“Gosto de pensar no Opus Dei como uma família de famílias”

Fernanda Lopes é a presidente do Comitê inicial constituído para o centenário do Opus Dei. Faz parte da assessoria central em Roma desde setembro de 2020

Na praça de São Pedro com Mary, que é de Nyeri, 25 de junho de 2022

Oferecemos uma parte da entrevista a Fernanda Lopes publicada em https://opusdei.org/ca-es/, em que explica alguns desafios para a família e a formação que o Opus Dei oferece.


Nascida em Brasília, agora morando em Roma, você já conviveu com pessoas de vários países, e lidou com muitas famílias, o que lhe dá uma visão “global” da família, sua realidade em diferentes lugares do mundo, desafios, preocupações.

Na verdade, eu cheguei a Roma recentemente, no final de 2020, em plena pandemia. Mas o Brasil é um país com uma grande variedade, que acolhe pessoas de origens muito diferentes, com muitos desafios também, o que de certa forma facilita a abertura à universalidade.

No contexto globalizado em que nos encontramos, vemos que há uma base comum, vinda da secularização e desconstrução de muitos bens e valores éticos. Depois, cada continente tem os seus desafios e cada país as suas características específicas. É difícil generalizar, mas acho que poderíamos mencionar:

- Na Europa, o envelhecimento, a solidão, os fluxos migratórios e a necessidade de integração que trazem consigo; constata-se que o Estado não é o grande provedor e que temos de passar para políticas amigas da família.

- Na América, o desafio da justiça social: diferença de classes, favelas, narcotráfico, corrupção... E, por outro lado, uma grande vitalidade e alegria... E uma Igreja que perde presença diante do avanço de outras confissões cristãs.

- Na Ásia, com culturas de origem não cristã, a ausência de certos valores como o perdão. Na África, a presença da poligamia, por exemplo.

Ao mesmo tempo, podemos aprender com cada continente. Por exemplo, na Ásia encontramos valores humanos como o respeito, veneração pelos idosos, amor por um trabalho bem feito, sentido de justiça; e na África experimenta-se o sentido de comunidade e fraternidade universal.

O ambiente familiar é uma característica do espírito do Opus Dei desde o início. Como presidente do Comitê inicial constituído para o centenário da Prelazia, poderia nos dizer algo sobre os preparativos, alguma iniciativa especialmente relacionada à família?

A Obra, como a chamam os fiéis do Opus Dei, faz parte da Igreja, a Igreja é família e Mãe. São Josemaria falava da grande família da Obra. Eu gosto de pensar na Obra como uma família de famílias. Nestes anos, gostaríamos de aprofundar nesta característica. Queremos criar espaços de reflexão, aprendizado, escuta e participação: são as famílias que vão sugerir onde podemos ir, o que precisamos olhar com mais atenção. Faremos isso juntos.

Destaco algumas linhas: apoiar projetos que já existem a favor das famílias e considerar se estão de acordo com as necessidades sociais atuais; ajudar cada pessoa da Obra a ter iniciativa, para dar uma resposta criativa pessoal, intransferível, que cada supernumerária ou supernumerário seja protagonista; estar na vanguarda, dinamizando os talentos de todos; prestar mais atenção aos pobres, idosos, vulneráveis.

Queremos chegar ao Centenário renovados em nossa missão evangelizadora e fortalecidos pelos laços humanos e sobrenaturais que nos unem.


Em 19 de março de 2021, 5º aniversário da publicação da exortação apostólica 'Amoris Laetitia' sobre a beleza e a alegria do amor familiar, o Papa Francisco inaugurou o Ano da Família Amoris Laetitia, que se encerrou em 26 de junho de 2022, com o 10º Encontro Mundial das Famílias em Roma.

Por ocasião deste aniversário, o Instituto de Estudos Superiores da Família da UIC organizou um workshop no qual você participou junto com mais de 800 participantes de 50 países.

Algumas vezes as famílias, perante as suas dificuldades, podem perder de vista a beleza e a alegria do amor familiar. Este workshop proporcionou uma abordagem profissional ao acompanhamento que é realizado pelos especialistas, uma luz sobre o papel protagonista que as próprias famílias têm no seu ambiente, com parentes e amigos. Foi também uma ajuda para compreender com maior profundidade o desafio formativo que temos no Opus Dei no acompanhamento dos supernumerários e cooperadores

São Josemaria dizia: “O segredo da felicidade conjugal está no cotidiano, não em sonhos. Está em encontrar a alegria escondida de chegarem ao lar; no trato afetuoso com os filhos; no trabalho de todos os dias, em que toda a família colabora; no bom-humor perante as dificuldades” (Entrevistas, n. 91). Talvez devêssemos redescobrir o valor do é cotidiano e das pequenas virtudes - serviço, gentileza... - e idealizar menos?

Concordo plenamente! Muitas vezes podemos estar esperando dias melhores, uma mudança de circunstâncias, e nos esquecemos do presente e do que é concreto e pequeno que temos à mão. A beleza da vida conjugal e familiar, parece-me, é justamente saber encontrar a grandeza dos pequenos gestos de afeto, afirmação e reafirmação, vividos não com rotina, mas com a novidade que dá a visão da fé. Também tentando assumir com paz que haverá momentos em que não conseguiremos, que haverá momentos de turbulência... Mas procurando ser cada um “guardião da beleza da família”, como disse recentemente o Papa.

Por outro lado, com um olhar realista, São Josemaria dizia que este forte amor a que todos aspiramos inclui a compreensão e o amor aos defeitos do outro; não podemos aspirar a situações ideais.

O workshop discutiu sobre como acompanhar famílias “reais”, não “ideais”. Uma realidade é que há muitas rupturas e solidão. Como acompanhar neste cenário?

De fato, é assim. E ninguém é imune a esse risco. O que é a fidelidade senão a vulnerabilidade acompanhada, pela graça de Deus, pelo cônjuge, pelos amigos?

O acompanhamento que foi debatido no workshop visa justamente a prevenção e o conhecimento do que é a pessoa e a família, a partir do conhecimento de si mesmo pode-se ser muito livre e muito feliz. Penso, além disso, que a capacidade regenerativa do ser humano é impressionante.

Acompanhar também é ajudar a receber o perdão como dom ou aprender a perdoar a si mesmo, colocando pequenos pontos de luz e cor na vida das pessoas. E procurar especialistas quando for preciso. Precisamos compartilhar a vida, caminhar com as pessoas, para ser verdadeiros cristãos.

É bom ver que às vezes acompanhamos sem saber ou quase sem perceber, por exemplo: por meio da amizade, ou com o testemunho nas redes de que é possível - e atraente - viver de acordo com as nossas convicções. Todos nós precisamos encontrar a verdade encarnada na bondade e na beleza, tocar a humanidade.

As iniciativas vão mudando de acordo com as necessidades e respostas que as famílias exigem hoje. Tem-se falado da formação necessária para o acompanhamento e da importância de estabelecer vínculos afetivos para fazer isso de modo eficaz.

Uma mensagem que gostaria de deixar para as famílias e aqueles que estão pensando em formar uma…

Seriam duas mensagens: apresentem rostos sorridentes, pois essa atitude dissolve atritos, encurta distâncias e facilita a compreensão e o diálogo; e o conselho do Papa de exercitar todos os dias as palavras com licença, obrigado, perdão.