A intimidade no casamento: felicidade para os esposos e abertura à vida (2)

O ato conjugal é a linguagem com a qual os esposos dizem-se mutuamente: “eu te amo incondicionalmente, fielmente, para sempre e com todo meu ser”. Assim o explica esse editorial sobre o amor humano.

Foto de Barbara Krawcowicz

1. A expressão e perfeição do amor conjugal nos atos próprios dos esposos

O casamento, como união conjugal, orienta-se para a ajuda mútua interpessoal dos cônjuges e para a procriação, recepção e educação dos filhos. As forças instintivas, emocionais e racionais que se encontram presentes na dimensão sexual dos esposos ordenam-se e transformam-se em dignas da pessoa humana e do amor matrimonial, quando se realizam presididas pelas características essenciais do amor e da união conjugal: no contexto de um amor indissoluvelmente fiel e aberto à vida. No casamento, neste sentido, também ocorre um aprendizado da inclinação sexual, em que não cabe a libertinagem.

O ato conjugal é o ato próprio e específico da vida matrimonial. É o modo típico com o qual os esposos se expressam como “uma só carne”[1], e chegam a conhecer-se mutuamente na sua condição específica de esposos. É o ato no qual os cônjuges comunicam, de fato, a mútua doação que confirmaram na palavra ao contraírem matrimônio; é a linguagem que usam mutuamente: “eu te amo incondicionalmente, fielmente, para sempre e com todo o meu ser. Estou comprometido a formar contigo uma família”.

A união sexual é um ato de entrega, e por isso é um gesto exclusivamente marital. Supõe o compromisso matrimonial prévio, e a decisão real de expressar e realizar cada relação conjugal como um ato de verdadeira entrega, onde cada cônjuge busque primeiro e, sobretudo, o bem e a satisfação do outro[2]. Nesse contexto, é normal e bom que dentro do casamento haja mostras do amor que os unam e os faça felizes por estar juntos. Estas demonstrações de amor são muito diferentes e íntimas, são um dom de Deus e do cônjuge. Só por razões justas seria aceitável dentro da relação matrimonial prescindir deste tipo de união entre os esposos.

A intimidade física não só é um dos meios mais altos de expressar amor e unidade; também é a forma pela qual os filhos chegam à família. “A união do homem e da mulher no casamento é uma maneira de imitar na carne a generosidade e a fecundidade do Criador”; por isso é formosa e sagrada[3]. Como espaço da ação criadora de Deus na transmissão da vida, a união dos esposos deve ser sinal do amor de Deus.

Como consequência, “os atos pelos quais os esposos se unem em intimidade e pureza são honestos e dignos; realizados de modo autenticamente humano, exprimem e alimentam a mútua entrega pela qual se enriquecem um ao outro na alegria e gratidão”[4]. O ato conjugal não só é moralmente bom, mas quando está presidido pela caridade, é santo e fonte de santificação para os casados[5]. É uma consequência imediata da doutrina sobre o casamento como caminho de santidade. Neste contexto, São Josemaria dizia: “O que o Senhor lhes pede é que se respeitem e que sejam mutuamente leais, que se confortem com delicadeza, com naturalidade, com modéstia. Dir-lhes-ei também que as relações conjugais são dignas quando são prova de verdadeiro amor e, portanto, estão abertas à fecundidade, aos filhos”[6].

O ato conjugal servirá à realização do bem dos cônjuges se é verdadeiramente conjugal; isto é, se é expressão de doação mútua, que, como elementos essenciais, comporta: a atitude de abertura à paternidade ou maternidade; o respeito à pessoa do outro e o domínio dos próprios instintos, que se encaixam de tal modo que o desejo não escraviza, mas deixa a liberdade necessária para doar-se ao outro. Esta é uma das razões pelas quais a castidade é um elemento necessário da verdade do amor conjugal[7].

2. A castidade: virtude dos apaixonados

A castidade, nas palavras do Catecismo, é “uma virtude moral e também um dom de Deus[8]. Uma virtude para cultivar e um dom que nos é presenteado: é um dom e uma tarefa. A sexualidade no casamento deve ser vivida a partir da castidade. A castidade como virtude implicará, no caso dos casados, atuar conforme a sua realidade vital: buscar o bem do cônjuge, praticar a fidelidade conjugal e estar abertos ao dom da vida.

Viver a castidade é viver o amor em plenitude[9]. Às vezes, os esposos podem ver a chamada a ser castos e puros como algo que limitaria seu carinho: até onde podemos chegar? O que a Igreja permite e o que proíbe? Mas a castidade no casamento não é um não a certas coisas. Se bem que exclui certos comportamentos que não são dignos, esta é acima de tudo um sim ao outro[10] . É o cuidado do amor único e exclusivo para o outro.

A castidade não é menosprezo nem descarte da sexualidade ou do prazer sexual, mas força interior que liberta a sexualidade dos elementos negativos (egoísmo, agressividade, atropelo, coisificação do outro, narcisismo, luxuria, violência...) e a promove à plenitude do amor autêntico. É a virtude que permite ter o senhorio ou domínio sobre esta dimensão humana[11].

A castidade implica uma aprendizagem do domínio de si, que é uma pedagogia da liberdade humana. A castidade conjugal permite aos esposos integrar os sentimentos, os afetos e as paixões num bem superior que os libera do egoísmo e os capacita para amar de verdade respeitando-se mutuamente. Em outras palavras, a castidade é a valorização da sexualidade como afetividade comprometida, fiel, leal e respeitosa da situação de cada um[12].

3. Ajudar-se mutuamente: a intimidade conjugal

Muitas pessoas confundem a intimidade conjugal com as relações maritais, mas a verdadeira intimidade é muito mais que isso: é essa relação que mantém forte e unida a relação dos esposos, é a união profunda entre duas pessoas que se amam[13]. A intimidade conjugal exige e se manifesta na entrega mútua e cresce a partir das diferenças, inclusive discussões, sobre os detalhes da vida diária até aos instantes em que um confia ao outro os sentimentos mais íntimos, aqueles que não compartilhariam com mais ninguém. Para que exista essa intimidade, os esposos devem criar conjuntamente, uma ponte de união profunda – formada por pilares de conhecimento mútuo, de confiança, de diálogo, de generosidade, de respeito, de admiração, de compreensão, de atração física, de ternura, de sentido de humor, de proximidade, etc. – que é possível cruzar quando há dois seres de se desejam e se amam incondicionalmente.

Os esposos que vivem essa intimidade com generosidade buscam uma união mais completa e profunda de todo o seu ser, de seus corpos, de suas mentes e de seus espíritos. Ambos os cônjuges tem esse desejo de cumplicidade, de conhecer-se e de se entregarem mutuamente. Estes esposos compartilham paixão, sentimentos e emoções, fazem planos e tomam decisões juntos; em poucas palavras, têm uma vida em comum, essa vida é dos dois, algo que os faz únicos, que faz única a sua relação matrimonial. Essa intimidade conjugal transcende aos cônjuges e os leva a formar uma família na qual existe a abertura à vida e se tenta também ser fecundos socialmente.

Todos os fins se entrelaçam uns aos outros e, se quiserem obter plena e equilibradamente, é preciso buscá-los todos, conjunta e harmoniosamente, sem contradições artificiais. Ao mesmo tempo, convém ter muito claro que a mútua ajuda não é um meio para a obtenção de outros fins, mas um fim em si mesmo. Esposo e esposa não somente se complementam e ajudam quanto à geração e educação dos filhos que tiverem; também se complementam em si mesmos, pois cada um é o bem do outro.

“Para um cristão, o matrimônio não é uma simples instituição social, e menos ainda um remédio para as fraquezas humanas: é uma autêntica vocação sobrenatural... Os casados estão chamados a santificar o seu matrimônio e a santificar-se a si próprios nessa união; por isso, cometeriam um grave erro se edificassem a sua conduta espiritual de costas para o lar, à margem do lar. A vida familiar, as relações conjugais, o cuidado e a educação dos filhos, o esforço necessário para manter a família, para garantir o seu futuro e melhorar as suas condições de vida, o convívio com as outras pessoas que constituem a comunidade social... tudo isso são situações humanas, comuns, que os esposos cristãos devem sobrenaturalizar”[14].

Javier Escrivá Ivars


[1] Cfr. Gen. 2, 24

[2] Por isso, qualquer ato contrário a esta fidelidade e exclusividade implica um grave atentado ao próprio cônjuge.

[3] Catecismo da Igreja católica, n. 2335.

[4] Concílio Vaticano II, Constituição Gaudium et Spes, n. 49.

[5] Cfr. São Josemaria, Amigos de Deus, 184.

[6] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 25. O mesmo deve ser dito sobre o uso do casamento, quando se sabe que, por motivos alheios à vontade dos cônjuges, a procriação não ocorre.

[7] Cfr. A. Sarmiento, El matrimonio cristiano, p. 387.

[8] Catecismo da Igreja católica, n. 2345. O Catecismo também explica que “A virtude da castidade é comandada pela virtude cardeal da temperança, que tem em vista fazer depender da razão a paixões e os apetites da sensibilidade humana” (n. 2341). Mas o que é realmente a Castidade? O Catecismo diz que “A castidade significa a integração correta da sexualidade na pessoa e, com isso, a unidade interior do homem em seu ser corporal e espiritual” (n. 2337). É uma virtude adquirida por meio de “uma aprendizagem do domínio de si que é uma pedagogia da liberdade humana” (n. 2339).

[9] Cfr. Catecismo da Igreja católica, n. 2331-2391.

[10] Cfr. Conselho Pontifício para a família, Sexualidade humana: verdade e significado (8-12-1995); Idem, Vademecum para os confessores sobre alguns temas de moral (12-02-1997).

[11] Não se trata de um exercício ascético de renúncia; em essência, é um dom de Deus. Certamente pressupõe luta, como toda virtude moral; mas é graça que o Espírito Santo concede no batismo e no sacramento do matrimônio (cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 2345). Daí a necessidade absoluta de oração humilde para pedir a Deus a virtude da castidade.

[12] “Todo batizado é chamado à castidade. O cristão ‘se vestiu de Cristo’, modelo de toda castidade. Todos os fiéis de Cristo são chamados a levar uma vida casta segundo seu específico estado de vida. No momento do Batismo, o cristão se comprometeu a viver sua afetividade na castidade”.

[13] Cfr. Erich Fromm, A arte de amar.

[14] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 23.