Além das palavras - Experiências de um grupo de brasileiras em Roma

"Incontro Romano", um fórum internacional sobre a cultura do serviço, acontece todos os anos em Roma, durante a Semana Santa. Conheça as aventuras de um grupo brasileiro que conseguiu participar, e teve o seu trabalho premiado.

O Incontro Romano é um fórum internacional, dirigido a estudantes, com o objetivo de criar uma nova cultura do serviço na sociedade, levando as participantes a refletirem sobre a pessoa, a família e a excelência no lar. Neste ano, pela primeira vez, um grupo do Brasil participou da fase final em Roma.

Tamires e Carina, com outras três moças do Rio de Janeiro, apresentaram um trabalho sobre a linguagem não verbal como forma de acolhimento. Relatam aqui as suas aventuras para elaborar o projeto e conseguir o dinheiro para a viagem.

Mudar o mundo: um sonho possível

Meu nome é Tamires Costa, eu conheci o Opus Dei quando terminava o Ensino Médio. Estava no ônibus e comecei a conversar com uma moça, que me perguntou o que eu planejava para minha vida. Respondi que queria mudar o mundo!!! Talvez um pouco surpresa, minha nova amiga me convidou a um Centro do Opus Dei e me explicou que isso me ajudaria a realizar meus planos. Desde então, essa vontade de mudar o mundo foi se tornando cada vez mais forte e mais real. Pedi admissão no Opus Dei como Numerária Auxiliar.

Tamires na praça de São Pedro, em Roma

Em 2015, vim morar num Centro da Obra do Rio de Janeiro. Fiz várias amigas que compartilham comigo a inquietação de mudar o mundo em que vivem. E cada vez fui me convencendo mais de que, para isso, todas necessitamos de formação espiritual e humana. Participo das atividades formativas do Vértice, um centro do Opus Dei, e fomos convidadas a participar da fase nacional do Incontro Romano, em São Paulo apresentando um trabalho sobre o tema Construir um mundo acolhedor”.

Várias amigas que trabalham na área de educação e serviços se animaram, e acabamos realizando uma fase local do Incontro Romano no Rio de Janeiro, com a apresentação de vários trabalhos. Nessa fase, foram escolhidos três trabalhos sobre os temas: amizade, solidariedade e linguagem não verbal como formas de acolhimento. A banca julgadora sugeriu-nos que, já que os temas não se excluíam, transformássemos esses três trabalhos em um trabalho maior para apresentar na fase nacional. Aceitamos o desafio e para isso tivemos que estudar e refletir sobre diversos temas como antropologia do serviço, virtudes, amizade, conhecimento próprio, misericórdia... Depois de não poucos esforços concluímos o trabalho para enviar a São Paulo com o tema: Além das palavras. O trabalho explica que a acolhida vai além de formalidades e do ambiente de trabalho. Permeia toda a nossa existência e podemos ser acolhedores em todos os âmbitos da sociedade. Quando acolhemos, damos e recebemos.

Viajamos para São Paulo e nossa apresentação foi um sucesso. Tive muito orgulho de minhas amigas.

Sugeriram que traduzíssemos o trabalho para o espanhol e enviássemos a Roma pois, se quiséssemos, poderíamos participar do Incontro. Não precisamos pensar muito para responder o convite! Se já estávamos motivadas agora então estávamos elétricas! Raquel começou a se preparar para a apresentação em espanhol. E todas começamos a procurar recursos para a viagem.

Como é lógico, nenhuma de nós tinha dinheiro disponível para uma viagem internacional. Mas sabíamos que a viagem valia mais do que custava.

A busca por recursos foi uma grande aventura. Como é lógico, nenhuma de nós tinha dinheiro disponível para uma viagem internacional. Mas sabíamos que a viagem valia mais do que custava. Podemos dizer que Nilva, uma das participantes do grupo, foi a nossa “empresária”, pois teve muitas iniciativas que nós colocávamos em prática. Trabalha como secretária em um colégio e cursava Administração de Empresas. Para obter o valor de sua passagem, trancou a matrícula da faculdade, atrasando o curso. Para ajudar a que todas ganhassem sua parte, conseguiu que trabalhássemos nos fins de semana como animadoras de festas infantis dos alunos do colégio. Agradeci a Deus por, em algum dia da minha adolescência, ter feito um curso de circo, onde aprendi a ser malabarista e andar em pernas de pau.

Além disso vendíamos tudo o que pudéssemos produzir para conseguir recursos. Carina, que é professora, se encarregou da produção. Tem muito jeito para doces, produziu os alfajores e eu me encarreguei das empadas salgadas. Raquel e Val, além das vendas, ficaram encarregadas de traduzir o trabalho para o espanhol e ensaiar a apresentação. Tudo isso foi nos deixando muito amigas e muito unidas. Quando alguma encontrava um obstáculo, todas se dedicavam a resolvê-lo.

Para conseguir recursos para a viagem, vendemos "alfajores" empadas, cestas de Natal...

Toda essa oração e amizade nos ajudaram a ter mais paciência diante das dificuldades. Quando faltava uma semana para a viagem, Carina soube que sua passagem não havia sido emitida por um engano da agência de viagens. Com oração e boa educação e paciência, o problema se resolveu.

Na escola onde Nilva trabalha, também trabalham algumas Supernumerárias e Cooperadoras do Opus Dei, que foram muito generosas. Também rifamos uma cesta com produtos variados. Todos esses produtos foram doados por amigos e familiares que, logo depois, compravam as rifas. Para vender os números da rifa, muitas pessoas não economizaram esforços. Foi o caso de uma Cooperadora de Petrópolis: mesmo com um problema de saúde e dificuldade para caminhar, saiu pelo seu bairro oferecendo a rifa e não voltou para casa enquanto não vendeu 200 números. Mais de uma de minhas amigas me perguntou o que movia essas pessoas a ajudar-nos já que não viajariam.

Sempre falávamos de quanto essa viagem transformaria a nossa vida, mas percebemos que a preparação para a viagem já nos tinha transformado.

Sempre falávamos de quanto essa viagem transformaria a nossa vida, mas refletindo entre nós, pudemos perceber que a preparação para a viagem já nos tinha transformado. Na ida, passamos por Fátima, em Portugal, e lá fizemos uma romaria a Nossa Senhora neste ano tão significativo. Tanto para agradecer e tanto para pedir...

Apresentamos o nosso trabalho que ficou em primeiro lugar! Estávamos muito felizes, mas quando chegaram os dias de conhecer o Papa e o Prelado da Obra, estávamos ainda mais! Que alegria pensar que estivemos na primeira tertúlia internacional do Padre com as moças de São Rafael!

Só posso concluir que todo o sacrifício compensa para chegar a Roma, porque podemos sentir como a Igreja é universal e como vale a pena fazer parte dessa Igreja. Continuo sonhando em mudar o mundo, agora que já retornamos às nossas atividades habituais. Sei que cada tarefa oferecida a Deus, cada sorriso diante de uma contrariedade, cada conversa com minhas amigas, cada conta do meu terço são passos importantes para que ele se concretize.

Carina, Tamires, Valdilanne, Rachel e Nilva, no dia da Apresentação do trabalho em Roma

Educar para a solidariedade

Meu nome é Carina Cunha, sou professora de uma escola pública de Ensino Fundamental aqui no Rio de Janeiro. Conheci a Obra há 5 anos por meio de uma amiga de infância, a Luana, que hoje é Numerária Auxiliar. Eu já tinha ouvido falar do Incontro Romano algumas vezes, mas nunca tinha participado, até o ano passado, 2016.

A formação recebida no Vértice, Centro da Obra que frequento, no Rio de Janeiro, sempre me ajudou muito, tanto na minha formação doutrinal como na minha formação profissional.

Uma vez, convidaram-me para um encontro de professoras em que poderíamos aprofundar sobre a responsabilidade de nosso trabalho e a importância de fazê-lo bem. Uma das professoras – Beatriz, que é do Opus Dei – deu um testemunho sobre uma iniciativa de voluntariado que realizou com seus alunos na escola particular onde ela trabalhava. Eu achei aquilo o máximo e pensei que necessitava levar isso para a minha prática docente. Ficar somente na sala de aula, passando conteúdos, já não mais me realizava. Necessitava fazer algo que alcançasse mais os meus alunos e também as outras pessoas da escola, de forma diferente, em outra “dimensão”. Então pensei em levar a ideia da Beatriz para a minha escola.

Havia alguns obstáculos que, no princípio, me assustaram: a escola era carente dos recursos mínimos, localizada em um bairro de periferia. As crianças são muito agressivas, brigam muito entre elas. Imaginei que seria muito difícil e assim foi, mas no final conseguimos fazer um lindo projeto de voluntariado que chamamos Natal Solidário, porque seria realizado na época dessa festa.

Eu achava que aquela ação voluntária seria para acolher os idosos, mas me surpreendi: os acolhidos fomos nós, alunos e principalmente os colegas professores

No primeiro ano, selecionamos um grupo de crianças e as acompanhamos a uma visita a um pequeno asilo de idosos, próximo à escola pois não tínhamos nenhum recurso – verba ou meio de transporte - que nos levasse mais longe. O grupo de alunos seria pequeno, mas entendemos que ele poderia transmitir o que tinha aprendido a outros alunos, a mais pessoas e assim sucessivamente. Fizemos uma arrecadação de itens para os idosos, cada professor desenvolveu um trabalho de preparação com seus alunos e saímos para o asilo. Quando chegamos, eu achava que aquela ação voluntária seria para acolher os idosos, mas me surpreendi, pois foi exatamente ao contrário: os acolhidos fomos nós, meus alunos e principalmente os colegas professores – até os que não acreditavam tanto no projeto -, se impressionaram com as manifestações de gratidão, a fé e a esperança daqueles idosos, que desfrutavam cada gesto, cada sorriso. No ano seguinte, com mais recursos, alunos e professores mais motivados, visitamos um orfanato e tivemos a mesma sensação de carinhosa acolhida. É possível acolher, dar-se aos outros e assim mudar a realidade em que vivemos para um mundo com mais ternura.

Rachel e Carina em São Paulo

Foram essas experiências que me impulsionaram a aceitar o convite de Tamires, do Vértice, para colaborar na confecção do trabalho do Incontro Romano. No começo, eu não tinha noção de que ajuda seria. Achava que seria algo pequeno, simples, mas, ao longo do tempo, Tamires foi nos explicando que teríamos que nos organizar em grupos, que seria um trabalho muito profissional. Fui compreendendo a real dimensão desse projeto, que não se tratava de um trabalho teórico. Seria algo em que contaríamos experiências que poderiam ajudar a muitas pessoas, tantas jovens que têm as mesmas inquietações que eu. Eu vivia à procura de algo que ocupasse meus dias com significado, que me fizesse refletir realmente sobre a minha vida, tanto a profissional como humana. Nós ficamos muito felizes com a notícia da aprovação, e não deixávamos de comentar como algo tão pequeno no início adquiriu uma proporção tão grande a ponto de podermos ir apresentá-lo em Roma, num Congresso Internacional.

A dificuldade que se apresentava era como chegaríamos a Roma. Estávamos convencidas de que nosso trabalho poderia ajudar muitas pessoas. Tínhamos interesse em propagar as ideias do projeto “Além das palavras” a todo mundo. Então começamos a pensar no que poderíamos fazer para conseguir os recursos de que precisávamos para materializar este sonho. Começamos a perceber que Deus nos havia dado diferentes dons: eu era professora, mas também poderia ser uma boa doceira, a Nilva é secretária, mas também uma ótima vendedora... Assim, no grupo, fomos descobrindo vários talentos e começamos a fazer o que podíamos: vendemos doces, salgados, animamos festas infantis... sempre rezando e entregando a Deus, oferecendo e sempre acreditando que iríamos conseguir. Quando alguma se desanimava diante de alguma dificuldade, as outras mantinham a serenidade e juntas pensávamos como superar o obstáculo. Tive um grande apoio da escola pública em que trabalho. Precisei de licenças de trabalho, pois não era época de férias. Todos se encantaram com a proposta do projeto “Além das palavras”, ainda mais sabendo que as ações voluntárias que realizamos contribuíram para sua gênese. O apoio de nossas famílias, amigos, vizinhos foi fundamental. Conforme contávamos sobre o trabalho as pessoas já nos perguntavam como poderiam nos ajudar a chegar a Roma. Fizemos uma página no Facebook para divulgar mais o nosso projeto e fomos crescendo.

Quando comecei a escrever o trabalho não tinha noção de que algo que começou tão pequeno me levaria tão longe e me proporcionaria uma experiência tão intensa com Deus, pois pude sentir sua presença muito próxima lá em Roma, principalmente ao estar com o Papa, no Vaticano ou com o Padre em Villa Balestra e são Josemaria em Villa Tevere. O projeto Além das Palavras, o Incontro Romano, foram diferenciais na minha vida. Saí desta experiência mudada, diferente, muito feliz. Acho que amadurecemos, nos fortalecemos como pessoas, como grupo, como amigas e com muita vontade de ajudar os que nos rodeiam.