A fortuna de uma família 'progre'

Depois de quase 22 anos de casados, Rosa e José Gabriel abrem-nos a história do seu livro de família numerosa: muita normalidade, mais ferramentas para educar bem os filhos e um capítulo finlandês que representa bem a honra que sentem porque Deus bateu às portas de sua casa com vocações para a Igreja.

Rosa e José Gabriel.

Após quase vinte dois anos de casados, a minha mulher e eu olhamos para trás e só vemos motivos para dar graças a Deus.

Aquele curso de Primeiros Passos foi como uma espécie de manual de instruções que nos serviu para enfrentar a chegada da nossa primeira filha com a maior dignidade possível

Ainda recordo o primeiro curso de orientação familiar que fizemos quando estávamos à espera de nossa filha mais velha, que já está no seu terceiro ano da universidade. Aquele curso de Primeiros Passos foi como uma espécie de manual de instruções que nos serviu para enfrentar a chegada da nossa primeira filha com a maior dignidade possível. E, com certeza, o que ali aprendemos nos deu orientações que serviram muitíssimo para os filhos que foram chegando depois. E, além disso, conhecemos um bom grupo de casais, tão inexperientes como nós naquele momento; suponho que foi essa nossa inexperiência coletiva e a apreensão que a paternidade produzia em todos foram as principais causas de que ríssemos muito e de que fizéssemos amizades que mantemos até hoje.

«A seguir, a minha mulher e eu comentamos divertidos que, efetivamente, na sociedade que nos coube viver, um estilo de vida sóbrio é uma coisa bastante progressista»

Depois vieram outros cursos que nos acompanharam no crescimento dos nossos filhos e que nos deram uma boa bagagem para abordar as etapas seguintes.

Costumo dizer que nas famílias numerosas fazemos da necessidade uma virtude, e as circunstâncias em que vivemos facilitam bastante a educação dos filhos. A estreita convivência faz todos mais tolerantes e, como as coisas não costumam sobrar, educar na temperança é mais simples.

Numa ocasião, uma das nossas filhas perguntou-nos se éramos pobres. Sem pensar - creio que o Espírito Santo me soprou a resposta – respondi-lhe que não éramos pobres, mas progres

É verdade que o contraste entre a vida que levam em casa e a que vêm em alguns dos seus companheiros e amigos faz com que, às vezes, os filhos coloquem perguntas. Numa ocasião, uma das nossas filhas perguntou-nos se éramos pobres. Sem pensar - creio que o Espírito Santo me soprou a resposta – respondi-lhe que não éramos pobres, mas progres[1]. A seguir, a minha mulher e eu comentamos divertidos que, efetivamente, na sociedade que nos coube viver, um estilo de vida sóbrio é uma coisa bastante progressista. Situações como esta serviram para falar para os nossos filhos da enorme sorte que têm de ser nove irmãos, apesar de não podermos nos permitir algumas coisas.

«Após quase vinte dois anos de casados, a minha mulher e eu olhamos para trás e só vemos motivos para dar graças a Deus».

Voluntariado familiar

Neste sentido, também procuramos fazer-lhes ver que são muito afortunados: comem todos os dias, recebem uma boa educação… e que há muitas crianças como eles que passam necessidades. Para lhes inculcar isto, foi muito útil a atividade de voluntariado familiar que o colégio organiza e em que participam os nossos filhos. Algumas vezes por trimestre, dedicávamos a manhã de sábado para acompanhar crianças deficientes de famílias desfavorecidas. Conhecer o lugar onde viviam e experimentar de perto as suas necessidades abriu os olhos dos nossos filhos e ajudou-os a valorizar mais tudo o que têm. Os mais velhos participam em atividades de solidariedade que o colégio ou os clubes juvenis que frequentam também organizam.

Algumas vezes por trimestre, dedicávamos a manhã de sábado para acompanhar crianças deficientes de famílias desfavorecidas

Por circunstâncias profissionais, vivemos em três cidades diferentes da Espanha, o que propiciou que tenhamos conhecido muita gente. O número de filhos que temos costuma provocar uma primeira reação de espanto, a que se segue normalmente uma expressão de simpatia e, com o tempo, muitas conversas sobre a educação dos filhos e questões mais de fundo facilitadas pela amizade. No fim, tudo acaba na necessidade da ajuda de Deus para levar com garbo e alegria um tipo de vida muito divertida, mas que tem, sem dúvida, as suas renúncias. Ser pai de família numerosa converte-nos em uma referência, e isso me facilitou falar com os meus amigos da vida cristã que desejo ter, que partilho com a minha mulher e que procuramos transmitir aos nossos filhos e a todas as pessoas com quem temos amizade.

Ultimamente, na nossa paróquia, e na linha do que pede o Papa Francisco, começamos a colaborar em trabalhos de acompanhamento de noivos que vão se casar ou já são recém-casados

Ultimamente, na nossa paróquia, e na linha do que pede o Papa Francisco, começamos a colaborar em trabalhos de acompanhamento de noivos que vão se casar ou já são recém-casados. Isto serviu-nos para abrir as portas da nossa casa a casais jovens e manter longas e abertas conversas sobre o matrimônio na Igreja, sobre a ajuda que a graça sacramental proporciona, a educação dos filhos… Essas conversas foram sempre muito positivas e têm a força da vivência. A novidade dos convidados em casa sempre desperta a curiosidade das nossas crianças que aparecem com qualquer desculpa enquanto falamos, o que acaba por fazer do nosso encontro uma espécie de sessão prática.

«Procuramos fazer-lhes ver que são muito afortunados: comem todos os dias, recebem uma boa educação… e que há muitas crianças como eles que passam necessidades»..

Um correspondente na Finlândia

Para além de nos abençoar com um bom número de filhos - e outros três que não chegaram a ver a luz e que estão à nossa espera no Céu – o Senhor já nos abençoou com a vocação de algum deles. Há pouco mais de um ano, Santiago comunicou-nos que queria apoiar o trabalho do Opus Dei na Finlândia. Pareceu-nos muito bem. Como nos disse o então prelado, Dom Javier Echevarría, agora somos "protagonistas do trabalho apostólico do Opus Dei também na Finlândia".

Há pouco mais de um ano, Santiago comunicou-nos que queria apoiar o trabalho do Opus Dei na Finlândia

Essa circunstância me facilitou falar com os meus amigos – que consideram que a minha família como uma caixa de surpresas – que se estendeu até a Finlândia! – e explicar-lhes, sobretudo aos mais afastados da prática religiosa, que a fé nos coloca na dimensão de Deus, e faz com que se veja com grande naturalidade o que aos olhos humanos pode parecer uma loucura. Digo-lhes, além disso, que o meu filho se comprometeu com Alguém que nunca lhe vai falhar, e que isso me dá uma grande tranquilidade.

Santiago com o então prelado do Opus Dei, Dom Javier Echevarría, no Centro de Helsinki.

Termino com um episódio finlandês. No ano passado veio a Madri um sacerdote da Obra, que é vigário da Diocese de Helsinkie viveu na mesma casa que o meu filho. Vinha apresentar um livro e veio acompanhado do seu amigo Juhani, pastor luterano. No dia seguinte à apresentação, os dois vieram jantar em minha casa. Por coincidência, era o aniversário de uma das minhas filhas e o de Juhani, que festejamos em torno de uma pizza - cardápio obrigatório nas celebrações de aniversários em minha casa - e alguns bolos com as suas correspondentes velas. Divertimo-nos muito e pude falar muito tempo e à vontade com o Juhani sobre o trabalho conjunto das Igrejas cristãs para combater, com o calor da fé, o tremendo frio de indiferença que assola a Europa do norte. Juhani estava muito surpreendido com o bulício da minha casa e fez muitas fotos da nossa comemoração com o seu celular.

No ano passado veio a Madri um sacerdote da Obra, que é vigário da Diocese de Helsinki e viveu na mesma casa que o meu filho. Vinha apresentar um livro e veio acompanhado do seu amigo Juhani, pastor luterano

Frequentemente falo com a minha mulher do "que organizamos" nestes anos. A verdade é que não fomos nós que a organizamos, porque jamais sonhamos com uma família tão fantástica. Tendo em conta Quem está por trás de tudo isto, não tenho qualquer dúvida de que nos esperam muitas surpresas nos próximos anos. Pelo menos.


[1] N.T. Progres - apócope da palavra progressista, aplicada na Espanha a pessoas que têm ideias sociais e políticas progressistas.