Homenagem no jubileu de ouro do Opus Dei no Brasil

"Faz cinquenta anos, por iniciativa de São Josemaria Escrivá – com a sua bênção, as suas orações e o seu incentivo –, teve início o trabalho do Opus Dei, a serviço da Igreja, no Brasil. Exatamente na solenidade de São José, dia 19 de março de 1957, pisaram terra brasileira os primeiros fiéis do Opus Dei que chegaram aqui para ficar". Assim começa o livro "São Josemaria Escrivá no Brasil" de Francisco Faus publicado recentemente pela Editora Quadrante.

Pe. Francisco acompanha a São Josemaria durante a Dedicação do altar da Casa do Moinho, Cotia - SP, em 27.05.74

Nos próximos boletins, incluiremos trechos selecionados desta homenagem ao Fundador do Opus Dei no jubileu de ouro da chegada dos primeiros fiéis da Prelazia ao Brasil. Francisco Faus é sacerdote da Prelazia do Opus Dei, licenciado em Direito pela Universidade de Barcelona e Doutor em Direito Canônico pela Universidade de São Tomás de Aquino em Roma. Desde 1961, exerce uma intensa atividade de atenção espiritual entre estudantes universitários e profissionais em São Paulo. Na seleção introdutória que publicamos hoje, o autor conta episódios que marcaram os primeiros anos da sua convivência com São Josemaria Escrivá em Roma. 

MEU ENCONTRO COM SÃO JOSEMARIA

Conheci Mons. Escrivá em outubro de 1953, na manhã seguinte da minha chegada a Roma. Deus me concedeu conviver lá com ele durante mais de dois anos. Encontrava-me junto ao portão do jardim de Villa Tevere – sede central do Opus Dei – quando vi de repente o nosso Fundador, que ia sair de carro. Mal me viu, “reconheceu-me” sem nunca me ter visto (atribuo isso, em parte, à “fama” da minha incipiente calvície) e chamou-me, com muito carinho, pelo meu nome familiar. O carro deteve-se, beijei a mão de Mons. Escrivá – para nós, o Padre – , que me cumprimentou com afeto de pai, e depois de me olhar nos olhos afetuosamente, disse-me umas palavras que ecoam ainda nos meus ouvidos: – “Em Barcelona – a cidade onde nasci e estudei até terminar o curso de Direito –, já tivemos os espinhos; agora chegou o tempo das rosas”.

Referia-se a umas contradições, narradas com detalhe nas biografias do santo, que no início dos anos quarenta (eu era ainda criança de nove ou dez anos) se desencadearam em Barcelona contra o nascente Opus Dei: calúnias, falsidades infames, acusações de heresia, promoção deliberada – até por parte de sacerdotes mal informados – de um clima de desconfiança e de terrorismo moral, dirigido a apavorar pais e mães de jovens que sentiam a vocação para o Opus Dei... Tudo se desfez com o tempo, e pôde-se verificar, como acontece também agora e sempre acontecerá, que “Deus dos males tira bens”, e que faz “concorrer todas as coisas, como escreve São Paulo, para o bem daqueles que o amam” (Rom 8, 28).

UM EPISÓDIO DE 1954

Pe. Francisco acompanha a São Josemaria durante a Dedicação do altar da Casa do Moinho, Cotia - SP, em 27.05.74

Via-o, ouvia-o, podia participar de conversas com ele quase todos os dias e, frequentemente, mais de uma vez por dia. As palavras cálidas com que me acolheu recém-chegado, são expressivas do clima de proximidade cordial que os alunos do Colégio Romano da Santa Cruz tínhamos com o nosso Fundador.

Posso afiançar que, desde o meu primeiro dia em Roma, vi um Mons. Escrivá alegre, sempre sorridente, cheio de uma vivacidade e de uma vitalidade fora do comum; atento aos menores detalhes que pudessem significar ajuda, serviço, estímulo para qualquer um de nós; um Padre, um pai sensível às necessidades de estímulo, de consolo, de alegria ou de orientação de que precisasse algum de seus filhos.

Se me perguntassem pela sua saúde, provavelmente eu teria dito então que “esbanjava saúde”. Talvez, depois de dizê-lo, parasse uns instantes pensativo e acrescentasse: “Bem, já ouvi dizer que, desde 1940, padece de um diabetes grave, que tem fortes efeitos colaterais e lhe cria moléstias intensas; mas, sinceramente, não parece. Afora um pouco de cansaço algumas noites, e o fato de que precisa beber meio copo de água de vez em quando, eu não notei nada”. Creio que os universitários de vários países que estávamos lá, completando a nossa formação nas faculdades eclesiásticas romanas – muitos de nós preparando-nos para o sacerdócio –, teria expressado um parecer semelhante.

E, no entanto, o diabetes estava, naquele ano de 1954, na sua fase mais grave e perigosa. O certo, porém, é que nós não notávamos nada. Por isso, foi uma surpresa chocante a notícia que recebemos na primavera desse ano. O Padre, no dia 27 de abril – festa de Nossa Senhora de Montserrat – tivera um choque anafilático após receber a dose diária de uma nova insulina de efeito retardado, e entrara em coma, ficando como morto, à beira mesmo da morte. Antes de ficar desacordado, pedira ao Pe. Álvaro del Portillo, que estava a seu lado, a absolvição.

Dias mais tarde, recuperado da cegueira temporária que o afetou, contou-nos com muito bom humor que, mal pôde contemplar de novo seu rosto no espelho, comentou ao Pe. Álvaro: “Já sei que aspecto vou ter quando morrer...”. Por isso, dizia às vezes: “Já sei o que é morrer. Eu ‘morri’, naquele dia 27 de abril de 1954”. A partir daí, o diabetes desapareceu, ficando inexplicavelmente curado (Deus e Nossa Senhora têm a explicação), ainda que permanecessem sequelas dos longos anos da doença no rim, na vista e no coração. Uma vez ultrapassada essa ocorrência, tudo, no nosso convívio com ele, continuou, como dantes, num clima de permanente presença de Deus e de alegria expansiva e familiar.

Refletindo sobre esses fatos, escrevi em 1998: “Neste episódio todo, algo se nos revelou com absoluta nitidez, com inequívoca evidência: tínhamos vivido, dia após dia, com um Mons. Escrivá doente, afetado por forte mal-estar físico, muitas vezes cansado, esgotado, e nada disso tinha transparecido no seu porte, no seu rosto, no seu gesto, na sua conversação”. [1]

Só a pouco e pouco é que a maioria de nós foi-se apercebendo do valor dessa equanimidade, que não é “natural”. Começamos a vislumbrar, admirados, até que ponto um grande Amor, como o que São Josemaria tinha dentro da alma, pode levar um homem, por Deus, a um completo esquecimento de si mesmo.

CARINHO, SOLICITUDE, CONFIANÇA

Em 1954, cinco meses depois de eu ter chegado ao Colégio Romano da Santa Cruz, tivemos um retiro. Cada dia, Mons. Escrivá dava-nos duas das quatro meditações programadas. Nunca esqueci a força, o calor, a ênfase com que, ao falar-nos da fraternidade, frisou que o amor cristão, reflexo do de Cristo, jamais poderia ser “caridade oficial”, como a que recebia aquela jovem noviça que, doente e acamada, chorava, e ao perguntar-lhe o Padre: “Irmã, que acontece, não se sente bem tratada?”, ela respondeu: “Aqui tratam-me com muita caridade..., mas a minha mãe me tratava com carinho”. Ao chegar a este ponto, São Josemaria levantou a voz e exclamou: “Caridade oficial, não! Carinho!”

Como já observamos, ele era o primeiro a viver assim o amor a seus filhos e a todas as almas.

[1] Francisco Faus, A paciência, Ed. Quadrante, São Paulo, 1998, pág. 35.

Adaptado do livro «São Josemaria Escrivá no Brasil, esboços do perfil de um santo», Francisco Faus, " Editora Quadrante", São Paulo, 2007.