As idéias e os ideais de vida cristã nos rumos da história

Apresentamos um resumo da homilia pronunciada por mons. Vicente Ancona López, vigário regional da Prelazia do Opus Dei no Brasil, no Ato Acadêmico em homenagem ao Bem-aventurado Josemaría, no Centro de Extensão Universitária, no dia 1º de maio.

No fim do ano passado, quando esta homenagem já tinha sido programada, fomos surpreendidos pela alegre notícia da aprovação do milagre de mons. Escrivá, o que significava um sinal verde para a canonização que efetivamente se aprovou num consistório no começo de 2002. Desta forma, a comemoração do Centenário acabou adquirindo uma dimensão inesperada.

Esta coincidência do Centenário e da Canonização, no marco deste ato, leva-nos à consideração de dois ensinamentos convergentes de Mons. Escrivá, que podem ser sintetizados em duas frases. Uma delas serve de tema para este ato acadêmico:

Os intelectuais são como os cumes com neve: quando esta se desfaz, desce a água que faz frutificar os vales.

Ao longo dos séculos, a história é sempre foi movida por idéias. Qualquer historiador concorda com esta tese. As idéias geradas pelos intelectuais — geradas normalmente nos aerópagos, e fóruns universitários (basta recordar a Academia de Platão e o Liceu de Aristóteles) — depois se dissolvem e fecundam a arte, a política, os meios de comunicação, a educação e toda a sociedade.

A segunda frase, que nos é sugerida pela coincidência da canonização de Mons. Escrivá, faz referência à santidade e é um dos pensamentos centrais de Caminho:

Um segredo. — Um segredo em voz alta: estas crises mundiais são crises de santos.(Caminho, 301)

É outra importantíssima linha diretriz da história e seu motor oculto. Os santos provocam guinadas no rumo da história. Trata-se de uma lei menos evidente do que a primeira. Quase um segredo! Mas uma tese igualmente certeira e verificável. Há uma enorme influência e intervenção dos santos na história da humanidade, quer como instrumentos de correção das idéias e ideologias erráticas — basta pensar na cristianização do império romano, regada com o sangue dos mártires ou na torrente de caridade que suavizou tantas situações injustas ao longo dos séculos —, quer como iluminadores e propulsores das idéias luz e das idéias força. Mons. Escrivá dizia que nenhum ideal se torna realidade se não há homens que o encarnem e o levem à prática. Os santos, ao encarnarem os grandes ideais cristãos, vão solidificando as colunas da sabedoria onde se desfazem as vagas das mentiras cíclicas.

Estas duas linhas motrizes da história — a traçada pelas grandes idéias e a traçada pelo ideal de vida cristã — muitas vezes se cruzaram, e, quando isto aconteceu os resultados foram assombrosamente positivos.

Ao longo da história

Se fôssemos sobrevoar num rapidíssimo vôo de águia os 20 séculos de cristianismo poderíamos perceber que estas duas linhas já se cruzaram várias vezes. Pensemos, por exemplo, nos grandes centros da patrística — Roma, Antioquia, Alexandria — onde Santo Agostinho, São Jerônimo, São Basílio, São Gregório Magno "re-formataram" a filosofia grega e a potencializaram. Outros momentos de cruzamento dessas duas linhas ocorrem nas Universidades de Colônia e Paris em tempos de Santo Alberto Magno e São Tomás, que solidificam definitivamente a harmonia entre a fé e a razão. Cruzaram-se outra vez em Oxford, quando John Henry Newmann e Manning, dois cumes nevados, dão origem ao movimento de Oxford, que seria uma lufada de oxigênio em todo o mundo intelectual anglo-saxão. Cito só alguns dos muitos pontos de encontro entre a santidade e a intelectualidade que, sempre que ocorre, não só reproduz a luz que permite diferenciar a verdade do erro, como abre rumos novos à investigação e à pesquisa nas ciências humanas.

Coube-nos viver um período histórico de verdadeira anorexia cultural, com o qual não podemos nos conformar. Precisamente o Papa João Paulo II, também ele homem de universidade, filósofo e teólogo brilhante, exortava recentemente um grupo de professores e estudantes universitários — que participaram do Congresso do UNIV em Roma no fim de março — a enveredar pelo caminho do trabalho intelectual intenso e abnegado:

Trata-se de um caminho difícil, que com frequência contrasta com a mentalidade de vossos contemporâneos. Certamente requer ir contra-corrente a respeito de modas e comportamentos que hoje dominam. (...). Resistam, queridos jovens do UNIV, à tentação da mediocridade e do conformismo. (25-III-02)

Peçamos então (...) que saibamos aproveitar este ato acadêmico e esta oportunidade espiritual para renovar o empenho em estudar e pesquisar com denodo, unindo o amor à ciência e à cultura o amor a Deus, que é o Senhor da Verdade e da História, e o fim último de todos os esforços e anseios do ser humano.