento para um novo projeto.

Fui almoçar com ele e tanto o projeto em causa como Roland me cativaram. Roland disse-me que não tinha qualquer financiamento, e que, sendo assim, ia parar com o filme dentro de uma semana. Pedi-lhe que não fizesse isso, que esperasse.

Estava convencido que conseguiríamos financiá-lo. A ideia de um agnóstico (socialista e casado três vezes, para que se saiba) nomeado duas vezes para o Óscar e vencedor da Palma de Ouro de Cannes, escrevendo um guião sobre o tema da reconciliação em que um dos protagonistas era Escrivá…; e com a estrutura narrativa de vidas paralelas, como a de A Missão, que era um dos meus filmes favoritos, parecia-me espantosa.

Comecei a procurar ajudas e associei-me ao meu amigo Nuñez, que é um grande empreendedor e é presidente de uma sociedade de advogados. Começámos os dois a procurar financiamentos e, quando vimos que o projeto era viável, decidi deixar temporariamente a minha atividade normal, para me certificar de que o projeto veria a luz do dia. Fui viver para a Argentina durante os seis meses da rodagem. Foi a experiência mais intensa de toda a minha vida profissional.

Para nós, o projeto tinha três finalidades igualmente importantes: uma era ajudar Roland a criar outro grande filme, como tinham sido Terra sangrenta ou A Missão; outra, que poderíamos chamar humanístico / espiritual, era contribuir para difundir a mensagem de que “há esperança face ao ódio e à violência”; e ainda outra, financeira, porque a produção é um investimento de capital de risco: que os investidores tenham o maior lucro económico possível. Pois bem, se o sacerdote em causa fosse outro, não sei se me teria envolvido tanto, a ponto de deixar tudo pelo projeto. Provavelmente não.

Quanto ao Código da Vinci, julgo não merecer que se fale muito dele. Custou-me muito ler esse livro porque não é de todo credível (apesar de na introdução se dizer que tudo o que se conta nele é certo), e no filme adormeci. Voltei a vê-lo recentemente para poder dar uma opinião. Não me importaria que os seguidores de Dan Brown vissem o nosso filme para poderem comparar as duas visões, ainda que não tenhamos feito o filme com esse fim, como é evidente.

- Gostariam de que o filme fosse premiado? E outra questão: A Prelazia do Opus Dei facilitou o financiamento ou controlou o filme de algum modo? Aprovou-o?

- Pessoalmente já me considero mais que pago pelo filme em si. Vi tanta gente chorar, emocionar-se e repensar a vida depois de o ver nas sessões de apresentação, que julgo não precisar de mais prémios. Mas parece-me que o trabalho dos profissionais que entraram nele merecia ser premiado (entre os quais temos cinco óscares e mais cinco nomeações); penso que o filme é exemplar em todos os aspectos: música, guarda-roupa, arte, fotografia, montagem, sem esquecer os atores, que vão muito bem.

Quanto ao financiamento, posso dizer que o filme foi financiado por uma coprodução entre a Antena 3 Films e o nosso fundo de capital de risco “Mount Santa Fe”, no qual temos mais de 100 investidores de todo o tipo. Fizemos mais de 500 entrevistas para conseguir os 100 investidores em vários países. Foi duro, devido à crise que já existia em 2008; agora provavelmente teria sido ainda mais difícil.

Com o nosso trabalho como gestores do projeto pretendíamos, sobretudo, dar ao realizador, a Roland Joffé, toda a liberdade para escrever e realizar o filme que ele queria. Fez sempre o que quis com absoluta liberdade.

- O filme foi rodado, em parte, na Argentina. Parte do financiamento é norte-americano e foi rodado em inglês. É um filme internacional ou é necessário ser europeu para entender o argumento?

- Penso que será entendido em qualquer lugar. É um dos filmes mais universais que eu já vi, porque trata problemas que são comuns a qualquer ser humano, seja qual for a cultura a que pertencer. Na Europa teremos alguma vantagem, mas só na medida em que se conhece melhor a história de Espanha. A nossa experiência em sessões de apresentação foi que, por exemplo, os americanos entendiam perfeitamente, e sentiam-se encantados ao máximo. Eles também passaram por uma guerra civil…

Há quem diga que há um regresso do cinema religioso: Thérèse, Hildegarda, Dos homens e dos deuses. Considera cinema religiosoEncontrarás dragões?

- Encontrarás dragões não é cinema religioso, é um drama épico; mas um drama que leva religião a sério. O filme tem um esquema de cinema clássico, ainda que trate de temas profundamente modernos. Estou em crer que vai ser apreciado por um público muito alargado.

- Sentiram-se afetados pessoalmente durante estes anos de produção? Joffé termina uma entrevista dizendo uma coisa deste tipo “veremos onde me leva tudo isto”. Calculavam este efeito?

- Parece lógico que um filme com uma tão forte carga emotiva, como este, cause impacto sobre qualquer um que dele se aproximar. Posso dizer, desde já, que a mim o filme me afetou muito, a diversos níveis. No fundo, todos nós somos um “Manuel Torres” em potência. É isso o assombroso do ser humano: é capaz do melhor e do pior; e as decisões que tomamos, as escolhas que fazemos, determinam quem somos. É preciso acertar, é necessário decidir moralmente bem se se quer chegar a ser feliz.

Por outro lado, o tema do perdão, ideia chave do argumento do filme, parece-me da máxima atualidade. Julgo que ainda não o entendemos bem. Quando houve uma ofensa, especialmente se foi grave, só o perdão pode apagá-la; mas se o agressor não pedir perdão, ainda que o ofendido opte por não odiar e não se vingar, ou inclusivamente amar o agressor, em sentido estrito não pode perdoar, porque o perdão só pode ser “recebido”. Só pode ser acolhido quando se pede, quando a pessoa se considera culpada; requer de ‘per si’ ser pedido para que haja transformação. Só assim a ofensa pode ser apagada de verdade. Por isso é tão importante que os povos entre os quais há conflitos – como acontece, por exemplo, entre israelitas e palestinianos – ou as pessoas que se opõem há muitos anos, entendam que têm de olhar para trás, compreender o que fizeram injustamente, e pedir e dar o perdão. Considero que compreender isto é importantíssimo, e o filme talvez ajude.

Por outro lado, conviver tantos meses com artistas de Hollywood foi uma experiência apaixonante. Têm uma sensibilidade que não se encontra facilmente no mundo da Bolsa, de onde procedo. Pensam e sentem de outra maneira, e tornou-se para mim muito, muito enriquecedor.

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MAIS INFORMAÇÃO:

www.encontrarasdragones.es