Ações de Graças

O crescimento em santidade pressupõe a gratidão, o reconhecimento efetivo dos dons de Deus, percebendo seu amor em tudo o que acontece à pessoa. E essa gratidão é chamada a expressar-se através das ações de graças.

Foto: Lilia Macías

São Josemaria relacionava o agradecimento, o amor a Deus e a filiação divina. A seguir oferecemos a definição e contexto histórico do conceito de “ações de graças” no Dicionário de São Josemaria Escrivá.

1. O reconhecimento dos dons divinos, condição do progresso espiritual.

2. Importância das ações de graças.


Na teologia moral, a gratidão é considerada parte potencial da virtude da justiça. Segundo São Josemaria, a justiça leva-nos a considerar nossa dependência de Deus e a reconhecer os abundantes bens que Ele nos concede, para encher-nos de gratidão e de desejos de corresponder a um Pai que nos ama até a loucura; isto suscita o espírito de piedade filial que nos fará tratar a Deus com ternura de coração (cfr. Amigos de Deus, 167). Desta forma, São Josemaria sintetiza a sua profunda compreensão das relações entre gratidão, amor de Deus e filiação divina. E, ao mesmo tempo, ajuda a perceber que, como consequência da paternidade universal de Deus, a virtude cristã da justiça estimula-nos a mostrar-nos agradecidos, afáveis e generosos com os outros (cfr. 169).

1. O reconhecimento dos dons divinos, condição do progresso espiritual

Os escritos de São Josemaria destacam que a pessoa agradecida possui uma profunda humildade pessoal (cfr. É Cristo que Passa, 3) e a consciência de sua própria pequenez (cfr. Forja, 174), que a faz receber tudo como um dom imerecido (cfr. Forja, 365), quer se trate de uma alegria ou de uma dor, venha de Deus ou, aparentemente dos homens (cfr. Caminho, 658 e Caminho 894). Ao dar-se conta do dom recebido, esta pessoa tem consciência do amor que o dom expressa, e responde com um amor agradecido que se manifesta em ações de graças (cfr. Forja, 904). A chave, portanto, das ações de graças próprias da virtude da gratidão é o amor; o amor humano que responde ao Amor divino (cfr. Via Sacra, V Estação).

A Tradição cristã atribui grande importância às ações de graças na liturgia. São Josemaria faz-se eco dessa prática convidando a agradecer o dom que Deus faz de si mesmo na Eucaristia (cfr. Forja, 27; Forja 304; É Cristo que Passa, 88) e nos outros sacramentos (cfr. Forja, 11; Caminho, 521); e convida inclusive a romper a cantar (cfr. Caminho, 523-524) em união com a liturgia celestial (cfr. Ap. 1, 6; 4, 11; 5, 13). Destaca especialmente a importância da ação de graças depois da Comunhão; “O amor a Cristo, que se oferece por nós, incita-nos a saber encontrar, uma vez terminada a Missa, alguns minutos para uma ação de graças pessoal e íntima, que prolongue no silêncio do coração essa outra ação de graças que é a Eucaristia” (É Cristo que Passa, 92).

Diversos autores espirituais estabeleceram uma relação entre a gratidão e o dom da piedade e a ação do Espírito Santo na alma, destacando a chamada oração de agradecimento, também fora da liturgia. Nessa linha, São Josemaria anima a fomentar a atitude constante de ação de graças, fundamentando esta prática de piedade no sentido da filiação divina. O cristão que se sabe filho de Deus Pai no Filho, movido pelo Espírito Santo, é capaz de viver em constante agradecimento filial e humilde para com seu Pai, e manifesta assim a sua consciência da presença amorosa do seu Pai e dos dons divinos em tudo o que lhe acontece (cfr. Amigos de Deus, 44-45, 149; Forja, 173, 365; Caminho, 608).

Nos escritos de São Josemaria enumeram-se diversos motivos para dar graças a Deus, desde o mais humano e fácil (cfr, Forja, 16, 19, 174; Sulco, 85; Amigos de Deus, 247), até a vocação à santidade (cfr. É Cristo que Passa, 32; Forja, 279, 904; Sulco, 454; Caminho, 913) e inclusive a tentação (cfr. Forja, 313) ou o fracasso (cfr. Caminho, 404); ou como fazem as crianças: “Já viste como agradecem as crianças? – Imita-as dizendo, como elas, a Jesus, diante do favorável e diante do adverso: ‘Que bom que és! Que bom!’... Esta frase, bem sentida, é caminho de infância, que te levará à paz, com peso e medida de risos e prantos, e sem peso e medida de Amor” (Caminho, 894).

O convite a agradecer e a amar a Cruz, como dom de Cristo (cfr. Caminho, 773, 776) tem um profundo sentido pois destaca um elemento importante no progresso espiritual, a identificação com Cristo: “Ut in gratiarum semper actione maneamus! Permaneçamos sempre em ação de graças! Meu Deus, obrigado, obrigado por tudo: pelo que me contraria, pelo que eu não entendo, pelo que me faz sofrer. Os golpes são necessários para arrancar do grande bloco de mármore aquilo que sobra. Assim esculpe Deus nas almas a imagem de seu Filho. Agradece ao Senhor essas delicadezas!” (Via Sacra, VI Estação; cfr. Forja, 609).

O agradecimento, a ação de graças a Deus, deve expressar-se em um amor manifestado em obras e verdade (cfr. Forja, 866), em obras de serviço (cfr. Forja, 891), em propósitos eficazes de melhora (cfr. Caminho, 298; Forja, 279), e em apostolado (cfr. Sulco, 2, 184; Forja, 27). Só assim se corresponde sinceramente e de verdade ao grande amor que Deus nos tem como seus filhos. Devemos agradecer, com nosso amor, o amor que levou Cristo a encarnar-se, a viver e a morrer por todos os homens (cfr. Sulco, 813). “Queres saber como agradecer ao Senhor o que fez por nós?... Com amor! Não há outro caminho. Amor com amor se paga. Mas a certeza do carinho é o sacrifício que a dá. Portanto, ânimo! Nega-te e toma a sua Cruz. Então terás a certeza de Lhe devolver amor por Amor” (Via Sacra, V Estação).

2. Importância das ações de graças

O crescimento em santidade pressupõe a gratidão, o reconhecimento efetivo dos dons de Deus, percebendo seu amor em tudo o que acontece à pessoa. E essa gratidão é chamada a expressar-se através das ações de graças.

Essa espiral contínua – do Amor gratuito de Deus ao amor agradecido a Deus – leva à união definitiva do filho de Deus com o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Assim se realizou na vida de São Josemaria como testemunham umas palavras pronunciadas em 27 de março de 1975, véspera do quinquagésimo aniversário de sua ordenação sacerdotal, três meses apenas antes de seu falecimento: “Senhor, obrigado por tudo, muito obrigado! Tenho-te dado graças; tenho-te dado graças habitualmente. Antes de repetir agora esse grito litúrgico – gratias tibi, Deus, gratias tibi – eu te vinha dizendo com o coração. E agora são muitas as bocas, muitos peitos que te repetem em uníssono o mesmo: gratias tibi, Deus, gratias tibi!, pois só temos motivos para dar graças... A vida de cada um tem que ser um cântico de ação de graças... dar graças, que é uma obrigação capital. Não é uma obrigação deste momento... é um dever constante, uma manifestação de vida sobrenatural, um modo humano e divino ao mesmo tempo de corresponder ao teu Amor, que é divino e humano” (citado em Bernal, 1977, pp. 416-417).


Bibliografia: Salvador Bernal, Mons. Josemaria Escriva de Balaguer Perfil do Fundador da Opus Dei, São Paulo, Quadrante, 1977; Francisco Fernández-Carvajal - Pedro Beteta López, Hijos de Dios. La filiación divina que vivió y predicó el Beato Josemaria Escrivá, Madri, Palabra, 19963; Fernando Ocáriz, Naturaleza, gracia y gloria, Pamplona, EUNSA, 2012; Alexis Riaud, A ação do Espírito Santo na alma, São Paulo, Quadrante, 1998.