Homilia do Prelado na memória litúrgica de São Josemaria

“Confie na sua verdade mais íntima, ser filho de Deus, e não tenha medo de caminhar por um mundo”, disse Mons. Fernando Ocáriz na Missa celebrada na basílica de Santo Eugênio (Roma).

“Todos aqueles que se deixam conduzir pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Rm 8, 14). Estas palavras de São Paulo exprimem o enorme dom que o Espírito Santo nos concede: sermos filhos de Deus. A consciência da nossa filiação divina faz-nos viver sem temor: “Não tenho medo de nada nem de ninguém: nem de Deus, que é meu Pai, dizia São Josemaria. No aniversário da sua partida para o Céu, dia da sua festa, podemos considerar esta realidade, que foi o fundamento da sua vida espiritual e do carisma que entregou à Igreja.

O fundador do Opus Dei considerava-se diante de Deus como uma criança que balbucia, e isto levava-o a desejar crescer sempre no amor a Deus; a começar e recomeçar cada dia. Tinha uma intimidade com o Senhor que o levava a ver todos os acontecimentos como gestos do Seu amor paterno. Hoje podemos perguntar-nos se nós também deixamos que a consciência de sermos filhos de Deus envolva todas as dimensões da nossa vida. Considerar frequentemente, com fé, a nossa filiação divina, vai nos ajudar a percorrer com esperança, dia a dia, apesar da nossa fraqueza e das circunstâncias alheias à nossa vontade, o caminho rumo à identificação com Cristo, rumo à santidade, como nos diz São Josemaria: “Jesus compreende a nossa debilidade e atrai-nos a Si como que por um plano inclinado, desejando que saibamos insistir no esforço de subir um pouco, dia após dia” (É Cristo que passa, n.75).

Este abandono filial nos leva a seguir o convite de Jesus aos Apóstolos, de avançar para águas mais profundas. Muitas vezes, o temor do fracasso pode paralisar os esforços de servir aos outros; em outras ocasiões pode ser o temor de deixar a nossa comodidade que nos leve a não querer abandonar a segurança da margem. Mas o Senhor anima-nos a entrar nesse mar maravilhoso da vida de apóstolo. É como se nos dissesse: confie na sua verdade mais íntima, ser filho de Deus, e não tenha medo de caminhar por um mundo que às vezes se apresenta como um mar revolto. E assim encontraremos a alegria e a paz.

O mar do mundo vê-se agitado por muitos conflitos que nos afetam profundamente, como a guerra na Ucrânia. Também encontramos pequenas ou grandes tempestades no nosso dia a dia: no trabalho, na família, na nossa própria relação com Deus. Como Pedro, podemos ter a experiência de trabalhar toda a noite e não ter pescado nada. Mas o apóstolo não confiou em suas próprias forças, mas sim na palavra do Mestre. E o resultado não deixou margem a dúvidas: “apanharam tamanha quantidade de peixes que as redes se rompiam” (Lc 5, 6). Ele sabe mais, e os seus planos são sempre bons.

Hoje Jesus também nos chama a lançar-nos a uma evangelização, a um apostolado que não conhece o medo, pois sabemos que é o Senhor que dirige a nossa barca. Ele promete-nos uma existência de entrega em que, junto com muitas alegrias, também não faltarão “os sofrimentos do tempo presente” que, contudo, “nem merecem ser comparados com a glória que deve ser revelada em nós”, como escreve São Paulo (Rm 8, 18).

Também não faltou o medo na vida dos Apóstolos. Depois da morte de Jesus, não eram capazes de sair das suas casas. O seu desejo de avançar rumo a águas mais profundas tinha desaparecido. Podemos perguntar-nos, com o Papa Francisco: “Quantas vezes nós nos fechamos em nós mesmos? Quantas vezes, por causa de uma situação difícil, de um problema pessoal ou familiar, do sofrimento que nos marca ou por causa do mal que respiramos à nossa volta, caímos lentamente na perda da esperança e na falta de coragem para continuar?” (Ângelus, 28/05/2023).

Só depois de receber o Espírito Santo, os Apóstolos abriram as portas e se libertaram dos seus medos. Tornaram-se então testemunhas incansáveis do Evangelho, a ponto de chegar aos confins do mundo conhecido e dar a própria vida. Podemos pedir ao Paráclito que nos ajude a sair do labirinto das nossas preocupações; que nos liberte do medo de remar para as profundezas, de enfrentar as pequenas e grandes batalhas da vida de apóstolo. O Espírito Santo aviva em nós a consciência da nossa filiação divina. Faz-nos sentir a proximidade de Deus que transforma o nosso medo em confiança, a nossa paralisia em audácia, as nossas dúvidas em segurança.

A Virgem Maria, que alentou os primeiros passos da vida da Igreja, também nos ajuda na aventura divina de avançar mar adentro. Acolhemo-nos à sua intercessão materna, para que nos acompanhe neste empenho sustentados por Ela, que é, como repetia São Josemaria,Spes nostra, a nossa Esperança.